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‘Política Com Palavra’ com André Moz Caldas

‘Política Com Palavra’ com André Moz Caldas


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“As prioridades do país têm que estar focadas na redução das desigualdades, na transição digital e na inovação “

 

O secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros é um cargo que empurra, inevitavelmente, o seu titular para um trabalho de gabinete e pouco visível. No entanto, durante este mês de março, André Moz Caldas teve de conciliar a preparação dos Conselhos de Ministros com uma volta ao país. Isto porque o Governo tem de apresentar até ao Verão o relatório Voluntário Nacional sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, que o Governo decidiu que tinha de dar voz ao país. O périplo vai ajudar a definir as prioridades para os próximos anos e permitiu fazer um balanço do que já se conseguiu – como o alinhamento do Programa Nacional de Reformas ou das Grandes Opções aos ODS. E André Moz Caldas assegura que até mesmo a mudança do Governo para o edifício-sede da CGD é um contributo para o desenvolvimento sustentável.

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Nuno Sá Lourenço: Bom dia e bem-vindos a mais uma edição do podcast Política com Palavra. Esta semana temos connosco André Moz Caldas. Durante este mês, nos intervalos da preparação do Conselho de Ministros, o Secretário de Estado da PCM, tem andado pelo país a falar sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. André Moz Caldas, muito obrigado por ter aceitado o nosso convite. Porquê esta volta a Portugal para falar de metas que foram definidas pela ONU há uns anos?
 
André Moz Caldas: Bom, em primeiro lugar. obrigado pelo convite. A volta era necessária porque, pela voz do Senhor Presidente da República, o país comprometeu-se a apresentar, em 2023, um relatório voluntário nacional sobre o cumprimento da Agenda 2030 no espaço nacional. Esse relatório não pode ser um relatório apenas reflexivo ou descritivo sobre a iniciativa do governo central. Tem que conseguir surpreender a atividade de todos os níveis de governação nacional, regional e local, e de toda a sociedade civil no alinhamento com a estratégia. Temos a particular felicidade de isso acontecer a meio do percurso, entre 2015 e 2030. Portanto, conseguimos agora fazer um ponto de situação fiel daquilo que o país já fez do ponto de vista do alinhamento das suas estratégias com essa agenda 2030 das Nações Unidas. Mas também de, criticamente, conseguirmos ponderar quais são os desafios que ainda temos pela frente, no sentido, até, de superar alguns dos obstáculos que a implementação da Agenda neste período encontrou, como a pandemia e a invasão da Ucrânia pela Rússia. E para termos um relatório verdadeiramente nacional de que a sociedade civil portuguesa se aproprie, temos que dialogar com a sociedade civil, com as instituições públicas e privadas, com as organizações, com os cidadãos e cidadãs, que estão todos os dias a procurar contribuir para que Portugal se alinhe com essa estratégia das Nações Unidas. Fomos ao encontro destas comunidades, fizemos Assembleias Participativas em quase todas as regiões do país. Ainda nos falta fazer esta semana a região Centro e na próxima semana a região de Lisboa e Vale do Tejo, que deixámos para o fim. Mas percorremos todas as regiões do Continente e também as regiões autónomas, no sentido de auscultar todo o país a propósito das suas perspetivas relativamente a esta agenda.
 
NSL: Não é só fazer um balanço, também é apontar para possíveis objetivos até 2030.
 
AMC: Exatamente, é fazermos um ponto de situação do lugar onde o país se encontra, do ponto de vista do cumprimento dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, desagregados nas suas 169 metas, e identificarmos o que é que o país sente como prioritário e vermos ainda de uma forma muito aberta, que caminho ainda temos a percorrer. E sabemos que Portugal ainda tem objetivos por cumprir e havendo outros em que na verdade se encontra bem posicionado no ponto de vista do seu cumprimento. E é esse sentir nacional que nós queremos recolher neste momento de elaboração do Relatório Voluntário Nacional. Repare que o relatório ainda não existe. Nós não estamos a discutir o relatório. É, aliás, um dos seus pressupostos metodológicos. Nós devemos ouvir antes de começar a escrever. Depois teremos outro momento ainda até à apresentação do relatório, para poder discutir o próprio relatório e melhorá-lo, aperfeiçoá-lo e torná-lo verdadeiramente nacional.
 
