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O dia-a-dia da Secretária-Geral Adjunta

Com pulso firme e sorriso nos lábios. É assim que Ana Catarina Mendes domina o PS enquanto António Costa governa o País. Nos bastidores, os filhos e o marido, Paulo Pedroso, são refúgio constante. Fomos com ela para a estrada, vimos como se preparou no caso dos sms de Centeno ou como lidou com uma birra numa distrital do partido. Em ano de autárquicas, tem a palavra

Artigo publicado na Revista Visão.

Por MÁRCIA GALRÃO (texto) e LUÍS BARRA E LUCÍLIA MONTEIRO (Imagem)

Quando António Costa lhe lançou o desafio, a primeira reação foi espontânea:“Mas eu tenho dois filhos”, exclamou. Nada que impeça Ana Catarina Mendes de se dividir hoje em várias outras Anas Catarinas. A uma hora é mãe, na outra é secretária-geral adjunta do PS, noutra é apenas a amiga ou a esposa, na seguinte a deputada socialista eleita por Setúbal ou ainda a vice-presidente da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.

Não são muitas peles para uma mulher só? Para ela não. Confessa que ficou “assustada” quando António Costa lhe pediu para assumir o seu lugar à frente do PS enquanto ia ali a São Bento ser primeiro-ministro. Mas ela “não ‘stressa’ com facilidade” e sobretudo diverte-se a fazer o que faz. “O PS tem muito trabalho pela frente e isso dá-me motivação”. Um trabalho que Ana Catarina tenta fazer, na medida do possível, sem ter que incomodar Costa. O secretário-geral só é chamado a intervir quando ela não consegue mesmo resolver o problema. E isso tem acontecido muitas vezes? “Quase nunca. Ele diz que eu não incomodo nada. Articulamo-nos muito bem”.

Na verdade, o que se diz é que quem manda no PS é ela. De sorriso nos lábios, com diplomacia e uma aversão natural às fotografias ou à exposição pública, mas com a política no sangue a dar-lhe gozo no que faz.

O dia dela começa cedo e acaba “invariavelmente tarde”. Os colaboradores dizem-lhe que trabalha demais. Ela garante que está “mais disciplinada”. Hoje vamos ao Porto com uma agenda cheia de iniciativas, em que terá que representar vários papéis. Encontramo-nos na Avenida de Roma. Chega já perto das 10 horas, depois de uma passagem pela Assembleia da República, para tratar de assuntos da direção da bancada. Não volta a entrar no carro sem fumar o seu cigarro. É o seu grande vício, aquele que a acompanha a cada paragem que faz.

Ana Catarina segue ora à frente, ora atrás. Vai brincando com Ricardo, o motorista, pela paciência que lhe dedica. É ele que lhe vai buscar os miúdos à escola quando não consegue sair a tempo das reuniões que tem. Maria Rui, a assessora, impõe a ordem: não quer saber se há atrasos, o importante é nunca acelerar: “A Ana tem dois filhos e não pode ficar paraplégica”, atira com ar sério uma frase que já é motivo de brincadeira entre elas.

Ana Catarina confia nela. Quando Carlos César lhe liga a dizer que precisa que seja ela a reagir no Fórum da TSF à polémica que atinge o ministro das Finanças por causa dos sms com o antigo administrador da Caixa, António Domingues, Maria Rui mete-se logo em campo. Dá sugestões, propõe frases e argumentos. Ana Catarina anota tudo, mas no fim refugia-se sozinha a alinhavar as ideias.

Paramos numa estação de serviço e, por acaso, cruzamo-nos com António Costa, que acaba de beber café e tirar algumas selfies com anónimos que insistem na fotografia com o “sr. primeiro-ministro”. Havia de ser assim também ao jantar, com Ana Catarina a brincar que “se cobrássemos cinco euros por cada selfie com o António resolvíamos os problemas financeiros do PS”.

