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Francisco Assis: “A nossa obrigação para com o país é fazermos um debate sério, elevado …

Francisco Assis: “A nossa obrigação para com o país é fazermos um debate sério, elevado …

Em entrevista ao Diário Económico, o líder parlamentar do PS, Francisco Assis, garante que o “PS tem de estar disponível para compromissos” e sublinha a importância do próximo congresso do PS.

 

Veja aqui a entrevista na íntegra…

Sobre as eleições a palavra de ordem é “convicção”; sobre o PR, “o Presidente não deve auto limitar-se com a exigência antecipada de fórmulas governativas”; sobre a arquitectura do futuro governo, “o PS deve viabilizar acordos parlamentares, não deve integrar um novo Executivo se houver uma (“improvável”) vitória da direita”; sobre o destino de José Sócrates em caso de derrota, “não antecipa a vida interna do PS”.
 
Já se sabe: Francisco Assis foi o mais brilhante parlamentar desta legislatura, da esquerda à direita reconheceram-lhe o engenho e a arte na defesa do Governo e do seu chefe, mesmo quando nem um, nem o outro, mereciam aplauso. Ou mesmo quando no seu intimo ele discordava, mas a lealdade é isto: ficar no barco até ao fim da navegação. Mas se Assis assume e pratica essa “lealdade na política”, excede-se porventura na avaliação – quase grandiosa – que faz do legado socialista: as reformas, mudanças e marcas deixada no País levam o PS a olhar para o combate eleitoral com a “consciência de um passado cumprido”. Ou seja, é preciso ter cuidado com este intelectual: a velocidade e a convicção do seu discurso pode esbater a evidência… Seria porém injusto resumi-lo ao reduto exclusivo da “lealdade” e da sua “retórica”, há mais que o recomenda: o estudo da filosofia com o projecto de doutoramento, a veia política, o currículo, a cultura, a capacidade de liderança, a autoridade própria, as vitórias que já teve, as derrotas que conheceu. E claro, a certeza de um destino. Mas até nisso os deuses estão consigo: não tem pressa, sabe que tem tempo.
 
– Comecemos pelo Congresso: qual a sua utilidade, que importância? A que vai ser preciso estar atento?
 
– A um diagnóstico rigoroso, sério, profundo, da situação do País; ao apresentar das nossas propostas que agora se tornam especialmente pertinentes, dado estarmos em processo pré – eleitoral.
 
– A demissão do Governo conferiu outra relevância à reunião do PS?
 
– Adquiriu maior projecção pública ao ocorrer nesta fase de particular intensidade do debate político. A minha expectativa é que se possa fazer uma avaliação rigorosa da situação do País, da Europa e da nossa relação com ela. A que se juntará a apresentação do nosso programa político para os próximos anos. É um momento de debate e clarificação, de propostas, que caracterizarão os vários partidos políticos na campanha eleitoral, sem prejuízo de uma discussão sobre a vida interna do Partido Socialista que, inevitavelmente, terá que se fazer.
 
– O País ainda quer ouvi-los?
 
– Atravessamos uma crise muito grave do ponto de vista económico e financeiro. Há sinais de insatisfação, há afastamento de grande parte dos cidadãos em relação à vida política…
 
– …eu perguntava especificamente quanto ao PS e ao seu secretário- geral e não de forma geral…
 
– … temos de criar as condições para que haja interesse em ouvir as nossas propostas e temos também de as criar para que elas possam ser concretizadas. É essa a nossa responsabilidade neste Congresso. Aliás, olhando para a Europa verificamos que há sinais de descontentamento profundo, manifestações, votações em partidos mais radicais em vários países europeus, um crescimento preocupante da extrema-direita em França, mudanças políticas significativas na Alemanha… Temos de olhar, interpretar e responder a tudo isto, sabendo não só que há dificuldades como um certo declínio da Europa no Mundo, mesmo que ele não seja homogéneo, nem afecte de igual modo os vários países europeus. Este momento é aliás decisivo para a União Europeia: o que está em jogo com a construção do modelo de governação económica é afinal o próprio futuro geral da UE enquanto projecto político.
 
