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“Não se pode fingir que não temos um elefante no meio da sala”

“Não se pode fingir que não temos um elefante no meio da sala”

O euro é uma peça central da União Europeia e sem corrigir os seus erros não é possível avançar na Europa. Esta é a tese de António Costa, para quem os cenários sobre o futuro da União apresentados pelo presidente da Comissão Europeia não podem excluir esse “elefante”. Portugal quer conjugar cenários, até porque aqui há dois parceiros mais relutantes em termos europeus. Quanto aos resultados obtidos ri-se: passou de diabo a santo milagreiro.

P Como avalia os cenários para o futuro da Europa?

R Os cinco cenários encerram verdadeiramente duas perspetivas, uma de retrocesso — o de regressar a um mero mercado interno — e os outros são variantes de uma perspetiva de evolução: na continuidade, de geometria variável, de evoluções mais ambiciosas, mas limitadas, ou mais gerais. A primeira opção é se queremos retroceder ou desenvolver a União.

P E quer desenvolver?

R Sim. Aí, a evolução na continuidade é manifestamente insuficiente para os desafios que se colocam; a de evolução com geometria variável pode ser um mal menor, mas é perigosa do ponto de vista de dissolução do futuro da União; mesmo sendo otimista, o cenário de fazer mais em conjunto não corresponde ao nível de expectativas no Conselho; quanto ao fazer menos com mais eficiência, depende das opções que se fizerem, e pode até ser um bom método para todos trabalharem em conjunto.

P Que opções deve a União fazer?

R A UE deve focar-se em algumas áreas e aprofundá-las. Falo da política comercial para regular a globalização, migrações, combate ao terrorismo, completar a União Económico-Monetária (UEM) com o pilar social e mecanismos de prevenção de riscos e capacidade de responder aos choques assimétricos, dotar a zona euro de uma capacidade orçamental digna desse nome. Ao mesmo tempo, aprofundar a cooperação na defesa e política externa. As políticas de convergência e coesão e a política social não podem cair.

P E Portugal?

R Uma boa linha seria escolher prioridades e avançar com todos. É uma espécie de combinação da metodologia do quarto cenário com os conteúdos do quinto. Recuar para o mercado único não é um caminho a seguir. Se a Europa se arrastar na continuidade, alguns países poderão ser tentados a avançar sozinhos.

P Uma Europa a duas velocidades?

R Pior, uma Europa de geometria variável. Já hoje os que querem fazer mais podem fazê-lo através das cooperações refor- çadas (euro, Schengen), mas o que se prevê de novo é que possa haver uns grupos para o terrorismo, outros para outra coisa, agrupamentos variáveis na geometria e sem coerência. E isso é que é perigoso.

P Portugal sempre defendeu a integração no núcleo duro.

R E estaremos sempre no núcleo duro, temos de estar.

P Isso não lhe cria problemas com os parceiros?

R Temos uma visão diferente sobre a Europa, por isso falo por mim.

P Quais são os grandes desafios da UE?

R Os que a globalização coloca — nenhum Estado sozinho responde melhor do que a União. Por isso é fundamental uma política comercial para ajudar a regular a globalização; a necessidade de reforçar a coesão e a convergência para poder crescer e gerar prosperidade partilhada, o que significa completar a zona euro e dotá-la de capacidade orçamental; o desafio das migrações, do terrorismo, das ameaças externas, que implicam novos esforços da cooperação. Não podemos ter uma Europa à la carte. Se queremos avançar com consistência tem de haver um conjunto de áreas entendidas como núcleo duro onde é necessário ter políticas e avançar em conjunto. A pior coisa que a Europa pode fazer é criar novas áreas sem resolver os problemas.

P E que também derivaram de um alargamento apressado?

R A evolução política em diversos países do alargamento não existe por acaso e demonstra como dificilmente a 27 conseguiremos avançar para novos domínios. A União tem uma diversidade muito grande, o que implica atitudes completamente diversas perante muita coisa. Percebo que alguns países revelem impaciência, não se condiciona o desenvolvimento do projeto europeu a bloqueios provavelmente duradouros. Mas tem de assentar numa coerência.

P Qual?

R Por exemplo, a zona euro. Se a adotarmos como base para construir uma cooperação na área da segurança e defesa, parece-me excelente. Mas para isso é preciso consolidá-la.

P Mas a Alemanha não quer ouvir falar nisso, pelo menos em ano de eleições

R Por isso é positivo o documento da Comissão, porque coloca vários cenários em aberto para António Costa Primeiro-ministro estimular o debate, revela inconformismo perante a divisão no Conselho e não aceita ficarmos prisioneiros dos calendários eleitorais. É positivo que o presidente Juncker tenha tomado a iniciativa, não se tenha deixado paralisar e queira avançar. E já deu por adquirido que o 60º aniversário em Roma não é ponto de chegada mas de partida.