NSL: Para quê, para definir objetivos ou prioridades para os próximos anos?
 
ACM: Para identificar quais são as prioridades que o país sente serem as mais fortes do ponto de vista do alinhamento das estratégias portuguesas com a Agenda 2030 e ouvir exatamente qual é o sentido crítico relativamente ao ponto em que o país se encontra. O que é que o país sente que já fez bem e o que é que o país sente que ainda tem que fazer melhor até 2030 para se alinhar com essa agenda.
 
NSL: Tendo em conta os 17 objetivos que estão definidos.
 
ACM: Os 17 objetivos, as 169 metas e o conjunto todos os indicadores que o INE em cada ano vai medindo e no qual já estamos particularmente sofisticados quanto às métricas. Mas, acima de tudo, este também é um fenómeno de apropriação da sociedade civil desta agenda. Desta forma, aumentamos também a consciencialização da sociedade civil portuguesa para a importância da agenda e garantimos que as comunidades locais, os agentes regionais e as entidades com responsabilidades nacionais, se apropriam da agenda, sentem como sua e a incorporam na sua ação.
 
NSL: E comparando isto com outro tipo de iniciativas que normalmente um governo faz, o que é que estas assembleias participativas acrescentam num processo destes?
 
AMC: São especificamente sobre esta agenda. Ou seja, esta agenda funciona como uma grande matriz de políticas públicas que representam um grau muito alargado de consenso da comunidade internacional. Repare que foi aprovada em 2015, por unanimidade dos 193 Estados-Membros das Nações Unidas. É natural que alguns países sintam insuficiências face a esta agenda.
Fotografias: José António Rodrigues / PS
 

Eu, pessoalmente, acho que devia haver um décimo oitavo Objetivo Desenvolvimento Sustentável na área da cultura, por exemplo.

 
Eu também sinto que, no que diz respeito à proteção de minorias, à exceção dos temas da igualdade de género - que não são verdadeiramente proteção de minorias, porque as mulheres e raparigas não são minoritárias nas nossas sociedades, no caso da sociedade portuguesa até pelo contrário, são a maioria - mas do ponto de vista da proteção das minorias, há muitas minorias não representadas no conjunto da agenda social porque fogem àquilo que é o consenso…
 
NSL: Mas eu estava a perguntar do ponto de vista do processo, qual é a vantagem que anteciparam para entenderem que era importante ter assembleias participativas, ou seja, ouvir os cidadãos. O que é que isto acrescenta a um processo que seria, por exemplo, ouvir entidades como as CCDR, Direções Regionais?
 
AMC: Ouvimo-las também e estes processos foram feitos em simultâneo. As CCDR, desde logo, foram parceiros da organização destas assembleias e das visitas em que em cada dia fomos procurando sinalizar projetos de boas práticas alinhados com a agenda. Mas é pressuposto da própria agenda 2030 um forte envolvimento das partes interessadas relevantes, os stakeholders. Porque a agenda não é apenas uma agenda dos governos ou mesmo dos governos locais e regionais. É uma agenda que tem que mobilizar também as empresas, as organizações não governamentais, a academia, os centros de inovação e de investigação científica. Todos têm que estar mobilizados, quer nos países que chamávamos de desenvolvidos e em desenvolvimento. E esse é um dos choques desta agenda. Já não há essa distinção. Todos os países têm que se encaminhar, porque todos estão nalguma fase do seu desenvolvimento e a sociedade, no seu conjunto, com base no princípio de não deixar ninguém para trás, tem que ser envolvida na construção dessa agenda. E nós entendemos que este modelo permitia chamar estes participantes num ambiente razoavelmente informal em cada região, para que pudessem expressar o seu pensamento e participar. Estou convencido que foi um modelo que funcionou. As assembleias tiveram sempre vivas participações, permitiram diferenciar prioridades na dimensão regional, mas também verificar que há um alinhamento nacional em algumas temáticas relevantes. E foi também um processo de ganharmos consciência de que, na verdade, a sociedade portuguesa está mais conhecedora e mais ativa no que diz respeito à implementação da Agenda 2030 do que a nossa intuição nos permitia reconhecer. Até que isso já é, por si só, uma conquista.
 
