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‘Política Com Palavra’ Ministro das Finanças, Fernando Medina

‘Política Com Palavra’ Ministro das Finanças, Fernando Medina


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“O que se passa em Inglaterra mostra bem o que é o falhanço das doutrinas liberais mais cegas”

O Ministro das Finanças explica de que forma as medidas constantes no Orçamento – e no pacote Famílias Primeiro – foram pensadas para apoiar os portugueses na atual conjuntura. Garante que o país e as Finanças estão preparados para apoiar mais, se assim for necessário, graças à gestão cautelosa dos dinheiros públicos. E olhando para o outro lado do Canal da Mancha, alerta para os riscos das políticas radicais.

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Nuno Sá Lourenço (NSL): Bom dia e bem-vindos a mais uma edição do Podcast de Política com palavra. O nosso convidado desta semana é Fernando Medina. A sua ligação ao PS começou nos anos 90 do século passado. Participou em grupos de trabalho, nomeadamente na educação. Depois disso, foi Secretário de Estado do emprego. Mais tarde foi Presidente da Câmara de Lisboa e atualmente é ministro das Finanças. Senhor ministro, obrigado por ter aceitado o nosso convite. Este mês de outubro os portugueses começaram a receber os apoios do pacote de famílias. Porque é que o Governo decidiu devolver esse dinheiro aos portugueses, em vez de, por exemplo, reduzir a dívida?

 

 

Fernando Medina (FM): Em primeiro lugar, porque as famílias precisam destes apoios. As famílias vivem neste ano de 2022 com um aumento da inflação como já não conhecíamos há muitas décadas. Nós temos vindo a tomar um conjunto de medidas ao longo destes meses, desde que a inflação começou a subir no nosso país, com o aumento dos combustíveis e tomámos medidas sobre os combustíveis. Depois alargámos a outras categorias de bens e nós fomos sucessivamente tomando medidas nos públicos mais vulneráveis, como quando fizemos o cabaz dos 60 €. Foi um conjunto de medidas que se foi alargando para as várias instituições, também para empresas. Isto até ao Verão. Depois do Verão decidimos ir mais longe, do ponto de vista de respostas para as famílias. Não só definimos um apoio extraordinário aos pensionistas no valor de meia pensão que já está a chegar a casa dos pensionistas, através da Segurança Social e também da Caixa Geral de Aposentações, que é um valor de um apoio que corresponde ao valor de meia pensão. É um apoio com grande significado e fizemo-lo, no fundo, num momento em que isso era o mais importante para os pensionistas. E com isto, e com o aumento que já temos previsto para 2023, nós asseguramos que também algo da maior importância: é que não há perda de poder de compra e que cumprimos integralmente a fórmula da Segurança Social, entre o apoio extraordinário que demos este ano e o aumento de 2023. E a notícia que posso dar é que nós vamos começar, precisamente esta quinta-feira, a fazer o pagamento através da Autoridade Tributária, através do sistema do IRS, dos 125 euros por contribuinte. Um apoio que é dado a todos aqueles que têm rendimentos até 2.700 euros brutos. Por isso abrange a generalidade da classe média, dos mais vulneráveis até à classe média, o que faz com que por exemplo, numa família com 2 filhos, em que cada um recebe 125 euros e cada criança e jovem até aos 24 anos recebe 50 euros, começam a receber o valor de 350 euros por família. Nós vamos conseguir chegar já, no primeiro dia, a 550 mil pessoas, cerca de 550 mil pessoas por dia, irão sendo processados os pagamentos. Por isso, em cerca de 10 dias o fundamental das famílias terão recebido o apoio, que é um apoio de grande importância neste momento, porque é o momento em que as famílias mais precisam. O momento que temos também a certeza de que vamos ter contas certas e este ano vamos ter a dívida com uma grande redução.

 

No primeiro dia, deverão ser pagos apoios a cerca de 550 mil pessoas.

NSL: E porque é que nesta medida decidiram dar a mesma verba a todos, indiscriminadamente e não pensarem numa solução que já utilizada antes, de distribuir de forma progressiva?

