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Opinião: Um observatório para a justiça económica

O sistema de justiça ganha se for dotado de instrumentos que o capacitem a antecipar as crises e a reagir em tempo útil, aos seus primeiros sinais.

A literatura económica aponta o mau funcionamento da justiça – em particular da justiça cível e administrativa – como um dos maiores obstáculos ao dinamismo e à competitividade das empresas, assim como ao investimento estrangeiro nas economias nacionais.

As instituições envolvidas no Programa de Assistência Financeira a Portugal, na sequência da crise de 2011, identificaram a “falta de eficácia do sistema judicial”, ao lado da complexidade e imprevisibilidade dos procedimentos administrativos, como barreira estrutural ao investimento e ao dinamismo das empresas.

E apontam, essencialmente, para o funcionamento dos segmentos da atividade dos tribunais que mais imediatamente se interseccionam com a economia: os juízos de execuções e de comércio, na jurisdição comum e a jurisdição administrativa.

No plano factual, importa reter que entre 2012 e 2014 as ações tendentes à cobrança de dívidas subiram exponencialmente (348 mil em 2012 e 1 197 em 2014) e paralelamente, cresceu, também, o número de iniciativas tendentes à insolvência de empresas e de particulares (20 mil em 2012 e 23 mil em 2014).

As execuções atingiram 70% do total das pendências judiciais, canibalizando todo o sistema, exaurindo-o nos recursos e reduzindo-o, em dimensão significativa, a um grande balcão de cobranças de dívidas.

Os representantes do poder judicial afirmam recorrentemente que a realidade desses tribunais é apenas o espelho de uma crise que existe na economia e que não cumpre aos tribunais erradicar. Recordam a exiguidade dos níveis de recuperação dos créditos como sinal da origem e natureza da crise. Enfatizam que decidir e julgar de acordo com as regras e dentro dos parâmetros de decisão impostos pelo Estado de direito exige tempo. Tempo que não existe em crise porque ela se avoluma a cada segundo.

Têm razão. As dificuldades da justiça económica devem ser equacionadas no quadro traçado no artigo 21.º, n.º 4 da Constituição, que estabelece que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”. Uma justiça económica célere mas não equitativa de nada servirá aos interessados, ou à sociedade no seu conjunto.

Porém, é inequívoco que aqueles segmentos da atividade dos tribunais, expostos à crise, não resistiram. Estabelecendo um paralelo com a saúde, o sistema de justiça estava preparado para lidar com a doença, com os episódios patológicos, mas não estava calibrado para enfrentar a pandemia.

Por isso, é preciso identificar respostas que cubram transversalmente todas as áreas expostas, nestas se incluindo a justiça, a qual, por ter como referente princípios e critérios autónomos, deve envolver-se no processo e assegurar que, no seu desenvolvimento, se observam os parâmetros do universo de princípios e se respeitam as categorias que lhe são próprios.

Os Tribunais não terão, em permanência, estruturas de segunda linha para responder a eventuais crises na economia. E o sistema de justiça ganha se for dotado de instrumentos que o capacitem a antecipar as crises e a reagir em tempo útil, aos seus primeiros sinais.

A abertura ao diálogo da estrutura que, no Ministério da Justiça, acompanha a evolução das jurisdições relevantes em matéria de justiça económica a organizações da sociedade civil, a
parceiros sociais, à academia, pode constituir um modelo virtuoso na preparação do sistema para a prevenção de crises futuras: um Observatório para a Justiça Económica.

(in Público)