– Ainda sobre o Congresso: falou da importância das propostas e do pais as ouvir. Não teria havido mais debate interno e mais circulação de ideias com outras candidaturas a disputar a liderança ao ex-primeiro-ministro?
 
Não podemos inventá-las e respondo por mim: reconhecia-me na candidatura de José Sócrates e continuo a reconhecer-me. Não especulo sobre candidaturas mais ou menos pré-anunciadas, nem faço considerações sobre elas. A nossa obrigação para com o país é fazermos um debate sério, elevado e compreensível pelos portugueses. Enunciando com clareza os problemas mas enunciando com igual clareza as soluções.
 
– Subentendido: não faziam isso antes?
 
– Não, não. Fazíamos. Mas essa preocupação tem de aumentar. Há que ter a noção da ‘décalage’ entre o mundo político e os cidadãos para perceber que se pode gerar um caldo de cultura que favorece a emergência dos populismos. Não ignoremos que as soluções radicais e o extremismo podem começar assim. ¦
 
“Atravessamos uma crise muito grave do ponto de vista económico e financeiro. Há sinais de insatisfação, há afastamento de grande parte dos cidadãos em relação à vida política…”
 
Veja a entrevista na integra, às 20h00, no canal 200 da ZON, Vodafone Casa TV, Optimus Clix, no canal 16 do Meo e na posição 9 da Cabovisão
 
PONTOS-CHAVE
 
O Francisco Assis assume lealdade a José Sócrates e lança o desafio: “Temos de criar as condições para que haja interesse em ouvir as nossas propostas e também de as criar para que elas possam ser concretizadas”.
 
Sobre o futuro Governo, Assis considera que “o PS deve viabilizar acordos parlamentares, não deve integrar um novo Executivo se houver uma (“improvável”) vitória da direita”.
 
Francisco Assis assume ainda que Passos Coelho não resistiu às pressões internas. “Não me refiro a um automático desejo de poder mas ao receio de, não o fazendo, permitir a abertura de uma crise política que conduzisse à eleição de uma nova direcção…”.
 
“Não temos vergonha dos últimos seis anos”
 
– Vamos às tais propostas ?
 
– A primeira coisa fundamental é compreender o que mudou nos últimos dois, três anos com a ocorrência de uma gravíssima crise económica e financeira, que é internacional e se manifesta, de forma muito aguda, no nosso país…
 
– …que sofria já de uma crise ancestral
 
– Exacto. Isso leva a duas reflexões: uma, sobre o que mudou no Mundo e o que está a mudar na Europa com a globalização e como é que a UE é capaz de nos proteger dos seus riscos e até se é ou não capaz de o fazer – nuns casos será, noutros não. A segunda reflexão, como lembrou, são as nossas dificuldades ancestrais na economia, o nosso problema crónico nas finanças públicas. Nos últimos trinta anos, fomos capazes de consolidar um Estado liberal democrático, que embora com algumas disfuncionalidades – sobretudo na Justiça – funciona no essencial; fomos capazes de construir, com base nalgum consenso, um Estado social que responde, de forma mais ou menos satisfatória, a problemas elementares dos portu gueses – saúde, educação, segurança social. Demos grandes passos, sim, mas continuamos com um problema sério no crescimento da nossa economia e com problemas permanentes nas finanças públicas. Uma das grandes reflexões do Congresso tem por isso de ser esta: como é que um partido da esquerda democrática, do centro esquerda, é capaz de um discurso sobre estes problemas e de soluções, para eles?
 
– Vai levar para o Congresso um ‘apport’ pessoal e político para essas reflexões?
 
– Não tenho essa pretensão, tenho uma preocupação: fazer perceber que o País tem um problema agudo e imediato sobre as condições de obtenção de financiamento do Estado. Há que iniciar uma nova trajectória de redução do peso da dívida pública e consequentemente, adoptar medidas duras, difíceis, que impõem sacrifícios mas que são inevitáveis.
 
– Até quando pensam os políticos que o País pode continuar ouvi-los falar de medidas “inevitáveis”? O País não quer ouvir, está exausto.
 
