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‘Política Com Palavra’ com Pedro Adão e Silva

‘Política Com Palavra’ com Pedro Adão e Silva


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“Maiorias absolutas servem para promover mudanças que perduram”

 

Pedro Adão e Silva assumiu as funções de Ministro da Cultura com a tomada de posse do XXIII Governo. Na semana em que o Governo celebra um ano de atividade, o governante faz o balanço na área da Cultura e avalia a marca distintiva dos governos de António Costa: a combinação entre disciplina orçamental e controlo da dívida e, por outro lado, as respostas àquilo que são as necessidades das famílias.

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Nuno Sá Lourenço: Bom dia e bem-vindos a mais uma edição do podcast Política com Palavra. Esta semana temos connosco Pedro Adão e Silva. Comecemos pelo sector que tutela, a cultura. O património é a área que vai receber a maior fatia de investimento do PRR. O que já está em marcha?

Pedro Adão e Silva: O PRR é uma oportunidade para a cultura, como aliás para outras áreas, e permite um investimento sem paralelo no património e também na transição digital. Permite fazer investimentos em alguns monumentos, museus e teatros nacionais que não tinham tido investimento há muito tempo, nomeadamente, aqueles que estavam na região de Lisboa e Vale do Tejo. Acho que essa explicação continua a ser necessária porque, na verdade, no contexto dos períodos de programação anteriores dos Fundos Comunitários, Lisboa e Vale do Tejo tinha mais dificuldades de financiamento. E daí também este peso do PRR em Lisboa e Vale do Tejo. Vai permitir uma intervenção profundíssima no Teatro Nacional de São Carlos. Mas também no Mosteiro dos Jerónimos, no Museu de Etnologia, no Teatro Camões, no Teatro Dona Maria, que já está fechado para essa intervenção, mas também um pouco por todo o país, no Convento de Cristo, em Tomar, em muitos museus e monumentos pelo país fora. Isso é fundamental, porque o Património não é apenas parte da nossa história e da nossa identidade. Acho que é muito importante termos esta consciência de que existimos enquanto comunidade porque partilhamos uma cultura. E o nosso património é, de certa forma, a materialização desse passado, mas também daquilo que é o nosso presente e de como é que nos movemos e projetamos para o futuro. E além do mais, é um fator de enorme valorização do território e de diferenciação. Eu ainda ontem estive na abertura de uma sala do Museu do Azulejo que foi reabilitada, o Museu do Azulejo é aqui em Lisboa, mas é um fator de diferenciação da cidade de Lisboa. No ano de 2019, que é o último ano que podemos utilizar como medida, teve cerca de 235.000 visitantes por ano. Este ano já está a ter mais na comparação dos meses homólogos, essencialmente, estrangeiros. E nós precisamos de valorizar a nossa identidade, temos de valorizar o nosso território. E o Património tem essa função. É um trabalho muito exigente, pois o que é que já está a acontecer? É um trabalho muito exigente, porque nós conhecemos bem aquilo que é o contexto do ponto de vista das obras públicas e mais exigente é no Património, porque são intervenções que têm outro tipo de especificidades e, portanto, são mais complexas do ponto de vista do lançamento dos procedimentos. Mas as coisas estão a correr dentro daquilo que está previsto e que estava calendarizado e acho que vamos chegar ao fim deste ciclo e com um investimento que se vai refletir um pouco por todo o país.

NSL: Na atribuição do apoio às artes mudaram-se as regras e surgiram as inevitáveis reações das companhias históricas que ficaram de fora. Porque é que o resultado destas mudanças gera sempre descontentamento?

