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Pensar adiante | Cultura

Pensar adiante | Cultura

Habituámo-nos a pensar a Cultura Artística segundo as suas principais disciplinas: Teatro, Cinema, Literatura, Dança, Artes Plásticas e por aí adiante. Trata-se de uma visão que há muito não corresponde à realidade da produção cultural, sobretudo após as radicais mudanças do início do século 20 que, entre outras coisas, determinaram precisamente o fim das disciplinas.
Pensar adiante | Cultura

As obras passaram a integrar outras artes, numa incessante procura da Arte Total, ou em muitos casos apropriaram-se umas das outras. A performance nas artes plásticas é uma evidente apropriação do teatro. Enquanto a dança ou o cinema muitas vezes se exprimem como uma série de pinturas em movimento. Estou a pensar em Antonioni por exemplo.

Se a derrocada das disciplinas foi evidente ao longo do século passado, com a emergência do universo digital é cada vez mais difícil compartimentar uma determinada forma de expressão artística. Basta pensar no hipertexto, ou seja, o ambiente base da Internet, em que um determinado elemento, um texto por exemplo, remete para imagens, músicas, vídeos, outros textos, etc… na realidade abre para todo o conteúdo da própria Internet. Como chamar a uma obra de arte que se apresenta desta maneira? É literatura? É fotografia, cinema, música? 

Mas isto é básico. A Inteligência Artificial, cada vez mais presente em máquinas e programas de computador, altera significativamente a produção artística. Na medida em que acrescenta, modela, transforma, aquilo que o autor humano iniciou. Há quem olhe para um computador como uma simples ferramenta. Uma espécie de berbequim sofisticado. Não é. Um computador é uma máquina de pensar que colabora ativamente na nossa produção. Neste instante o computador corrige os meus erros, não só os de datilografia, mas igualmente os de concordância ou gramaticais. Ou seja, este texto resulta de uma pequena, mas essencial, colaboração entre mim e a máquina.

Pense-se numa máquina fotográfica atual, foca automaticamente, mede a luz ambiente, escolhe o melhor tempo de exposição, etc. Quanto da foto é obra do fotógrafo e quanto é da máquina? Talvez por isso os puristas da fotografia defendam as máquinas analógicas. 

Ainda mais significativo. Quem tira as belas fotos do planeta Marte? Não são certamente os operadores humanos que se encontram na Terra, já que cada mensagem entre os dois planetas demora entre 3 e 22 minutos. Ou seja, o operador está a ver uma imagem de alguns minutos atrás e se desejar tirar uma fotografia a posição do robô Curiosity será diferente.

Podemos ir ainda mais longe com as artes assumidamente tecnológicas. Formas de expressão geradas por algoritmos criativos ou robôs autónomos, isto é, que produzem resultados que não podem ser determinados à partida pelo utilizador humano. É aliás o caso dos meus robôs pintores, passe a propaganda. 

Num tal contexto, o papel do criador humano altera-se. Deixa de produzir a obra para passar a produzir o processo que dá origem à obra. E aqui sim temos uma mudança radical do conceito de Cultura Artística.