“Ao longo dos últimos anos, e sobretudo dos últimos vinte anos, o edifício legislativo que está hoje construído foi construído sobre a égide dos governos do Partido Socialista. E, por isso, o Partido Socialista apresenta-se a este debate, mais uma vez, não em função de casos ou de discussões estéreis, mas em função daquilo que pode contribuir para o aprofundamento do nosso Estado de direito democrático e, sobretudo, nesta matéria para o combate à corrupção”, começou por referir a presidente da bancada do PS, Ana Catarina Mendes, que falava numa conferência de imprensa acompanhada pelos deputados Jorge Lacão e Constança Urbano de Sousa.
A líder parlamentar do PS recordou que “no programa eleitoral do Partido Socialista das últimas eleições legislativas estava prevista a construção de uma estratégia nacional de combate e prevenção à corrupção”, que hoje “ganha corpo no Conselho de Ministros” e entrará no Parlamentou ou ainda hoje, ou nos próximos dias.
Ora, o PS apresenta-se “neste debate com a serenidade que ele exige e, sobretudo, com a responsabilidade do partido que ao longo destes anos tem contribuído decisivamente para que não faltem meios e não falte legislação no combate à corrupção”, asseverou Ana Catarina Mendes.
A vice-presidente da bancada do PS Constança Urbano de Sousa explicou depois que o diploma “visa aperfeiçoar ou densificar o que hoje já existe na lei desde 2019, além de introduzir uma melhoria ao nível da sistematização. Uma melhoria da sistematização, por exemplo, transpondo tudo aquilo que se encontra atualmente numa amálgama para um artigo autónomo, mas retomando aquilo que já se encontra em vigor”.
O projeto alarga as obrigações declarativas no sentido de incluírem a indicação dos factos que originaram incremento de património ou de rendimento e diminuição do passivo relevantes por parte do titular de alto cargo público.
O crime de ocultação intencional de enriquecimento é também alargado à omissão intencional do dever de declarar o facto que originou incrementos patrimoniais. “Tendo em consideração a maior gravidade desta conduta, agrava-se a moldura penal para um a cinco anos, em vez dos atuais três anos”, lê-se no diploma.
Os socialistas defendem que esta é a solução para “ultrapassar a indiscutível inconstitucionalidade de tentativas legislativas anteriores de criminalização do enriquecimento ilícito, que determinaram já duas pronúncias unânimes pela inconstitucionalidade dos respetivos decretos, através dos acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 179/2012 e 377/2015, a Lei n.º 52/2019”.
Por isso, o Partido Socialista introduziu “um regime sancionatório exigente para o incumprimento de obrigações declarativas, incluindo a criminalização do seu incumprimento intencional e da ocultação de elementos patrimoniais ou rendimentos”.
A deputada Constança Urbano de Sousa ressalvou que todos os titulares de altos cargos públicos já são obrigados a declarar sempre que há alterações patrimoniais relevantes, ou seja, 50 vezes o valor do salário mínimo nacional.
Assim, “a esta obrigação que já existe acrescenta-se a indicação do facto que originou esse incremento patrimonial ou de rendimento. A jusante também se altera o crime de ocultação de património, que hoje já existe, para incluir aí a falta ou omissão de declaração do facto que justificou esse aumento de património ou de rendimento”, frisou.
A vice-presidente da bancada socialista mencionou que o projeto de lei do PS tem em consideração a proposta da Associação Sindical dos Juízes Portugueses no sentido de alargar as obrigações declaratórias.
Por sua vez, o presidente da Comissão Parlamentar da Transparência, Jorge Lacão, sublinhou que, “quando se procura legislar, deve-se fazer um esforço no sentido de se legislar com correção técnica”.
“Não se prevê um novo tipo legal de crime relativamente a receção de vantagem, que esteja para além dos valores admitidos na lei, porque se tal fosse feito estaríamos a duplicar a criminalização do mesmo facto. Já existe no Código Penal o crime de recebimento indevido de vantagem”, esclareceu.
“Se a vantagem for superior àquela que está estabelecida na lei como limite admissível, então está-se no âmbito da possibilidade de ter incorrido num crime que já está previsto na ordem criminal”, fundamentou o deputado socialista
Continuar a esgrimir com bandeira da inversão do ónus da prova apenas alimentará “campanha cega”
Ana Catarina Mendes disse ainda esperar que este projeto sobre ocultação intencional de riqueza “seja aprovado com o máximo de consenso possível no Parlamento, porque é uma proposta de acordo com a Constituição da República, que densifica o que já existe e que foi criado na anterior legislatura”. Por este motivo, certamente “merecerá o aplauso do Tribunal Constitucional”, sustentou.
A presidente da bancada do PS apontou que há partidos que já apresentaram propostas nas quais o Partido Socialista não se revê e há também “partidos que já anunciaram intenções, mas elas não se traduziram ainda em propostas”.
Já Jorge Lacão deixou claro que é “falsa a alegação dos que teimam em dizer que ainda não se legislou” sobre ocultação da riqueza por parte de altos titulares de cargos públicos. “Mostramo-nos disponíveis e empenhados em contribuir – como até aqui e mais uma vez – para aperfeiçoar o regime legal em vigor, levando designadamente em consideração algumas sugestões recentemente apresentadas pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses. Essas sugestões mostraram-se conformes com o paradigma constitucional e, no modo como as acolhemos, elas representam um aperfeiçoamento e não uma mudança da orientação legislativa”, disse.
E garantiu que, “fora deste enquadramento, quem quiser continuar a esgrimir com a bandeira do crime impossível do chamado enriquecimento ilícito, com inversão do ónus da prova, apenas está a continuar a campanha cega, demagógica e desinformativa”.
Esta campanha “servirá algum desígnio menos o do respeito pela ordem jurídico-constitucional, o fortalecimento do Estado de Direito e o da própria eficácia na concretização dos princípios da transparência na atividade dos titulares de cargos políticos, juízes, magistrados, autarcas, altos quadros dirigentes da Administração Pública e gestores públicos”, deixou o alerta.