PAS: Este concurso, de facto, teve algumas mudanças nas regras que correspondem às reivindicações, com muito tempo, do setor. Por exemplo, o que caracterizava este concurso era as entidades apresentarem uma candidatura com determinado valor - 100 - depois era feita uma avaliação e aquilo que era recebido era, imaginemos, 70% do valor da candidatura. Neste concurso, as entidades passaram a receber a totalidade. Ao mesmo tempo, puderam-se auto-posicionar nos patamares. Puderam apresentar uma proposta a dizer “eu quero 400.000 € por ano”, claro, justificando e isto implicando um conjunto de celebração de contratos de trabalho. Qual foi o efeito dessas alterações às regras, juntando uma outra muito importante que é a ideia que as entidades que são apoiadas no concurso quadrienal, todo o ciclo de quatro anos, no fim deste ciclo podem ter a renovação automática e não estar sujeitas a um novo concurso. É que o montante pedido pelas entidades que já recebiam no ciclo anterior duplicou. O que é que aconteceu? Foi preciso fazer um reforço muito significativo do concurso. Isso já foi feito depois do Verão. Neste momento, quando olhamos para a fotografia do país, passámos de 186 entidades apoiadas no ciclo anterior para 212. Mas mais impressivo do que este crescimento do número de entidades apoiadas é que cada uma delas recebe cerca do dobro, em média, cerca de 200.000 €. Há umas que recebem 400 mil, que são aquelas que têm projetos mais consolidados, com maior fôlego. Agora, eu percebo que num contexto de um concurso - eu tenho sempre dito que os concursos com júris são a pior solução do mundo com exceção de todas as outras - há sempre quem acredite na proposta que apresentou e fique descontente por não ter sido proposto para o apoio. Mas nós temos mais entidades apoiadas e muito mais dinheiro nas entidades. Entre as entidades mais apoiadas estão companhias históricas, aliás, diria que são essencialmente companhias históricas. Eu tenho acompanhado e percebo o protesto, mas uma parte do protesto é de entidades que não tinham sido apoiadas no ciclo anterior, mas que, no entanto, no contexto da pandemia, como todas as entidades, tiveram apoio, e na verdade, não há aqui uma diferença neste ciclo face aquilo que vinham sendo os resultados de concursos anteriores.

NSL: Recentemente, esta semana, surgiu uma notícia a propósito de uma cisão dentro do governo sobre a gestão dos museus. A minha questão é que a Cultura tem participado no esforço de desconcentração de competências para as CCDR e para os municípios...

PAS: Essa notícia, aliás, tem, do ponto de vista factual, vários erros. Desde reuniões que não aconteceram, mas isso faz parte da vida, não valorizo mesmo nada. Há aqui em vários temas, o primeiro o da descentralização. A Cultura tem avançado bastante na descentralização, não só naquilo que já estava previsto. Até, por exemplo, estamos a tratar da passagem para a tutela da Câmara do Porto, de um antigo museu de Etnologia, no Porto, que não estava previsto que fosse descentralizado. A Câmara vai fazer um novo museu nesse espaço. Portanto, a descentralização continua, continuará e até vai ser intensificada. O que ficou definido na resolução do Conselho de Ministros de Dezembro sobre a desconcentração, é que, no caso da Cultura, este processo seria articulado com uma reorganização orgânica da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC). São dois compromissos do programa do Governo e estão interligados, porque vamos fazer uma profunda reorganização orgânica da DGPC, será um trabalho que estará concluído no final deste primeiro semestre e é, nesse contexto, que avançará também a desconcentração. Termos um conjunto de museus e monumentos nacionais e são geridos pela DGPC é um problema. Termos os museus geridos por uma Direção-Geral limita a capacidade de os museus e os monumentos nacionais gerarem receitas próprias, de gerirem com autonomia as suas receitas, de terem uma identidade partilhada. Há várias limitações, mas não há grande polémica em torno dessa matéria. Eu nem sequer percebo bem qual é a natureza da discussão. Acho que é uma enorme confusão sobre a natureza dos próprios museus e dos monumentos. E eu tenho sempre dito que, como membro do Governo, a minha obrigação é governar. Não é especular nem comentar notícias de jornais, mesmo quando elas são factualmente falseadas. Não cabe aos membros do Governo alimentar a especulação e, aliás, aquilo que a ministra da Coesão disse é aquilo que eu também tenho dito: que continuaremos a descentralizar a gestão de alguns museus, aqueles que fazem sentido para os municípios. Não vamos descentralizar o Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, para o município de Lisboa. Eu acho que toda a gente percebe a natureza nacional das coleções nacionais deste museu. Agora, eu já tive oportunidade de assinar o auto de passagem do Museu da Princesa de Santa Joana, em Aveiro, para a Câmara de Aveiro. É preciso que as coisas tenham critérios de racionalidade e princípios que organizem as reformas. O Governo vai cumprir um ano. E eu não tenho hesitado em dizer que este tema é a prioridade da legislatura e julgo que a responsabilidade dos políticos é também saber hierarquizar as prioridades e não dizer que é tudo igual, que são tudo prioridades. Esta é a prioridade e esta prioridade, a meu ver, para ser uma solução sustentada e equilibrada e eficaz e eficiente, precisa de estudo, planeamento. É isso que nós estamos a fazer. Então é preciso racionalidade nos critérios. O que já foi feito no passado, nomeadamente no período da Troika, com a distribuição das responsabilidades na Cultura e a sua hiperconcentração neste “mega” organismo, que é a Direção-Geral do Património é um exemplo daquilo que não se deve fazer. E julgo que não vale a pena pensar que se podem fazer transformações profundas nas políticas públicas em cima do joelho e de forma pouco criteriosa. E a responsabilidade da maioria absoluta é essa: é ter tempo para planear, para estudar e para executar de forma criteriosa e racional. É isso que estamos a fazer nos museus, monumentos nacionais e no Património.

