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António Costa em entrevista à LUSA: 1 ano de Governo

António Costa em entrevista à LUSA: 1 ano de Governo

Leia aqui a entrevista de António Costa à LUSA a propósito do primeiro ano de Governo.

Nunca defendi um modelo de substituir exportações por procura interna

O primeiro-ministro nega ter preconizado um modelo de substituição das exportações pela procura interna, coloca no segundo semestre de 2015 uma queda no crescimento e admite que algum endividamento informal retardou o aumento do consumo pelas famílias.

Estas posições foram assumidas por António Costa numa entrevista à agência Lusa em que fez um balanço de um ano de Governo, que se assinala no sábado.

“Após um ano podemos dizer que não só que cumprimos aquilo que prometemos, como há resultados que demonstram que a opção foi certa”, defendeu o líder do executivo.

Na entrevista, António Costa sustentou que o país já “inverteu o ciclo descendente” no crescimento económico que vinha do segundo semestre de 2015, que as exportações e o investimento têm vindo a aumentar “e, mais importante do que tudo, o desemprego tem vindo a cair”.

“Temos mais 90 mil empregos do que há um ano e foi possível encontrar uma solução que ofereceu ao país estabilidade política e social e que nos vai permitir ter, ainda por cima, o melhor exercício de consolidação orçamental dos últimos 42 anos. Se estivéssemos no final do mandato, poderíamos fazer um balanço francamente positivo, mas estamos só no primeiro de quatro anos de mandato”, advertiu.

Interrogado sobre as razões que justificam um crescimento bem mais baixo em 2016 do que inicialmente foi estimado pelo PS, o primeiro-ministro alegou que o cenário macroeconómico dos socialistas “foi feito no primeiro trimestre de 2015, quando o país registava um crescimento significativo”.

“Ao contrário do que era previsível, esse crescimento não prosseguiu e no segundo semestre de 2015 a economia portuguesa afundou abruptamente. O que mudou não foram as nossas previsões mas, antes, de forma abrupta, a realidade no segundo semestre de 2015 por motivos que têm a ver com a fase final do Governo anterior”, alegou.

Agora, segundo o primeiro-ministro, “o crescimento tem vindo a acelerar, com o segundo semestre deste ano a ser melhor do que o primeiro e o terceiro a ser melhor do que o segundo”.

“E tenho confiança que este quarto trimestre será melhor do que o terceiro”, advogou.

Questionado se a aposta do seu Governo na evolução do consumo interno como motor da economia não ficou aquém das estimativas iniciais, o líder do executivo afirmou que, “ao contrário do que a direita dizia”, nunca defendeu um modelo de substituir as exportações pela procura interna.

“Tínhamos sim uma prioridade definida que era a reposição do rendimento das famílias e a razão fundamental, em primeiro lugar, teve a ver com a dignidade. O trabalho deve ser dignamente remunerado, os direitos dos pensionistas devem ser respeitados – e o Tribunal Constitucional aliás disse-o claramente. Não é possível manter cortes de pensões e de vencimentos para além do que foi o período extraordinário [da ‘troika’]”, vincou.

António Costa considerou depois “extraordinário que agora a direita diga que o país está a crescer, mas não com base na procura interna”.

“Pergunto o seguinte: A procura interna seria maior atualmente se este Governo não tivesse reposto os vencimentos e as pensões e se não se tivesse reduzido a carga fiscal? Temos vindo a crescer com uma ação combinada com o aumento das exportações – exportações que a direita dizia que iam deixar de existir porque íamos dar cabo da competitividade, mas, afinal, já sabemos que estão a subir acima de 6% ao longo de todo este ano, mesmo com quebras significativas em mercados tão importantes como o angolano ou brasileiro”, declarou.

Neste ponto, o primeiro-ministro aproveitou para elogiar a “enorme capacidade” das empresas nacionais de diversificarem os mercados para onde exportam, registando-se mesmo “um excelente desempenho nos mercados mais exigentes”.

