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‘Política Com Palavra’ Eurodeputado Carlos Zorrinho

‘Política Com Palavra’ Eurodeputado Carlos Zorrinho


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“O que nós vamos conseguir com o hidrogénio verde é engarrafar o vento, engarrafar o sol.”

Há muito que as áreas de intervenção de Carlos Zorrinho estão concentradas na Energia e na Inovação. Foi coordenador do Plano Tecnológico, foi Secretário de Estado do setor e, atualmente, enquanto eurodeputado socialista, é membro da Comissão da Indústria, Inovação e Energia. É a pessoa indicada para descodificar o acordo celebrado entre Portugal, Espanha e França para a criação do Corredor Verde. O eurodeputado não tem dúvidas em afirmar que o acordo e os investimentos nacionais vão transformar Portugal num produtor e exportador de energia verde, em vez de ser apenas um mero “ponto de passagem” de matérias-primas. E é por isso que rejeita as críticas ao acordo e acusa o presidente do PSD de pretender transformar Portugal numa ilha energética, “orgulhosamente só, desligada dos mercados europeus”.

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Nuno Sá Lourenço (NSL): Bom dia e bem-vindos a mais uma edição do podcast “Política com Palavra”. O convidado desta semana é o eurodeputado Carlos Zorrinho, cujas funções compreendem a participação na Comissão do Parlamento Europeu de Indústria, Investigação e Energia. Energia e o recente acordo celebrado entre Portugal, Espanha e França são os tópicos desta nossa conversa. Senhor eurodeputado, muito obrigado por ter aceitado o convite. Espero que esteja de baterias carregadas. Sobre este acordo recentemente celebrado entre os três países, é desta que vamos ter um acordo que fura o bloqueio energético da Península Ibérica?

   
Fotografias: José António Rodrigues / PS
 

Carlos Zorrinho (CZ): Eu estou convencido que sim, porque é um acordo que corresponde a uma necessidade estratégica da União Europeia. A União Europeia, aliás, ao longo dos últimos anos, no domínio da energia, cometeu muitos erros, como todos nós reconhecemos. Muita coisa foi feita, foram aplicadas muitas medidas como o pacote de Energia Limpa, o pacote Objetivo 55, para reduzir as emissões 55% até 2030. Mas foi-se sempre mantendo - a energia é de facto estratégica, muito importante - uma captura nacional e muitas vezes os egoísmos nacionais, sobretudo dos países com maior peso económico e político, impediram a construção de um verdadeiro mercado único da energia. E agora, perante o uso que a Rússia fez das dificuldades de abastecimento, dificuldades de diversificação energética da União Europeia, tornando a energia como a mais forte arma contra a União Europeia aplicada pela Rússia. E se nós tivéssemos feito o que deveríamos ter feito na área da energia, provavelmente a Rússia não teria tido condições para fazer a invasão da Ucrânia. Portanto, a perceção de que isto é assim, faz com que haja, neste momento, uma necessidade grande do ponto de vista europeu de melhorar as interconexões, de diversificar a produção de energia e ter outras fontes. Este acordo é um acordo que vai exatamente nesse sentido, ou seja, é um acordo que liberta a Península Ibérica de ser uma ilha energética. A França não teve condições para continuar a bloquear este acesso porque há muitos países interessados no acesso da Península Ibérica ao mercado global de energia. Vai permitir que desenvolver as interligações elétricas com cabos submarinos e aqueles que o mercado permitir. Vai permitir também fazer com que o gasoduto seja um gasoduto que transportará gás natural quando necessário, mas também hidrogénio verde e, portanto, e que chegará aos portos e aos mercados do centro da Europa, que é uma necessidade grande. Este acordo está baseado numa estratégia de desenvolvimento da energia também na Península Ibérica e em Portugal. Podendo ser um ponto de passagem de distribuição de energia importada dos Estados Unidos ou de África, diversificando o abastecimento. Mas nós vamos ter também a enorme capacidade acrescida de produção de energia renovável, a energia solar, de energia, de energia hídrica, energia do vento, mas também hidrogénio verde a partir dessa energia limpa e criando esse potencial, colocá-lo no mercado único, o que é algo que é do interesse europeu. É por isso que nós temos uma expectativa forte de que ele seja reconhecido como projeto de interesse comum, e sendo reconhecido como projeto de interesse comum, será financiado através do Mecanismo Interligar a Europa. Portanto, é algo que está desenhado para poder funcionar, ao contrário do acordo de que tanto falam algumas carpideiras saudosas, que dizem que havia um acordo maduro. Eu também trabalhei num acordo similar em 2011, no acordo em 2015 para termos uma passagem de um gasoduto via Pirenéus para termos as ligações elétricas, que se vão manter. Aliás, a verdade é que o acordo de 2011 era um bom acordo de 2011. O acordo 2015 seria um bom acordo em 2015…