Antes de voltar a entrar no carro distancia-se para falar para o Fórum da TSF. Está preparada para atacar a oposição: “Estou farta do nível de política deste PSD”, desabafou minutos antes. Tinha acabado de ouvir Hugo Filipe Soares, vice-presidente da bancada laranja, dizer que os portugueses tinham o “direito” de saber se “primeiro-ministro e ministro das Finanças mentiram” sobre a escolha da administração da Caixa e de acusar Ferro Rodrigues de não ser um presidente da Assembleia da República imparcial. Palavras que Ana Catarina ouviu “com grande perplexidade”, dizendo aos microfones da rádio que os portugueses “esperam que não haja este espetáculo triste” e garantindo que “não há asfixia democrática, mas sim ausência de agenda política do PSD”.

Assim que desliga o telefone e já com o carro a rolar pela A1, liga-lhe a amiga Maria Antónia Almeida Santos. “Fui muito bruta?”, pergunta-lhe. Do lado de lá ouvem-se elogios. A relação das duas é de grande cumplicidade. Na noite anterior tinham estado juntas num dos raros momentos de lazer a que Ana Catarina ainda cede: “fomos ao B.leza, ali no Cais do Sodré”.

Mas Almeida Santos não foi a única a ligar- -lhe. Mais tarde também João Paulo Correia, deputado do PS que foi chamado a reagir ao tema para a comunicação social, quis também saber o que a sua secretária-geral adjunta tinha a dizer sobre o assunto dos sms. “Temos que matar o assunto, dizer ao PSD que venha discutir coisas que interessam. Não pode ser o PS a alimentar esta discussão”, ordenou.

Está convencida que cabe aos políticos ajudar a “credibilizar” as funções e a crispação que o PSD “tenta introduzir, não é saudável”.

Ana Catarina Mendes é também a pessoa que faz a ponte entre o PS e o Governo. É para ela que o diretor de uma área regional de saúde liga quando precisa que alguém faça um forcing junto do ministro da Saúde para estar presente na inauguração de um centro. É ao seu gabinete que chegam centenas de cartas de militantes com preocupações sobre a sua reforma ou com dúvidas sobre a entrega do IRS.

Quando tem momentos livres dedica-os à família. Cinema “ultimamente só para ver filmes de crianças”. Férias têm sido entre Troia e Sesimbra. Levar os miúdos à escola pela manhã é uma rotina que tenta não perder. Mas Madalena e António acompanham-na também muitas vezes quando tem que percorrer o País ao fim de semana. “O Paulo [Pedroso] quando está por cá também vem às vezes comigo”. O apoio da mãe ajuda-a a gerir melhor uma agenda assoberbada de trabalho.

A política corre-lhe no sangue e é tema obrigatório nas conversas “lá em casa”. “Quem conhece o Paulo sabe que não podia ser diferente”, diz referindo-se ao marido, o ex-ministro de Guterres.

Enrola o cabelo enquanto fala ao telefone. O look descontraído contrasta com pormenores de menina vaidosa. O perfume Chanel na mala, com que se borrifa antes de sair do carro. O pente com que arranja os cabelos pretos e lisos, o creme com que hidrata as mãos. Ou a graxa que vem dentro do porta-luvas do car – ro e que usa para engraxar as botas enquanto pega no telefone para ligar a Rui Tavares. Tinha acabado de ler o artigo que o fundador do Livre escrevera nesse dia no Público e tinha uma proposta para ele. Quer que Rui Tavares “vá pensando” numa iniciativa para se fazer “uma coisa sobre Europa”. “Tomamos um café lá nos ‘meus jardins’”, convida referindo-se à bela paisagem que tem em frente à janela do seu gabinete no Palácio Praia, sede do PS.

É sempre simpática nos contactos que tem na rua, no Parlamento ou ao telefone. O sorriso é a sua imagem de marca. Talvez por isso o tí- tulo de “miss Simpatia” do PS lhe assente que nem uma luva. Alguns dizem-lhe que deve ser mais dura nas funções que exerce. Mas nestes dias que acompanhamos Ana Catarina Mendes percebemos que a diplomacia de sorriso nos lábios é a sua maior arma. E é com ela que consegue, aparentemente, resolver cada problema e levar a sua avante.

É também de sorriso nos lábios que passeia à vontade pelos corredores da Assembleia da República, alguns dias mais tarde. Não foge a uma discussão e não perde o humor quando o assessor do PSD, Zeca Mendonça, brinca a dizer que agora estão mais distantes porque o PS se radicalizou. “O PS está no mesmo sítio. Eu defendo vários pontos de convergência”, atira a deputada.