NSL: O Governo está a fazer agora um ano esta semana desde que tomou posse. Que balanço faz deste primeiro ano?

PAS: Foi um ano difícil em função do contexto. Eu recordo-me que desde o momento em que o Primeiro-Ministro me convidou para ir para o Governo até à tomada de posse, o mundo mudou. E se nós tínhamos esta grande vantagem, que é termos um horizonte de previsibilidade e de estabilidade, isso continua a ser um ativo que tem poucos paralelos no contexto europeu, eu acho que nós devemos valorizar esse ativo…

NSL: Está a falar da maioria absoluta.

PAS: A maioria absoluta, quer dizer, é muito distinto pensar a governação e pensar as políticas públicas num horizonte de curto prazo e de obrigação de uma negociação de orçamento a orçamento e de trazer para o Orçamento toda a discussão das políticas públicas ou, pelo contrário, termos um horizonte de previsibilidade. Isso continua a ser um ativo que tem um valor, a meu ver, difícil de atribuir um peso. Mas tivemos circunstâncias muito difíceis, as eleições ocorrem, inicia-se a guerra, há a tomada de posse e o impacto económico que a guerra teve. E essa dificuldade marca certamente este ano de governação. Mas também acho que há uma característica que, aliás, já vinha dos dois Governos anteriores, que é a capacidade de, por um lado, promover um equilíbrio entre valores que por vezes são apresentados como contraditórios e antagónicos: estou a falar do rigor orçamental, das contas certas, por um lado, e, por outro, da preocupação de termos respostas sociais sólidas e sustentáveis, mas fazer isso com capacidade de adaptação àquilo que é necessário fazer em cada momento. E eu julgo que isso é, por um lado, a marca distintiva dos Governos de António Costa, a que as pessoas atribuem um valor. Eu julgo que o esforço que tem sido feito para apoiar as famílias, mas também as empresas no quadro da inflação, dá bem conta disso.

NSL: Mas também ajuda estarmos numa situação em que os países europeus têm um conjunto de apoios que vêm da União Europeia, que não tem igual nos anos anteriores.

PAS: Certo, isso é verdade e eu não queria dizer que será uma derradeira oportunidade nessa perspetiva, mas dificilmente voltaremos a ter um ciclo desta natureza. Mas, por outro lado, há aquilo que tem que ver com as respostas nacionais que não se prendem com os Fundos e com os recursos europeus. É óbvio que o comportamento da nossa economia já em 2023, mas certamente em 2024 e 2025, vai ser muito marcado pelo investimento que decorre dos recursos europeus. Quando nós pensamos que na Cultura temos 250 milhões € de investimento de PRR, isso permite perceber qual é o efeito multiplicador na economia, pensando apenas nesta área. Outra coisa são as opções tomadas pelo Governo, agora com a resposta à inflação, mas com os pacotes de apoio às famílias ainda em 2022. Tem sido um esforço um muito significativo e que só é possível porque temos mantido as contas certas.
Ou seja, são precisamente as contas certas e os números do défice, o controlo da dívida, igualmente importante, a descida muito acentuada da dívida em percentagem do PIB. É isso que nos dá a liberdade para poder tomar estas medidas. Não fora essa trajetória orçamental, nós não teríamos a possibilidade de ter respostas como estamos a ter agora, no apoio às rendas, aos empréstimos, à habitação, na baixa do IVA para alguns produtos, isso não seria pura e simplesmente possível. Eu julgo que esse equilíbrio entre disciplina orçamental e controlo da dívida e as respostas às necessidades das famílias é o que distingue o Partido Socialista e esta governação, em particular.