NSL: Porque é que esse acordo nunca se teve desenvolvimentos?

CZ: Esse acordo nunca teve desenvolvimentos, porque teve sempre um bloqueio político, por parte da França. Mas, além do bloqueio político por parte de França, defendendo os seus interesses em termos de energia nuclear, teve também um bloqueio do ponto de vista dos mecanismos de financiamento e um bloqueio regulatório. Na última tentativa de pôr em prática em 2017, foram os reguladores do lado espanhol e francês que consideraram que a solução não era boa para os consumidores, ou seja, não criava um valor acrescentado para os consumidores e, portanto, foi também bloqueado ao nível regulatório.

NSL: Por muito bom que fosse que não fosse um acordo que não tinha as condições necessárias para ser implementado, é isso?

CZ: A questão aí é que nós temos de ser pragmáticos em política. Se tivéssemos agora um gasoduto que ligasse Sines vindo dos Pirenéus aos mercados europeus, isso era bom para a Europa neste momento, porque neste momento de emergência nós poderíamos ajudar a compensar uma parte importante daquilo que são as dificuldades de abastecimento. Mas a verdade é que este gasoduto nunca teve condições políticas, financeiras e regulatórias para avançar, não obstante todo o esforço que foi feito e eu próprio, como eurodeputado nessa área, fiz muitas perguntas, fiz muitas interpelações. Aliás, houve um esforço conjunto da sociedade portuguesa para que essa solução pudesse ter sido concretizada. Ela não foi. Agora o mínimo que se pode esperar, o que que faz sentido, que é razoável, é que, tendo conseguido, através de um acordo forte, romper esta barreira, romper o nosso acantonamento na Península Ibérica, criando oportunidades para a nossa indústria, para a nossa produção de energia, havendo essas oportunidades, não faz nenhum sentido que, em particular, o maior partido da oposição, com argumentos muito frouxos, venha dizer não, nós não assinávamos do acordo. Se Portugal não tivesse assinado este acordo, com a pressão que existe do ponto de vista europeu, ele seria assinado pela Espanha e pela França. E, portanto, nós ficaríamos, orgulhosamente sós, fechados sobre nós próprios, o que é de uma irresponsabilidade total. Porque uma coisa é dizer havia um acordo, mas esse acordo está maduro, há sete anos, a amadurecer numa gaveta porque nunca teve condições políticas, económicas e regulatórias para se pôr em prática. Uma coisa é ter o saudosismo desse acordo. Outra coisa é dizer, como disse Luís Montenegro, que eu não assinava este acordo. Então se nós tivéssemos Luís Montenegro como Primeiro-Ministro, ele não teria assinado este acordo. Ou seja, teria colocado Portugal, num momento crítico, em que estamos a investir cada vez mais e temos um grande potencial energias renováveis, em que precisamos também de energia para nós mesmos, para a nossa produção, para nossas empresas, para as nossas famílias, para mantermos essa capacidade de autossuficiência, ele colocar-nos-ia como uma ilha portuguesa, orgulhosamente só, desligada dos mercados europeus, desligada do centro onde está a acontecer a grande revolução do Green Deal, da grande revolução da transição energética, da grande revolução digital que está muito associada a isto. Ou seja, é uma proposta verdadeiramente de quem ou tem má-fé ou não percebe de energia. Eu acho que houve um bocadinho das duas coisas. Talvez três coisas, ressabiamento, porque de alguma maneira achavam que o acordo 2015 tinha a chancela do PSD, eu acho que não, o acordo 2015 tinha, isso sim, a chancela de todos os portugueses, como este também tem. Por outro lado, pouco conhecimento de energia e, também, pouco sentido de Estado e pouco sentido do interesse nacional.