P Vai haver uma Declaração?

R Que dirá generalidades. Haverá uma referência ao euro, porque não é possível falar da Europa sem falar dele.

P Portugal não assinará a Declaração se não constar essa referência?

R Essas questões não são assim, há um espírito construtivo. O documento da Comissão identifica UNIÃO EUROPEIA expressamente a necessidade de completar a UEM e reforçar as políticas de convergência e coesão. Temos de ser consequentes face ao diagnóstico.

P Mas haverá mudanças de tom com as eleições?

R Os resultados eleitorais condicionarão muito o que vai acontecer. Se a sra. Le Pen ganhar, grande parte desde debate já estará comprometido antes de chegarmos ao verão. Há muitas variáveis.

P Como encara o aprofundamento da moeda única, tendo em conta a posição dos seus parceiros?

R A posição que o PCP tem sobre o euro ou que o BE tem sobre aspetos do euro não são contraditórios com a necessidade de completar a união bancária ou de se ter uma capacidade orçamental que dote a zona euro de instrumentos que permitam repor a convergência. Respondem a necessidades identificadas por todos, que é o facto de o euro colocar exigências sobre a competitividade que acentuaram a divergência económica em benefício dos países mais desenvolvidos e claro prejuízo dos países da periferia. O euro “PASSAR DE DIABO A SANTO MILAGREIRO É UM GRANDE PERCURSO” “A EUROPA NÃO PODE DESPERDIÇAR A OPORTUNIDADE DE TER UM LÍDER CONHECIDO” é uma peça central da UE, e não vale a pena fingir que não temos um elefante no meio da sala.

P Tem feito o esforço de pôr na agenda os problemas dos países do sul.

R Não há problemas dos países do sul, mas da UE. A interrupção do processo de convergência da periferia é um problema para o conjunto da zona euro. No dia 6, vão reunir-se em Versalhes os quatro maiores países, três dos quatro estiveram na conferência dos países do sul: França, Itália e Espanha, a par da Alemanha.

P É um diretório de matriz latina?

R Não. É positivo que os países façam debates em formatos diversos. É mais um esforço de reflexão conjunta e não tenho nenhum complexo em relação à dimensão de Portugal. Vejo com satisfação que algumas pessoas desvalorizaram muito a reunião dos países do sul, e quando três dos quatro maiores se reúnem, afinal passam a ser diretório.

P Há sempre esse problema.

R Só há diretório quando os outros se demitem de estar na linha da frente dos debates.

P Diz o otimista irritante.

R Ex-otimista, agora realista. Está aritmeticamente demonstrado. Veja ao desespero que é preciso chegar. Passar de diabo a santo milagreiro é um grande percurso. Levámos quatro anos a ouvir que não existia alternativa àquela política, nove meses a ouvir dizer que a alternativa conduziria ao desastre e agora já só resta para desculpa que afinal houve um milagre. Mesmo os crentes sabem que Deus dedica os milagres a outras causas humanas.

P O Conselho Europeu da próxima semana vai debater o “Livro Branco”?

R Pode ser que haja uma conversa, mas vai estar mais ocupado na escolha de quem vai ser o próximo presidente do Conselho.

P A Polónia já disse que não apoia o atual.

R As escolhas são simples: ou temos uma lógica de continuidade, e mantém-se Donald Tusk, que tem o apoio generalizado; ou porque não há consenso ou porque perante um novo quadro internacional, a Europa tem a necessidade de ter um rosto mundialmente reconhecível a liderar o Conselho Europeu. Não deve desperdiçar essa oportunidade. Dispõe de um chefe de Estado em termo de mandato e com projeção internacional, como François Hollande. O outro líder de dimensão europeia, Angela Merkel, já exprimiu a vontade de disputar eleições.

P Portugal apoia Tusk?

R Fazemos uma boa avaliação do seu trabalho e não vemos razão para não ser reconduzido.

P Não o incomoda que o PPE detenha os três lugares nas mais importantes instituições europeias?

R O equilíbrio entre famílias políticas tem de ser assegurado e há diferentes formas de o fazer. Se se mantiver Tusk, provavelmente será necessário redistribuir pelouros no seio da Comissão de forma a que nas áreas económicas e sociais o comissário socialista tenha um peso acrescido, por exemplo. Mas cada coisa a seu tempo. [email protected]

In Expresso

Texto Luísa Meireles

Foto Alberto Frias

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