NSL: E quais são essas áreas em que há um alinhamento nacional na volta que fez que seja identificado pela maioria das pessoas?
 
AMC: Lista dos grandes grupos, se dividirmos a sustentabilidade em sustentabilidade ambiental, económica e social, há uma forte preocupação nacional com as temáticas sociais e económicas, ou seja, as temáticas da erradicação da pobreza, do crescimento económico, do trabalho digno e da reivindicação da fome. Estes temas são totalmente transversais nas preocupações dos portugueses e estão, aliás, alinhados com as prioridades do Programa do Governo, no que diz respeito à redução das desigualdades, em particular. Há um forte sentimento de que o país se empenhou no tempo certo nos temas da sustentabilidade ambiental, muito em particular na transição energética, na prioridade às fontes de energia renováveis. E aí é um setor onde o relatório nos vai posicionar seguramente com vantagem face a outros países que não tiveram a mesma prioridade. Também é um reconhecimento que tem que haver um forte investimento em infraestruturas de qualidade e uma orientação do país para a inovação. Estas são as grandes linhas que nós, nesta fase, já conseguimos intuir, identificar e carrear de uma forma muito sustentada, para o relatório que temos que apresentar em julho próximo.
 
NSL: Há aqui uma dificuldade que eu identifico. Nós temos o Programa do Governo, temos os acordos assinados com a Comissão Europeia relativos aos fundos europeus, temos as relações normais de um Governo com um Parlamento. Como é que se faz o alinhamento de todos estes compromissos com os objetivos que foram definidos pela ONU?
 
AMC: Difícil é seguramente, mas essa é uma das tarefas da metodologia de elaboração do relatório. Uma das atividades foi precisamente fazer um levantamento de estratégias de políticas públicas e verificação do seu alinhamento com a Agenda 2030. Constatámos que existem, de facto, muitas estratégias setoriais de políticas públicas, mas aqueles que são os principais instrumentos de estratégia do país, já estão a ser alinhados com a Agenda 2030. Por exemplo, os instrumentos ligados ao Semestre Europeu, desde o exercício de 2020, já estão alinhados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. O que significa que, pelo menos o Programa Nacional de Reformas, já é elaborado em linha com a Agenda 2030 e medindo qual é o seu grau de contributo para o progresso dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Também do ponto de vista de instrumentos nacionais, as Grandes Opções, que são atualizadas em cada ano, já estão a ser elaboradas de acordo com o seu contributo para o cumprimento desta agenda. E as estratégias de políticas públicas setoriais ao longo do tempo têm vindo a ser adaptadas. Eu salientaria, por exemplo, a estratégia da cooperação portuguesa, que já está alinhada de acordo com os cinco “P” de toda esta política, que são a prosperidade, paz, planeta, parcerias e pessoas. A estratégia da cooperação portuguesa já está alinhada com estes cinco pilares fundamentais, o que significa que, ao longo do tempo, cada vez que uma estratégia de políticas pública é revista, é colocada em linha com esta grande matriz de política para o desenvolvimento, que é uma conquista das Nações Unidas, criar uma grelha tão alargada de políticas, que permita a cada país definir as suas estratégias, mas com este desígnio global de sustentabilidade do planeta.
 
NSL: No final deste processo, há de ser coligida toda a informação que foi recolhida, há-de ser produzido o relatório que, como disse, identificará em que linha se deverá seguir nos próximos anos. Já consegue perceber, tendo em conta aquilo até que já falou sobre as prioridades que foram apresentadas nas reuniões que já teve, para onde é que se caminha?
 