“Com exceção da Alemanha, aumentámos as exportações para todos os países europeus e para os Estados Unidos. Por outro lado, o investimento, ao contrário do que foi dito, tem vindo a aumentar – mais 6,6% no primeiro semestre deste ano”, referiu.

Já sobre a evolução do consumo interno, António Costa admitiu que as medidas de reposição de rendimentos e de redução da sobretaxa de IRS poderão não se ter traduzido imediatamente num aumento da procura interna.

“Certamente, muitas famílias tinham sistemas de endividamento informal que aproveitaram para ir resolvendo ao longo deste ano”, justificou.

Ainda no que respeita às mudanças na política económica introduzidas ao longo do último ano, António Costa disse que a ideia de haver uma alternativa entre exportações e procura interna “só existe para quem teve a ilusão de que se recuperava a competitividade da economia à custa de uma política de baixos salários e de corte de direitos”.

“É uma ilusão que espero que tenha sido perdida em definitivo e nós não acreditamos nela. Pelo contrário, consideramos essencial prosseguir uma política de aumento do rendimento disponível das famílias, mas isso não tem a ver só com procura interna. O aumento do rendimento das famílias é um objetivo em si, independentemente de se traduzir ou não em aumento da procura interna”, frisou.

Mais, de acordo com António Costa: “O fundamental é não nos voltarmos a enganar enquanto país sobre qual a estratégia a seguir. Não nos podemos meter em atalhos por via do empobrecimento e diminuição de direitos”, acrescentou.

Costa aberto a acordo de concertação social que melhore a evolução do salário mínimo

O primeiro-ministro afirma que o Governo vai propor que o salário mínimo aumente para 557 euros em 2017, mas está aberto a que, em concertação social, se encontre um acordo que ainda “melhore” a sua evolução até 2019.

Na entrevista que concedeu à agência Lusa, António Costa rejeita por outro lado que possa violar o que está inscrito na declaração conjunta PS/Bloco de Esquerda caso haja um acordo em concertação social com valores diferentes sobre a evolução do salário mínimo nacional até ao final da legislatura.

“O programa do Governo é claro sobre qual o montante a propor na concertação social em relação ao aumento do salário mínimo nacional, tendo em vista alcançar o objetivo de haver um salário mínimo de 600 euros em 2019. Para o próximo ano, o Governo proporá que seja de 557 euros”, declarou o primeiro-ministro.

Neste ponto, o líder do executivo salientou como princípio que o salário mínimo “é fixado pelo Governo”, embora se deseje que tal possa ser concretizado com base em concertação social.
“E desejamos até que possa haver um acordo de médio prazo que fixe uma trajetória de evolução do salário mínimo nacional. Se os parceiros sociais acordarem um outro aumento, com uma trajetória de evolução que permita ir mais longe dos que os 600 euros em 2019 e mais longe do que os 557 euros em 2017, qual a razão para o Governo dizer o contrário?”, questionou António Costa.

Interrogado se o Governo poderá estar a violar um dos princípios da declaração conjunta PS/Bloco de Esquerda caso aceite em concertação social aumentos faseados (não necessariamente com vigência a partir de 1 de janeiro) e com uma evolução diferente ao nível de montantes até 2019, o primeiro-ministro afastou qualquer problema nesse nível político.

“A declaração conjunta com o Bloco de Esquerda está transcrita no programa do Governo. Diz que o Governo proporá em concertação social que a atualização do salário mínimo nacional seja de 557 euros em 2017, 580 euros em 2018, de forma a atingir os 600 euros em 2019”, vincou António Costa.

Ora, segundo o primeiro-ministro, “é isso que necessariamente o Governo fará e, portanto, não há qualquer contradição”.

“Se houver um acordo na concertação que melhore [a evolução do salário mínimo], então excelente, ótimo”, sustentou, antes de deixar um recado indireto a algumas confederações patronais.

“Nesta matéria não há surpresa para ninguém. No ano passado ainda se podia dizer que não havia a expetativa [sobre a evolução do salário mínimo], que estávamos muito em cima do dia 1 de janeiro e que era preciso alguma ponderação. Desta vez, toda a gente conhece o programa do Governo desde o ano passado”, frisou.