FM: Nós entendemos que neste período era importante dar um sinal às classes médias do país, no sentido de devolver uma parte daquilo que também contribuiu no acréscimo de receita fiscal. É verdade que as famílias mais vulneráveis têm uma exposição maior aos aumentos dos preços, Mas também é verdade que as famílias das classes médias em valor absoluto consomem mais, gastam mais e por isso pagam mais impostos. E ao fazemos a devolução do montante igual já é uma opção redistributiva, isto é, nós estamos a compensar mais as famílias com menores rendimentos. As famílias de rendimentos mais baixos estão a receber mais do que contribuíram. E por isto, esta medida também tem um sentido de apoio, mas tem também um sentido de justiça.  Nós estamos a devolver integralmente o valor que o Estado arrecadou a mais com o crescimento das receitas do IVA, isto é, aquelas receitas a mais que o Estado. Este apoio a todos é também um sinal de justiça às classes médias, que tanto contribuem, através dos seus impostos, para o Estado Social de todos.

 

Portugal deixará de estar no TOP3, isolado no 3º lugar das dívidas mais elevadas da moeda única.

NSL: Já falou na questão da consolidação orçamental e da redução da dívida. Estamos a sair de uma pandemia, entretanto, instalou-se na Europa uma guerra. Estes tipos de situações provocam terramotos nas finanças de qualquer país. Que garantias é que pode dar que não vamos voltar a ter défices galopantes?

 

 

FM: Nós termos contas certas e reduzirmos a nossa dívida tem sido uma preocupação do governo PS desde 2015. Eu reafirmei-a como uma grande prioridade do meu mandato como ministro das Finanças. Porque é precisamente o facto de nós termos contas certas que nos permite estarmos mais preparados para podermos responder quando a economia sofre choques desta natureza. Há políticos no nosso espaço público que defendiam que nós não nos devemos preocupar com o défice, que não nos devemos preocupar com a dívida, que no fundo não há limitações da União Europeia atualmente em vigor. Ora, o que nós sabemos bem é que a falta de credibilidade, um descuido relativamente à gestão financeira do Estado, compromete a nossa credibilidade externa, compromete a nossa capacidade de obter financiamento e causa danos muitíssimo grandes do ponto de vista da vida de cada um dos nossos cidadãos. E é precisamente para prevenir isso que nós temos feito um investimento muito grande, esforço muito grande nos últimos anos, de reforço da nossa credibilidade, de redução do défice, de redução da dívida. Foi por isso que fizemos um esforço muitíssimo grande durante este ano de 2022, com uma redução da dívida das maiores do mundo, uma dívida que se reduz em 10%, que passa de 125% do produto para 115% do produto. Portugal deixará de estar no TOP3, isolado no 3º lugar das dívidas mais elevadas da moeda única e vamos passar a estar integrados no pelotão onde está a Espanha de França e a Bélgica, países com economias mais fortes do que a nossa. Isto é muito importante, precisamente como referiu, num momento em que há mais dificuldades internacionais, porque termos contas certas é, no fundo, uma garantia maior para podermos agir. Com um défice mais baixo em caso de necessidade, o défice pode aumentar, quer para pagar subsídios de desemprego, quer para pagar apoios para, no fundo, absorver uma parte da perda de receitas fiscais que inevitavelmente acontece em contextos de uma crise de maior dimensão e, no fundo, apoiando assim a economia a normalizar e a estabilizar. Se nós não tivéssemos margem, se estivéssemos no limite, o que aconteceria é que nós, no momento de necessidade simples, só tínhamos duas coisas a fazer: uma era rebentar o limite. E isso pode levar-nos a uma situação financeira de alto risco no país. Ou então pode levar-nos a fazer o contrário, que é aumentar impostos ou adotar uma política recessiva no momento abrandamento que era uma era uma política péssima que só iria piorar a vida das famílias e dos portugueses. Ter contas certas é um instrumento essencial para podermos ter mais capacidade de resposta em momentos de maior dificuldade.

 

O nosso objetivo para o ano de 2023 é passarmos de uma dívida de cerca de 115% do produto para perto de 111% do produto.

NSL: Para o próximo ano de 2023, tem uma ideia de quanto é que vai reduzir a dívida do país?

FM: Vamos continuar a reduzir, o nosso objetivo para o ano de 2023 é passarmos de uma dívida de cerca de 115% do produto para perto de 111% do produto. É um ritmo de redução muito importante, que nos vai permitir avançarmos ainda mais naquele pelotão, isto é, afastarmo-nos de uma posição isolada como aquela que tínhamos em 2021.

NSL: Nesta situação em que nós nos encontramos, é expectável um Governo conseguir cumprir este tipo de estimativas?