NSL: Independentemente disso, esta conjuntura política já dura há cerca de sete, oito anos. E neste último ano temos assistido a alguns analistas políticos a falarem de um governo cansado, de uma maioria requentada. De certa forma é normal que isso aconteça quando já se está no poder há um largo período de tempo. Mas o Governo tem que fazer um esforço para contrariar essa ideia de cansaço.

PAS: Primeiro, é óbvio que quando estamos a falar de uma continuidade, são três Governos seguidos e com esta particularidade, que é termos dois Governos minoritários e depois o terceiro ser de maioria absoluta. Mesmo a primeira maioria absoluta de Cavaco Silva foi pouco tempo depois de um Governo minoritário. Aqui não, nós temos uma situação bastante excêntrica…

NSL: É parecido com o percurso de António Costa na Câmara de Lisboa…

PAS: É verdade, mas apesar de tudo há diferenças com a realidade da governação autárquica. Mas esse elemento de continuidade pode ajudar a que se faça essa leitura de que o Governo está cansado. Mas depois, por outro lado, neste Executivo que está em funções, grande parte dos ministros, não faziam parte dos Executivos anteriores. Quanto ao Primeiro-Ministro, não o tenho notado cansado. Quanto aos membros do Governo, também não vejo que isso seja assim. Eu tenho procurado suspender em absoluto o meu papel de comentador. Mas, abrindo uma pequena exceção: eu acho que aquele período longo entre eleições, repetição das eleições, tomada de posse muito depois das eleições, com aquele que tinha sido o debate na campanha e a baixa expectativa do conjunto da sociedade portuguesa, de que o Governo teria maioria absoluta, em que o debate da campanha foi todo centrado na ideia de continuar a negociação e de reapresentar o Orçamento de Estado. Isso introduziu aqui um lado de continuidade em que, ao mesmo tempo, as circunstâncias se estavam a alterar profundamente, nomeadamente por força da inflação, que é um poderoso adversário político, porque condiciona muito a vida das pessoas de uma forma que nós não conseguimos nunca antecipar. Todos nós sentimos isso no nosso dia-a-dia. Portanto, esses elementos podem ter contribuído para uma leitura sobre o início da governação que obrigou também todos os atores a reposicionarem-se. É como se todos andassem à procura do seu novo papel. Os partidos da oposição têm todos mudado de líder, ou seja, é porque qualquer coisa aconteceu. O Presidente da República, como também é claro, faz uma interpretação daquilo que é o seu papel e que é distinto daquilo que era a sua ação. Porque o papel e o que se esperava também é distinto e, de certa forma, isso é compreensível. E eu diria que é isso que obriga a essa leitura, pois temos também essa singularidade, da qual eu beneficiei, objetivamente, durante muito tempo, é que temos um espaço para o comentário, para a análise política, que não corresponde sequer à atenção quotidiana que os portugueses dão à política. E com vantagem para os portugueses, porque acho que há aqui uma descoincidência entre aquilo que é a análise fina, quase a cada meia hora, do que se passa na política e a forma como as pessoas se relacionam com a política, que é uma forma distante, dando desconto, não estando sempre a responder aquela pergunta “Se as eleições fossem hoje, em quem é que votaria”, que é a pergunta que se coloca nas sondagens, mas que é uma pergunta que ninguém faz a si mesmo. Mas se nós olharmos para aquilo que são os fundamentos, eles continuam todos iguais. Ou seja, os fundamentos que explicam os sucessivos resultados eleitorais continuam lá.
Fotografias: José António Rodrigues / PS

As pessoas continuam a não desejar crises políticas,

a desejar que a legislatura chegue até ao fim, a gostar deste equilíbrio entre o papel que o Presidente da República desempenha e que o Primeiro-Ministro desempenha e ninguém acha que há uma solução alternativa melhor do que aquela que está no exercício de funções. E eu acho que isto, mais uma vez, demonstra o enorme bom senso e ponderação dos portugueses, que muitas vezes não é acompanhado por outras pessoas.

NSL: Assim sendo, qual é que deve ser a conduta de um Governo nessa situação em que temos uma bolha mediática que reage a tudo a 100 à hora e um eleitorado que o quer é que quem está no Governo trabalhe e não levante muitas ondas?