Costa afirma não sentir necessidade de rever acordo com Bloco de Esquerda

O primeiro-ministro declara não sentir necessidade de rever a declaração conjunta PS/Bloco de Esquerda e rejeita estar bloqueado pelos parceiros de esquerda no ímpeto reformista do Estado social, salientando que recusa, isso sim, as reformas do PSD/CDS-PP.

Esta posição foi assumida por António Costa em entrevista à agência Lusa, depois de confrontado com a intenção da direção do Bloco de Esquerda de proceder a prazo a uma “revisão” e “atualização” da declaração conjunta que assinou no ano passado com o PS – uma ideia que não foi seguida pelo PCP.

Neste ponto, o primeiro-ministro defendeu que o seu horizonte “é de médio prazo e tem como objetivo atacar os bloqueios estruturais que têm estagnado a economia portuguesa desde o princípio do século – uma estratégia que consta na Agenda para a Década e que no essencial está traduzida no Programa Nacional de Reformas”.

“Em segundo lugar, temos o Programa do Governo, que cobre só uma parte da Agenda para a Década, que tem como horizonte apenas esta legislatura, cujo cumprimento se iniciou já numa parte muito significativa. Uma parte importante já está concretizada, mas cerca de um terço do programa do Governo ainda nem sequer se iniciou ao nível de execução”, salientou.

Por isso, na perspetiva de António Costa, as posições conjuntas que o PS assinou com o Bloco de Esquerda, PCP e PEV são só uma parte do programa do Governo”.

“São uma parte importantíssima, decisiva, sem a qual o Governo não existiria, mas são só uma parte. Portanto, não tenho essa ideia de que está tudo feito, porque temos grandes desafios pela frente e vamos continuar a trabalhar nesse sentido”, respondeu.

António Costa referiu depois que a sua “carta de navegação é muito simples: Cumprir o programa do Governo, cumprir o Programa Nacional de Reformas e isso seguramente excede o horizonte da legislatura”.

“Portanto, não sinto necessidade de haver nenhuma revisão relativamente a qualquer tipo de acordo. No entanto, se qualquer partido tem alguma proposta a apresentar nesse sentido, não criaremos dificuldades e sentar-nos-emos à mesa, até porque falamos com muita regularidade com o PEV, PCP e Bloco de Esquerda, avaliamos a execução dos compromissos e felizmente todos nos sentimos confortáveis face à forma como nos temos empenhado de boa-fé na execução desses compromissos”, advogou.

Confrontado com o facto de a ideia de esgotamento dos acordos de viabilização do executivo se estender também a vários observadores políticos – e não apenas à direção do Bloco de Esquerda -, o primeiro-ministro apresentou um novo argumento: “Ainda há pouco foi feita a pergunta sobre o salário mínimo nacional, matéria em relação à qual o acordo só fica cumprido em 2019”.

“Acham que com os níveis de pobreza do país podemos dar por esgotada a política de correção de rendimentos e de redução das desigualdades? Infelizmente, estamos muito longe de poder dar por esgotado o nosso programa”, alegou.

Questionado se o PS está bloqueado na sua capacidade de fazer reformas em áreas do Estado social face às posições “conservadoras” do Bloco de Esquerda, PCP e PEV nessas áreas, o primeiro-ministro contrapôs que “o PSD e o CDS-PP chamam reformas à destruição do Serviço Nacional de Saúde e ao fim da escola pública”.

“Pergunto qual é a medida que consta do programa do Governo que não estamos a executar por falta de apoio parlamentar, ou qual é a medida que estamos a executar contra o programa eleitoral do PS? Estamos a executar as reformas, mas as nossas reformas e não as deles [PSD e CDS-PP]”, defendeu.

António Costa advogou em seguida que o seu Governo está a fazer reformas no setor da saúde ao nível dos cuidados continuados, no desenvolvimento das unidades de saúde familiares, com o objetivo de cobrir toda a população portuguesa com médicos de família.