– Quer, se construirmos um discurso sério, com adesão à realidade. Tais medidas têm uma lógica: internamente visam reduzir o défice para melhorarmos as condições de financiamento do Estado; no quadro europeu, visam estabelecer alianças com outros países para encontrar uma resposta mais solidária que nos permita – ao mesmo tempo que fazemos o esforço sério de redução do défice orçamental libertarverbas para investimento, em áreas cruciais como a educação, a inovação, a investigação científica; para alterar o nosso modelo energético. Investimento para crescer economicamente e, de caminho, modernizar o País. Embora ele seja crucial, não podemos ficar reduzidos ao combate do défice, o País não pode parar. Simbolicamente isto tem a maior importância: os povos têm que viver com esperança, voltados para o futuro mas assentes num projecto realista, que lhes dê confiança. Ter um projecto não significa criar ilusões. E sabe-se como as ilusões acabam mal em política…
 
– Fala como se tivesse acabado de chegar: o PS está há seis anos no poder…
 
– O primeiro-ministro foi capaz de reagir, com grande empenhamento e muitas vezes coragem, aos problemas que foram surgindo. Façamos um breve historial: nos três primeiros anos uma das grandes preocupações foi, precisamente, a redução do défice orçamental. Conseguimo-lo com sucesso, enquanto se promoviam reformas em várias áreas. Depois, veio esta crise e, como resposta, há um consenso europeu de aceitar alargar os défices orçamentais numa perspectiva de recuperação de políticas “keynesianas”: estimular a actividade económica e evitar a recessão económica por via de um aumento da despesa e de investimento. A seguir, nova manifestação da crise com o ataque dos mercados financeiros à dívida soberana o que nos obrigou a alterar, radicalmente, esta linha de orientação. Um primeiro-ministro age em função das circunstâncias, mas não as escolhe. Pode-se discutir se o PM devia ter agido mais cedo, nesta ou naquela situação mas, no essencial, foi capaz de reagir e actuar. Não, não temos de fazer tábua rasa dos últimos seis anos. Nem muito menos de nos envergonhar deles. Longe disso.
 
– “Reformas”, disse. Quais?
 
– A educação, desde logo. É indiscutível que sob a liderança de Maria de Lurdes Rodrigues se fizeram reformas importantíssimas no sistema educativo. Fizeram-se reformas sérias na saúde que suscitaram até oposições; fez-se com sucesso a reforma da Segurança Social; pela primeira vez há hoje uma política séria de investigação científica em Portugal e uma preocupação de articulação com o mundo empresarial. Basta ir visitar uma ou duas universidades portuguesas e ver como se articula hoje essa investigação com inovação, a nível empresarial. Há dias fui à Universidade do Porto e fiquei espantado com o que vi. Ora tudo isso é mérito inquestionável deste Governo.
 
‘É possível um entendimento entre PS e PSD’
 
– Dá-lhe que pensar que em Portugal as reformas fiquem a meio, que os governantes, à esquerda e à direita, desistam, amoleçam ou desertem? O que é que se passa?
 
– Concordo, dá que pensar. Muitas das reformas ficam a meio, os governos são interrompidos a meio. É comum – e pertinente – a comparação com a Espanha que teve três ou quatro primeiro- ministros desde a instauração da democracia e nós tivemos nem sei quantos. Eles têm um ambiente de estabilidade política, nós não. Falta-nos a cultura, a vontade e a prática do compromisso. Há reformas que só se podem fazer se houver entendimentos e estou a pensar na Justiça, por exemplo. Tivemos, à direita e à esquerda, personalidades relevantes como ministros da Justiça. E contudo… Claro que os problemas resultam de vários factores, a explicação não é simples mas todos sabemos que é vital um profundo entendimento. Pelo menos, entre os dois principais partidos. Fala-se da necessidade de uma reorganização administrativa do País mas não creio que ela seja possível se não houver um entendimento profundo entre PSD e PS. Logo, a questão que se coloca é a seguinte: esse entendimento é alcançável? Não há nenhuma razão de fundo para que o não seja! Se virmos os programas eleitorais dos partidos ou ouvirmos as suas várias personalidades, compreendemos que é possível: convergem no diagnóstico e, em grande parte, nas soluções. Há que fazer um esforço muito sério, reforçando o sentido do compromisso. 

 
In Diário Económico