PAS: Eu não desconsidero a bolha mediática. Acho que ela faz parte do jogo e tem relevância e até tem um efeito de transformação daquilo que é a opinião pública. Mas se nós recuarmos um ano e tal, e se formos ver o que é que a bolha mediática dizia antes das eleições, há uma reflexão a fazer, não é? E essa reflexão, claramente, não foi feita porque o padrão e o registo mantêm-se iguais. O que eu também acho natural num contexto de maioria absoluta, porque há uma obrigação também de escrutínio e de crítica que eu diria que faz parte das regras do jogo. O que é que o Governo deve fazer? O Governo deve preocupar-se menos com isso e focar-se na resposta aos problemas que se colocam e na transformação estrutural em cada área setorial. Acho que é esse o foco e concentração dos membros do Governo. É isso que eu procuro fazer, é estar atento e perceber que há dimensões da vida concreta das famílias portuguesas que têm mesmo de ter a resposta. O que se está a passar com os custos da habitação é uma coisa insustentável e, portanto, é preciso uma resposta muito forte a essas dimensões. Mas ao mesmo tempo, preocupar-se com aquilo que vai ser o legado transformador nas áreas setoriais. E eu não tenho hesitações em escolher na minha área aquilo que gostava que acontecesse no Património, nos Museus. E eu acho que isso é que é o fundamental, essa combinação entre preocupação e atenção fina e não estar de olhos fechados àquilo que se está a passar - e desse ponto de vista, a bolha mediática é importante - por outro lado, com planeamento e transformação nas políticas públicas com um horizonte de médio prazo. E próximo das pessoas, ou seja, acho que isso também é fundamental. Não cultivar nem alimentar algum distanciamento social que, por vezes, está associado ao exercício do poder e, nomeadamente, ao exercício do poder quando ele é prolongado no tempo.

NSL: No final desta legislatura, o que é que eu gostava de ver como resultado da ação do Governo?

PAS: Eu gostava muito que tivéssemos um país mais equilibrado socialmente e tenho a certeza que para que isso aconteça precisamos de manter esta trajetória de disciplina orçamental, mas precisamos também, de ter uma economia que promova mais emprego, melhores empregos e que corresponda a alguma transformação naquilo que é o seu padrão de especialização.

Por um lado, o padrão de qualificação dos portugueses está a alterar-se e, por outro lado, o padrão de especialização da economia portuguesa, também está a sofrer uma transformação lenta.

Acho que já há sinais disso e porventura alguma incompreensão para o comportamento da economia, corresponde a alguma transformação estrutural, que eu gostava muito que se intensificasse.

NSL: Acha que isso é orgânico e não resulta apenas de, por exemplo, das medidas que o Governo vai tomando, por exemplo, a subida do salário mínimo?

PAS: As coisas estão sempre articuladas, também é sempre muito interessante revisitar o passado recente. A subida do salário mínimo era uma ameaça ao emprego e às empresas. Isso não aconteceu. E agora a questão que deve colocar é porque é que isso não aconteceu. E eu julgo que é porque a Economia portuguesa se tem transformado. A propósito da habitação temos visto - esse indicador foi referido várias vezes, do declínio do número de licenças para novas construções, ao longo numa série relativamente longa - nós temos uma tradição em que era a construção que puxava muito pela economia. E nós estamos a conseguir crescer, crescer também no emprego e nos salários, e já não apenas nos ganhos, os salários estão a crescer acima dos ganhos. Isso acontece, a meu ver, porque há uma transformação a ocorrer. Agora, ao contrário do que pensam alguns, com o discurso das reformas estruturais, que há assim uma espécie de soluções miríficas, com uns pozinhos de perlimpimpim que mudam estruturalmente o país, as coisas não são assim, não tenho essa visão revolucionária e de rutura. Pelo contrário, as mudanças e as transformações têm de ser graduais e incrementais, mas vão-se manifestando. E eu julgo que o que nós estamos a assistir, do ponto de vista do contexto em que nos encontramos neste momento, é já alguns sinais dessa transformação. E eu espero que isso continue.

Acho que as maiorias absolutas e o horizonte de estabilidade servem precisamente para isso, para promover mudanças que são incrementais, mas que a meu ver, são aquelas que são sustentáveis e que perduram.