AMC: A estrutura desta agenda torna difícil isolar um objetivo em concreto. Eles têm fortes interligações entre si e também têm - é difícil traduzir esta palavra - também têm trade-offs, ou seja, alguns objetivos que competem negativamente para cumprimento de outros. Dou um exemplo simples, um crescimento económico que não cuida da sustentabilidade ambiental vai contribuir negativamente para alguns dos objetivos da sustentabilidade ambiental e, portanto, isolar objetivos é muito difícil. O que é que nós já conseguimos constatar?
 

Que as prioridades do país têm que estar focadas na redução das desigualdades, por um lado, na transição digital, por outro, e na inovação da economia na economia portuguesa.

 
E continuar a ter prioridade nos temas de demografia e as preocupações que temos tido com as migrações. Isto já é bastante claro. O relatório vai-nos permitir apontar mais caminhos, mas não é um ponto de chegada, porque o nosso objetivo é que o relatório seja um catalisador, um novo modelo de governação e de acompanhamento da implementação e monitorização da Agenda 2030 entre nós. E um dos objetivos que temos até ao final do ano. É aprovar um roteiro nacional para o Desenvolvimento Sustentável, esse sim que vai ser um verdadeiro mapa das estradas, do caminho que o país deverá fazer para reforçar o seu contributo para a implementação desta agenda. Portanto, no relatório vamos verificar o ponto onde nos encontramos, ele dará certamente algumas pistas, mas até ao fim do ano propomo-nos elaborar um verdadeiro roteiro, que, esse sim, apontará o sentido da ação das políticas públicas no alinhamento com a agenda.
 
NSL: E nesta volta, o levantamento que foi feito do que já foi feito desde o arranque do processo, quais é que são as áreas em que Portugal se tem revelado em maior em sintonia com estes objetivos?
 
AMC: Nos temas de sustentabilidade ambiental e, fundamentalmente, no domínio da energia. E isso são as ações onde nós sentimos que existe um contributo mais forte do país e em que está mais avançado neste domínio. Sem prejuízo de muita coisa, certamente que ainda podemos fazer. Onde tenho notado uma grande transformação é também no domínio da inovação na nossa indústria, desde logo no sentido da sua descarbonização, mas também na introdução de processos inovadores, quer no fabrico, quer na distribuição de produtos aos clientes. E nesta dimensão, o país teve uma transformação muito significativa nos últimos anos que já foi possível detetar neste périplo. Depois há um conjunto de outras atividades que estamos a fazer em paralelo, de dimensão mais técnica, e que nos trarão informações mais finas, porque, por exemplo, o INE já vai trazer este ano um número muito maior de indicadores. Quase 70% dos indicadores que são propostos pelas Nações Unidas já vão ser possíveis de medir para a realidade nacional deste ano. E, portanto, aí vamos ter uma noção mais clara exatamente de onde é que nos encontramos do ponto de vista da agenda. Mas eu diria que é aí onde encontramos mais sucesso é nos domínios ambientais e no domínio da inovação.
 
NSL: Quais foram os projetos ou locais que visitou que mais surpreenderam pela positiva?
 