Já na educação, apontou como exemplos a generalização da educação pré-escolar até aos três anos e o investimento na escola pública (em vias da multiplicação dos contratos de associação).

“Estamos a fazer as reformas que consideramos essenciais para o país, aquelas que fortalecem os serviços públicos, que são essenciais para que haja uma rede de solidariedade, sem a qual o país não conseguirá ter uma sociedade decente”, acrescentou.

Também há vontade de reforma na Europa em líderes não socialistas

O primeiro-ministro espera que Hollande e Renzi continuem a prazo a liderar respetivamente a França e Itália, diz que o social-democrata germânico Martin Schulz faz sempre falta, mas também identifica vontade de mudança em liberais e democratas-cristãos.

Afirmações proferidas por António Costa em entrevista à agência Lusa, após ser confrontado com o cenário de em breve o atual presidente francês, François Hollande, e o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, poderem abandonar os seus cargos, perdendo assim dois importantes aliados socialistas no Conselho Europeu.

“Temos de trabalhar com quem está [no Conselho Europeu] e, para já, Renzi está lá, Hollande também está lá e espero que lá continuem, assim como outros se juntem. Porém, não tenho só encontrado nos socialistas a vontade de reforma, mas também em outros líderes de governos liberais e do Partido Popular Europeu (PPE)”, frisou o secretário-geral do PS.

Para António Costa, a reunião que se realizou em setembro dos primeiros-ministros do Sul da Europa em Atenas – e que terá em Portugal uma segunda edição a 28 de janeiro – “mostra bem que também alguns líderes do PPE consideram fundamental que a Europa perceba os sinais que são enviados pelos cidadãos e que haja capacidade de responder positivamente a esses desafios”.

Já sobre a saída do social-democrata germânico Martin Schulz da presidência do Parlamento Europeu, para se candidatar a chanceler nas próximas eleições gerais alemãs, Costa respondeu: “Aos amigos desejamos sempre as maiores felicidades do mundo por maior que seja o desafio em que se lançam”.

“Martin Schulz faz sempre falta no sítio onde deixa de estar, assim como fará falta no sítio onde possa não estar. Se pudesse acumular ser chanceler alemão e presidente do Parlamento Europeu era mesmo a síntese ideal”, declarou.

Interrogado se os seus objetivos na frente europeia não ficam enfraquecidos com uma diminuição de peso de socialistas nas principais instituições europeias, o primeiro-ministro insistiu antes na tese de que “cada vez mais é necessário um bloco reformista para mudar a União Europeia”.

“Quando vemos os eleitores do Reino Unido a votarem pelo abandono por falta de confiança na União Europeia, quando vemos em tantos países da Europa a florescerem as correntes populistas e antieuropeias, isso só pode significar uma coisa, que a Europa precisa rapidamente de se reformar para recuperar a confiança dos cidadãos e fortalecer o projeto europeu”, defendeu.

Na atual conjuntura, o primeiro-ministro afirmou que se está perante “sinais por vezes são contraditórios”.

“O programa que [o presidente da Comissão Europeia, Jean Claude] Juncker, apresentou vai no bom sentido, já que reforça o investimento, inverte a política económica da União Europeia de forma a que os países com maiores saldos (caso da Alemanha) reforcem o investimento, intensifica a cooperação em matéria fronteiriça e adota a ideia de tratar-se das migrações a montante com um grande programa de investimento africano. Estamos perante a recuperação de um conjunto de valores de solidariedade e partilha que há muito estavam afastados do discurso das instituições europeias. Infelizmente, há outros sinais que não vão no mesmo sentido”, referiu.

Questionado se não adotou uma linguagem politicamente correta na sua reação à vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, António Costa salientou a importância da diplomacia entre países aliados e com relações históricas.

“É o que se espera de um primeiro-ministro. Nunca direi uma coisa diferente do politicamente correto relativamente a qualquer representante de um Estado estrangeiro. É o que se deve esperar de um primeiro-ministro”, sustentou.