FM: É verdade que vivemos numa época de grande incerteza, que nos é trazida por fora, pelo exterior. Tudo o que está a acontecer, aliás, à nossa economia de negativo e de adverso resulta de efeitos externos que estão a ser impostos ao nosso país. Não há nada nesta crise que tenha sido motivada por qualquer elemento de natureza interna. As estimativas que temos, são as melhores estimativas que existem disponíveis para a economia portuguesa. Nós estamos muito afastados do conflito. Nós apostámos há muitos anos, de forma correta, nas energias renováveis e temos uma percentagem superior a que muitos países têm. Nós, pelo facto de termos um mercado ibérico de energia, não totalmente ligado à Europa, já podemos tomar medidas como a separação do gás no que é o preço de eletricidade, que faz com que os preços tenham aumentado menos do que noutros países europeus. Nós estamos a beneficiar de várias indústrias que antes trabalhavam muito com a China e com o Leste da Europa e que hoje procuram outras localizações mais seguras. E dentro desse espaço está precisamente Portugal. Nós assinámos um acordo de rendimentos e competitividade, que é um acordo da maior importância, que num momento de instabilidade externa, dá estabilidade interna ao país, sobre aquilo que vai ser a evolução dos salários e naquilo, também, que serão as políticas para melhorar a competitividade das empresas.

 

Haver um acordo neste momento significa reduzir a incerteza sobre as famílias e sobre a economia.

NSL: O que é que este acordo tem de diferente dos anteriores?

 

 

FM: Um acordo desta natureza é um acordo muito raro na história da concertação social do nosso país. Em primeiro lugar, destaco a importância de haver um acordo. Haver um acordo neste momento significa reduzir a incerteza sobre as famílias e sobre a economia. Significa que o Governo, confederações patronais e confederação sindical estão de acordo sobre um conjunto de matérias que importam para o avanço da vida do país. Em segundo lugar, este é um acordo de médio prazo, não é um acordo para um ano. É um acordo para um conjunto de quatro anos, para uma legislatura. Acompanhará a vida desta legislatura. Em terceiro lugar, o seu conteúdo, que afirma que há um compromisso coletivo de irmos subindo o peso dos salários no PIB, isto é, na riqueza que o país está a criar. E isto é da maior importância. Um país que se bate pelo aumento dos salários, pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores, das famílias. Este compromisso coletivo é muito importante, como é também o compromisso simétrico a este, que é então criar as condições às empresas para que sejam mais competitivas, para poder pagar os aumentos de remunerações que este acordo encerra. E por isso é um acordo de uma enorme importância para enfrentarmos este momento que estamos a enfrentar.

NSL: Uma das críticas de que a atual governação tem sido alvo tem que ver com a efetiva execução do investimento público que está inscrito no Orçamento. E é desta que o Governo vai investir aquilo que tem orçamentado? Até porque é um instrumento determinante de apoio à economia.

FM: É um elemento importante na nossa estratégia. Sobre este assunto, é preciso traduzir, para as pessoas que nos estão a ver, que a execução do investimento público, ao longo do tempo, não é linear. Isto é, quando nós temos fundos comunitários, um programa como o PRR, há uma fase de definição do programa, há uma fase de estudos, uma fase de projetos e depois há o concurso. Demora algum tempo a ver-se uma obra a ser executada.

A partir desse primeiro momento, acelera muito a execução dos fundos. Deixe-me dar-lhe dois exemplos: um na área da mobilidade, que é o Metro do Porto, que está agora a entrar numa fase de execução. Ou o Metro de Lisboa, que está também hoje a arrancar com uma fase mais avançada da obra. Posso dar também o exemplo o impulso que vai ser a execução das obras na ferrovia, que pelo natural desenvolvimento dos projetos vai acelerar. Um outro exemplo são os acordos relativamente às agendas mobilizadoras, já este ano assinados, e que vão permitir a execução de um volume muitíssimo significativo de investimento privado por parte das empresas.

NSL: Este ano de 2023 será o ano em que finalmente vamos ver surgir os resultados desse tipo de investimento?

 

 

FM: É um ano em que claramente se vai ver muito mais do ponto de vista da execução desses projetos do que se viram nos anos anteriores, porque os projetos estão a chegar a essa fase de maturidade, que permite que eles começam a ser mais visíveis.

NSL: Uma das linhas mestras comuns definidas pelo Governo na proposta do Orçamento tem que ver com a mitigação dos custos que pesam sobre as pessoas e sobre as famílias. Um desses custos é o crédito à habitação. O Governo esteja a preparar mais algum apoio para enfrentar este custo que tem um potencial para ser quase uma bomba-relógio?