 

Se Portugal não tivesse assinado este acordo, com a pressão que existe do ponto de vista europeu, ele seria assinado pela Espanha e pela França. E, portanto, nós ficaríamos, orgulhosamente sós, fechados sobre nós próprios, o que é de uma irresponsabilidade total.

NSL: Que vantagens é este acordo traz para a indústria portuguesa? O que é que isto muda para Portugal?

   

CZ: Nós temos neste momento a estratégia nacional de hidrogénio. Há muitos projetos que estão a ser desenvolvidos um pouco por todo o país, muitos concentrados na zona de Sines, para termos a capacidade de dar um passo tecnológico em frente e sermos pioneiros também nesse passo tecnológico em termos de produção de energia limpa. Portugal, como todos sabemos, tem um grande potencial de produção de energia renovável através do vento, através do solar - cada vez mais são licenciados, cada vez mais projetos para produção solar - também através do hídrico. E a grande dificuldade que um país como Portugal tem - um país com uma percentagem muito razoável da sua eletricidade proveniente de renováveis – é o problema da armazenagem, do armazenamento. A energia renovável tem de ser, em grande medida, consumida [imediatamente]. Há mecanismos de armazenamento, como a bombagem reversível nas barragens, mas é muito difícil armazenar energia renovável. Ora, o que nós vamos conseguir - eu acho que esta é uma imagem interessante e feliz - é que nós temos muito sol, temos muito vento, mas não temos capacidade de os armazenar. Pode-se fazer, de alguma maneira, nas baterias dos carros, mas nesta fase ainda temos essa dificuldade. O que nós vamos conseguir com o hidrogénio verde é engarrafar o vento, engarrafar o sol. No fundo é transformar energia renovável em algo que pode ser mantido, transacionado e distribuído, usado quando necessário. Isso é uma enorme oportunidade. Em primeiro lugar, porque o processo de produção é um processo industrial importante. Em segundo lugar, porque isso pode viabilizar áreas industriais muito importantes. A área de Sines, por exemplo, a área de Estarreja, que é uma área essencialmente petroquímica, são áreas em que o hidrogénio pode ter um papel fundamental e, além de tudo isso, nós podemos depois também exportar essa energia, quer sob a forma de metanol, nos navios ou no gasoduto, no novo corredor verde ou sob a forma da Amónia Verde, também através de navios. E, portanto, quando se diz que Sines perde papel estratégico, é também uma falácia. Porque é verdade que com o gasoduto via Pirenéus a única entrada desse gasoduto é termos de porto seria Sines. Mas seria entrada para cobrar uma taxa de passagem, digamos assim, para comprar para sermos transportadores de gás. O que era importante para a Europa se tivesse sido feito, se tivéssemos conseguido fazer o MIDCAT era bem-vindo, não conseguimos foi fazer durante todo este tempo, portanto não vale a pena continuar a chorar sobre leite derramado e insistir em algo que não era possível concretizar. Assim, Sines deixa de ser um ponto de passagem do gás, ou será à mesma, agora competindo com os portos espanhóis. Porque haverá outros portos que também podem receber gás e ligar-se ao gasoduto. Mas a verdade é que Sines, o que vai ter é um gasoduto e um porto, em que, mais do que receber energia, vai ser um ponto de partida de energia produzida sob a forma de hidrogénio verde. Ou seja, nós vamos criar um cluster de produção e não apenas uma zona de passagem. É uma coisa que, na nossa história, tem sido sempre um grande problema português, fomos sempre melhores comerciantes do que produtores. O que este projeto estratégico – e é isto que o PSD não percebeu ou não quer perceber - o que este novo acordo, o que esse corredor verde, o que a manutenção das ligações elétricas vai permitir, é tornar Portugal não apenas mais autossuficiente na sua produção de energia limpa, não apenas uma zona de passagem - que é importante para a diversificação de energia importada para os mercados da Europa - mas além de tudo isto, tornarmo-nos produtores de energia exportável, com muito melhores condições a partir da nova tecnologia de eletrólise e de hidrogénio verde.