Mas voltemos à viagem ao Porto. Na rádio ouve-se sempre M80, salvo quando é preciso atualizar as notícias do dia com a TSF ou a Antena 1. Depois de uma paragem na Alfândega do Porto, onde Costa discursou e ela ouviu, viaja-se para um almoço no novo Terminal de Cruzeiros de Matosinhos. No regresso à capital do Norte damos boleia a Luísa Salgueiro, a mulher que o PS escolheu para voltar a ganhar Matosinhos para os socialistas. Quando sai do carro, Ana Catarina lança-lhe o desafio: “Tens que ter 75%”, brinca.

É também de Matosinhos que se falará à tarde. A secretária-geral adjunta do PS refugia-se num hotel da Invicta. Estava ali no Porto para resolver problemas das autárquicas do PS. Convencer uma militante a ser candidata nas listas da Maia. E encontrar-se com Manuel Pizarro, o líder do PS/Porto, que chega ao hotel à boleia de Rui Moreira, o independente que governa a cidade e que terá este ano o apoio dos socialistas. Dali sai mais tranquila. Pizarro garantiu-lhe que qualquer divergência na sua federação está resolvida e o PS vai ganhar. Não é um compromisso menor, já que as lutas de poder interno na região têm dado várias dores de cabeça à mulher que tem nas mãos o dossiê autárquico.

Seguimos para Paredes, onde se jantará com mais de 700 militantes que apoiam a recente candidatura de Alexandre Almeida à câmara. A viagem dura mais de 40 minutos pelo trânsito de fim de tarde que sai do Porto. Ana Catarina não larga o telemóvel. Vinha evitando mensagens e telefonemas durante o dia, mas chegara a hora de tratar de um assunto mui – to específico e que lhe estava a causar dores de cabeça. Não gosta de ser dura, de ter que “ralhar” ou impor a sua autoridade de forma grosseira. Procura sempre a via diplomática, com tiradas bem dispostas. Foi assim que procurou naquela noite resolver um conflito entre um presidente de federação, um presidente de concelhia e elementos da direção nacional. Multiplica-se em telefonemas para uns e outros. Pede tranquilidade e empenho. Tenta evitar uma demissão. Percebe-se que está aborrecida com uma “facada” que alguém procurou dar na sua autoridade. “A avaliação política tem que ser em última instância mi – nha”, reitera para quem a ouve do outro lado da linha. Nunca sobe o tom de voz.

António Costa liga-lhe pelo meio destes telefonemas. Como Ana Catarina não atende, o primeiro-ministro liga para Maria Rui. A assessora diz-lhe que está ao telefone e já lhe liga. Quanto Ana Catarina desliga dá-lhe o recado. “Então trocou-me toda a tarde e eu estive a resolver conflitos”, diz em tom de brincadeira a secretária-geral para o primeiro-ministro.

A conversa é descontraída, mas Ana Catarina nunca abandona o “você”. Conhece António Costa há muitos anos, mas o tratamento por “tu” não existe.

LÁ EM CASA FALA-SE DE POLÍTICA

No regresso a casa, pela A1, Ana Catarina liga aos filhos e depois ao irmão Pedro. Tenta manter-se a par da vida familiar. A segunda de quatro filhos. A única menina entre rapazes. Passou a infância em Abrantes e lembra-se bem das histórias do tempo em que o seu avô foi um preso político do Aljube. Cresceu com a família materna, numa casa onde os ex-exilados e os ex-presos políticos eram presença obrigatória. Gente de esquerda, do Partido Comunista. É por isso que não hesita quando garante que “nunca” teve “uma má relação com o PCP”. Algo que lhe deu uma naturalidade na hora de se sentar à mesa para negociar com os comunistas. Ana sente que ainda não chegou a hora de contar a sua versão daqueles dias em que juntamente com Mário Centeno, Pedro Nuno Santos e Carlos César andou de capelinha em capelinha a negociar os termos das posições conjuntas que haviam de servir de cimento à “geringonça” de hoje.