FM: Em primeiro lugar, é preciso ver que no total de 1.400.000 créditos que existem, cerca de 90% dos créditos têm uma prestação até 400 €. Metade dos créditos à habitação têm uma prestação até 280 € e uma parte destes créditos são créditos que já se começam a aproximar da fase final da sua maturidade. O que é que isso significa? Significa que as prestações que as pessoas pagam já amortiza muito mais capital do que juros. Isto é importante porque os aumentos para este tipo de créditos, o impacto não é tão significativo como será o impacto para créditos mais recentes, ou para os créditos de maior valor, por exemplo, onde a componente desse impacto será superior. A nossa resposta é uma resposta que pretende ser muito eficaz. Nós estamos a que estamos a trabalhar numa legislação em colaboração com o Banco de Portugal e que esperamos poder aprová-la em poucas semanas que, no fundamental, o que faz é permitir às famílias que receiem um aumento da sua taxa de esforço, possam abrir um processo de negociação com o banco, do qual venha a resultar a redução dos encargos que pagam. As soluções podem ser várias. Estamos a trabalhar com rigor para assegurarmos que as famílias não ficam prejudicadas com esse processo de negociação, no sentido em que há normas europeias a cumprir. E nós não queremos que as pessoas que legitimamente procuram pagar menos na sua prestação mensal venham a ser classificadas como tendo um crédito em incumprimento ou que no banco seja registado como crédito em incumprimento. Estamos a trabalhar para encontrar uma solução legal que permita fazer estes processos de negociação com confiança.

NSL: Enquanto economista e enquanto ministro das Finanças de um país europeu, como é que olha para o caos que se instalou em Inglaterra a partir de uma simples proposta de um mini-orçamento?

FM: A questão é que a proposta que foi apresentada tem mini no nome, mas era tudo menos mini. Era uma proposta de um enorme radicalismo que provocava um grande desequilíbrio nas contas públicas e que provocava um enorme aumento da desigualdade com a diminuição de impostos para os mais ricos, com um conjunto de soluções que eram profundamente que eram alicerçadas numa ideologia liberal cega.

NSL: Mas já houve no passado momentos em que os mercados até reagiram positivamente a este tipo de propostas.

FM: O que aconteceu foi a não compreensão da importância da responsabilidade financeira e das contas certas num país. Apesar do seu tamanho da sua autonomia, a Inglaterra viu-se envolvida numa crise, viu-se envolvida numa crise financeira autoinfligida pelos próprios e com consequências que vão durar. Eu acho que este exemplo mostra bem o que é o falhanço das doutrinas liberais mais cegas, quando a tentativa de aplicação de uma receita cega, num determinado momento causou o que o causou. Foi um caos financeiro, com perdas muito significativas para os fundos de pensões, para todo o sistema e num espaço de muito poucos dias. Isto prova bem a importância não só das contas certas, mas também das políticas ponderadas nos vários momentos. Porque aqui não tivemos um problema de uma crise sistémica, como tivemos na moeda única, com vários países atingidos. Não, aquilo foi uma decisão e uma crise em função dessa decisão, uma decisão radical para todos os títulos.

 

A Inglaterra viu-se envolvida numa crise financeira autoinfligida pelos próprios e com consequências que vão durar. Eu acho que este exemplo mostra bem o que é o falhanço das doutrinas liberais mais cegas, quando a tentativa de aplicação de uma receita cega, num determinado momento causou o que o causou.

NSL: E que lições é que alguns partidos de direita deveriam tirar desta situação?

FM: A lição imediata é que políticas liberais radicais derrotam-se a si próprias, não cumprem o objetivo, não resolvem nenhum problema e neste caso causaram um dano imenso. Espero, aliás, que seja uma recordação séria para muitos que acham que o liberalismo mais radical é a solução para os problemas do país. Não é!

NSL: É ministro ainda há pouco tempo enquanto, mas o que é que gostaria que ficasse dos seus anos de governação enquanto ministro das Finanças?

FM: As Finanças têm um papel transversal de apoio a todas as áreas da governação. As Finanças são responsáveis pelo financiamento das várias áreas de política pública que o nosso país tem. Gostava que se tivéssemos de novo a economia a crescer com robustez, depois de ultrapassar este período de dificuldade, que tivéssemos uma sociedade mais justa, que tivéssemos atingido os nossos objetivos em matéria de acordo de rendimentos, de melhorias no peso dos salários na economia portuguesa. E gostava de deixar um país com menos dívida, menos dívida pública, que no fundo deixasse o país mais protegido no presente, mas sendo um país mais protegido para o futuro, para as gerações futuras.