AMC: Visitámos um projeto muito interessante na Ilha da Culatra de criação de uma comunidade energética sustentável. Repare que, do ponto de vista histórico, até tem uma ressonância especial para quem conhece aquela região. A luz elétrica só chegou à ilha da Culatra em 1987 e esse é um momento transformador para aquela comunidade. Há um antes de 1987 e um depois de 1987. E essa energia era alimentada pelos processos que à época eram os processos de produção de energia elétrica. E agora essa comunidade para quem a chegada da luz elétrica foi tão relevante, já está avançada, no ponto de serem praticamente, ou de se irem tornar autossustentáveis do ponto de vista da produção dessa energia. É simbólico. Depois visitámos indústrias na região Norte que estão extremamente avançadas nos modos de produção de energia através de centrais de biomassa próprias, em que as indústrias no setor do têxtil investiram e no sentido da inovação. Indústrias tradicionais, como a do calçado, que estão não apenas avançadas na incorporação de materiais sustentáveis e nas formas de produção e disponibilização dos seus produtos, como já estão a produzir sapatos para o Metaverso. Portanto, já estão a fazer a transição digital de negócios tradicionais. E no setor da construção, por exemplo, a construção sustentável de materiais sustentáveis e com técnicas modulares que reduzem extraordinariamente a pegada ecológica que, como se sabe, até do ponto de vista da geração de resíduos, era um setor com um contributo muito forte para esses domínios. Visitámos, nas regiões autónomas, projetos muito significativos de turismo sustentável, de proteção da vida marinha e terrestre, como é o caso agora da iniciativa do Governo da Região Autónoma da Madeira de candidatar às Levadas da Madeira a Património Mundial da UNESCO. E, no Alqueva, visitámos os projetos de sustentabilidade energética, como é o caso dos Painéis Solares Flutuantes, quer da EDIA, quer da EDP. Encontrámos no país projetos muito inovadores e que contribuem muito significativamente para estas preocupações de sustentabilidade. E queremos mostrar essas boas práticas e evidenciar o empenho do país nessas boas práticas, mas sem escamotear desafios que o país ainda tenha para enfrentar. O relatório não é apenas uma espécie de publicidade do que o país está a fazer de bem. Seguramente também tem essa dimensão, mas é também um relatório de crítica. Mas agora o que é certo é que encontrámos localmente e em cada região do país muita iniciativa alinhada com as preocupações da sustentabilidade e isso foi um grande ganho desta volta ao país.
 
NSL: Algumas das pessoas que não olham para estas questões da sustentabilidade de uma forma tão empenhada costumam levantar a questão de que apostar na sustentabilidade atrasa o desenvolvimento do país. Estes projetos que visitou podem resultar também na criação de riqueza?
 
AMC: Todos contribuem para a criação de riqueza. Não há nenhum a que se possa imputar qualquer espécie de atraso na dimensão do desenvolvimento económico. Essa discussão é aquela que eu dizia há pouco dos trade-offs. É verdade que é preciso encontrar o equilíbrio ótimo.
 
NSL: Mas por vezes a própria indústria do sustentável e verde em si pode-se tornar num sector económico que cria riqueza.
 
AMC: As escolhas dos consumidores vão ser muito importantes nesse domínio. Consumidores mais sofisticados, mais preocupados com a sustentabilidade, vão fazer escolhas de consumo no futuro e já fazem no presente, aliás, que vão favorecer aqueles que estiverem mais à frente na incorporação de preocupações de sustentabilidade nas suas formas de produção. Isso já se torna muito visível nas nossas comunidades e a sustentabilidade também traz grandes oportunidades de diminuição dos encargos com a fatura energética. Existem muitos exemplos de modos de produção sustentável que, na verdade, introduzem menos custos de contexto e que, portanto, são em si mesmo um fator de promoção económica.
 
NSL: E, já agora, uma pequena provocação: a concentração que foi anunciada há umas semanas de alguns serviços do Governo na antiga sede da Caixa Geral de Depósitos também concorre para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?
 
AMC: Totalmente. Ora veja: o edifício-sede da CGD, é um dos edifícios mais sustentáveis da cidade de Lisboa, senão mesmo do país. É um edifício que tem produção própria de energia através de painéis solares que o tornam praticamente autossustentável. A redução da pegada das deslocações de membros do governo e de trabalhadores da função pública para se reunirem entre si também vai ter algum significado nas emissões, pelo menos na cidade de Lisboa. E os ganhos de eficiência vão trazer poupanças evidentes que permitem canalizar recursos para outras atividades da administração. Portanto, é seguramente um projeto fortemente orientado para a sustentabilidade.
 
NSL: E foi essa a razão pela qual se decidiu fazer este esforço de concentração dos serviços ou houve outros fatores que influenciaram?
 