Mas gosta da palavra. E mais do que isso gosta da ideia e do que ela representa. É por isso que está a colecioná-las. Não às geringon- ças entre PS, PCP e BE. Essas estão fora da sua agenda pré-eleitoral… depois das autárquicas logo se vê. São de metal as geringonças que um amigo do Porto lhe vai enviando. No gabinete do Rato já tem duas em exposição. E quando vamos a caminho da Invicta, Ana Catarina liga ao amigo: “quero outra geringonça”. Ele traz-lhe duas para escolher: a Pintacuda ou a Bomga. São objetos metálicos, que se movem de forma desengonçada. “Superam os desafios, são desengonçadas mas marcham sempre”, diz a secretária-geral adjunta metaforicamente, escolhendo a Bomga, que se move como uma lagarta. Gosta da palavra, ao contrário de muitos dos seus colegas socialistas. Usa-a abundantemente, como no lançamento do livro de André Freire Para lá da Geringonça. Perante a plateia que se concentrou na Bertrand não hesitou: “a geringonça é também a forma como lhe dou corda para ela funcionar” e para ela todos os partidos foram capazes de perceber “o momento para lá das nossas divergências partidárias” e com isso trazer “um novo respeito pelas instituições”. E Ana Catarina Mendes tem “enorme orgulho em fazer parte da geringonça”.

Nem mesmo a luta autárquica que se avi – zinha a faz perder a fé nestas alianças. Está consciente que o PCP “não deixará de ir à luta e que o PS também trabalhará para ganhar em todo o território”. Mas não irão as batalhas locais beliscar os acordos nacionais? “Não temo que belisque. Não deve beliscar. As pessoas estavam cansadas da crispação. O próprio PCP e BE estavam fartos. Divergimos em muitas coisas, mas temos consciência que existe concertação no que é o interesse do País”.

A preparação das eleições previstas para setembro são a sua grande prioridade neste momento. A azáfama é grande no Largo do Rato. A secretária-geral adjunta recebe muita gente no seu gabinete. Despacha muitos assuntos. Dá atenção a muitos pormenores. E não deixa de chamar a Lisboa o PS de todo o País quando é hora de preparar a grande convenção nacional autárquica, marcada para 6 de maio. Neste dia de março em que estamos com ela no Palácio Praia está prevista uma reunião com os presidentes de federação.

E logo pela manhã há um hábito muito português que começa por irritá-la. “Começa tudo depois das 18h”. Deixa cair o desabado: “a política não está feita para mães”. Mas ela é mãe de dois e dedica-se a isso mais do que tudo. E como ali naquela sala de tetos trabalhados e alcatifa vermelha a última palavra é dela, não há quem a consiga contrariar quando dá a ordem: “antecipem a reunião com os presidentes de federação que estava marcada para as 19h, para as 18h”. Na mesa ainda tentam protestar: “alguns vêm de longe”, atiram como desculpa. Mas Ana Catarina não desarma: “dizes que sou eu que estou a pedir que eles fazem o esfor- ço”. E assim foi, às 18h lá estavam eles, ainda que alguns se tenham atrasado. Mais uma vez a quota feminina é praticamente cumprida apenas por ela, a quem se junta Maria da Luz Rozinha, secretária nacional. Nada que a ini – ba. Ali quem define o guião é ela. O tema são as miniconvenções autárquicas que o PS irá fazer antes da convenção nacional. E aquela mesa ela quer auscultar como estão as coisas a correr em cada um dos concelhos e definir prioridades. “Quero fazer já nesses encontros a apresentação de alguns candidatos que se possam antecipar. Será também importante recolher contributos locais para a carta autárquica dos socialistas que havemos de aprovar na convenção nacional”, explica.

As bases das eleições estão lançadas. Ana Catarina Mendes está convencida que o PS terá um bom resultado e satisfeita com o trabalho que conseguiu fazer para evitar aqui e ali conflitos internos nas estruturas. “Não consegui resolver tudo da forma que gostaria, mas há coisas que são impossíveis”, sublinha.

Despedimo-nos dela no corredor que dá acesso ao seu gabinete no Rato e não resistimos à provocação. De um lado e do outro estão pregadas as fotografias de cada secretário-geral do PS. São apenas homens. “Falta aqui uma mulher”, brincamos. “Em breve vamos ter aqui uma mulher. Mas não, não serei eu”. Será?

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