AMC: Há muitas décadas que sucessivos governos procuravam encontrar um espaço na cidade de Lisboa ou nas proximidades que permitisse acolher uma lógica de cidade governativa em que os serviços da administração e os diversos departamentos ministeriais pudessem encontrar-se mais proximamente. Precisamente para estes ganhos de eficácia, da horizontalização das práticas na administração pública. E a partir do momento em que a digitalização do negócio bancário foi permitindo que a Caixa Geral de Depósitos reduzisse as necessidades físicas de espaço, tornou-se evidente que a união dos dois esforços permitiria que fosse aquele o edifício em que o Estado fizesse este movimento. E sempre houve uma preocupação de sustentabilidade, nesta lógica. Há ganhos de eficiência diversos. Nem todos são da dimensão da sustentabilidade. São das próprias práticas de relacionamento entre organismos da administração que, ao conviverem no mesmo espaço físico, vão provavelmente criar metodologias de interação que vão deixar que aquela clássica relação epistolar do ofício que atravessa a cidade de um serviço para o outro, seja substituído por práticas de contacto mais frequente e mais personalizado, que diminuem essa lógica que tem sido, apesar de tudo, uma forma de manter um estilo algo conservador da ação administrativa portuguesa, muito em linha com a sua tradição histórica. E este espaço vai permitir ambientes de trabalho em que trabalhadores de diferentes organismos, de diferentes departamentos ministeriais convivem e, portanto, com isso também constroem outras formas de relacionamento e de trabalho. E estes graus de eficiência vão ser seguramente muito importantes para a administração pública se tornar mais moderna, mais inovadora nos seus processos e, com isso, ser mais eficaz no serviço que presta ao cidadão.
 
NSL: O objetivo é concentrar ali o próprio governo ou só alguns gabinetes ministeriais?
 
AMC: É concentrar muitos departamentos ministeriais e, portanto, gabinetes de membros do governo, deixando de fora algumas áreas de soberania, como Negócios Estrangeiros, Defesa Nacional, e, provavelmente, as Finanças. Mas as outras áreas governativas, a ideia é que, dependendo das diversas orgânicas que os governos vão tomando, consigam ter condições para instalar o funcionamento dos gabinetes ministeriais ali, acompanhados dos principais serviços de suporte da tomada de decisão. Portanto, as chamadas Direcções-Gerais de linha e os serviços ligados às áreas do planeamento e de suporte, que tentaremos também concentrar naquele edifício, deixando de fora alguns tipos de entidades que não devem, em princípio, fruto dos seus graus de autonomia, estar em convívio com o governo, como são os casos, os casos das Inspeções e serviços dessa natureza que ficarão de fora.
 
NSL: O objetivo também é tentar responder a um desafio que há muitos anos se fala em termos de governança, que é mudar o estilo de relação vertical para uma relação horizontal, seja entre os próprios gabinetes ministeriais, como pelos os próprios serviços?
 
AMC: Vai criar condições também para isso. Mas eu julgo que o potencial de transformação reside com maior intensidade na colaboração recíproca de diversas áreas governativas entre si e mesmo de entre serviços de diversas áreas governativas entre si.
 
NSL: Tendo em conta os projectos que tem para esta iniciativa. Tem uma ideia temporal de quando é que isso poderá ser efectivamente concretizado?
 
AMC: Ao longo deste ano. Houve uma transformação muito significativa do modelo. Quando iniciámos o processo, passava por arrendar espaços à Caixa Geral de Depósitos. A decisão acabou, felizmente, por ser outra, e o edifício virá à posse do Estado durante o ano de 2023. Portanto, isso implicou, uma mudança do calendário, a necessidade de nós articularmos com a Caixa a realização de obras, quer antes, quer depois desta transição do edifício para o Estado. E isso implicará também um envolvimento, por razões de transparência e de legalidade, com o Tribunal de Contas. Isto gera incertezas quanto ao calendário, mas nós temos a expectativa de, ao longo deste ano, instalar pelo menos 6 áreas governativas na CGD.