 

O corredor verde vai tornar Portugal não apenas mais autossuficiente na sua produção de energia limpa, mas irá tornar Portugal num produtores de energia exportável, com muito melhores condições a partir da nova tecnologia de eletrólise e de hidrogénio verde.

NSL: Outro alerta que temos ouvido aqui em Portugal em relação a este projeto tem que ver com dúvidas em relação ao gasoduto em si, que é transportar hidrogénio verde. Como é que se resolve?

 

CZ: Em primeiro lugar, o que nós sabemos é que foi constituído um grupo dos três países e é esse grupo vai voltar a reunir e, portanto, os detalhes técnicos vão naturalmente ser desenvolvidos. Agora, o que nós sabemos também é que há tecnologia madura para poder fazer isso. Nos troços que vão ser feitos de raiz, no distrito da Beira, Zamora, Barcelona, Marselha, naturalmente que será feita com uma tecnologia que permitirá transportar o hidrogénio verde na sua forma mais gaseificada. E depois no projeto temos que adaptar os troços que já estão construídos e que não têm essas características para também terem essas características. É um projeto de engenharia, é um projeto de economia, é um projeto para construir um corredor verde. E tudo indica, como disse ainda não foi feita a classificação, não tem ainda o carimbo, mas existe, na União Europeia, o princípio dos projetos de interesse comum, que são financiados por fundos comunitários. Neste contexto de emergência, foi considerada a possibilidade de haver novos projetos em discussão. Este projeto tem condições para ser considerado para financiamento através do Mecanismo Interligar a Europa. E, portanto, nós termos de facto um gasoduto de última geração a ligar a Península Ibérica, a  ligar Sines, outros portos também, mas a ligar a Península Ibérica aos mercados do centro da Europa. E isso é muito importante num momento em que nós percebemos que a energia - e sobretudo a energia verde, a autonomia energética - são fundamentais para o desenvolvimento europeu, para a segurança europeia, para também para termos preços competitivos à escala global.

NSL: esta semana houve uma reunião do Conselho Europeu na área da energia onde a comissária reconheceu, no final, que o resultado foi menos ambicioso do que aquele que que se pretendia. Que avaliação é que faz do que se passou?

CZ: Eu acho que nós devemos olhar para o Conselho de duas maneiras: a primeira é que, de facto, já foram dados alguns passos no sentido certo, são passos seguros. Que devíamos andar mais rápido e mais depressa, também é verdade. Mas nós temos que ser pragmáticos e temos que compreender o mundo em que vivemos. A União Europeia é uma parceria de 27 países democráticos. A energia ainda não é uma área comum, portanto, é uma área em que cada passo tem que ser dado com o acordo dos vários Estados-Membros. Estados-Membros, esses que no passado, fizeram apostas muito diferenciadas. Os países do Leste têm muito carvão, a Alemanha também tem ainda algum carvão, a Alemanha foi fechando progressivamente as suas centrais nucleares, a França não. Há circunstâncias muito diversas. O que significa que cada passo em frente é um passo sempre que exige uma grande concertação. Agora, eu estou convencido que a própria pressão das necessidades energéticas da indústria, das famílias, do combate à pobreza energética, enfim, de dar respostas concretas à rua europeia, face ao que a Rússia está a fazer para desestabilizar as nossas democracias e nossas sociedades, o processo vai acabar por avançar. Obviamente ninguém perdoará se, por indecisão ou bloqueio de qualquer instituição europeia, que que não haja melhores soluções para os europeus neste inverno.

NSL: Já notou, ao longo destes meses, uma mudança na postura dos eurodeputados franceses ou do norte da Europa em relação ao que existia antes?

CZ: Claro que sim, acho que há hoje, claramente, essa consciência. Neste caso da energia foi mais difícil de criar, confesso que foi mais difícil criar do que, por exemplo, no caso do COVID-19. Mas há neste momento uma consciência clara de que nenhum país sozinho podia ter resolvido o problema COVID, da vacinação. Nenhum país sozinho vai conseguir resolver o problema da compressão que a Rússia está a fazer sobre a Europa em relação aos mercados de energia. E, portanto, essa consciência que a resposta tem que ser conjunta reflete que no Parlamento Europeu, por exemplo, em tudo o que nós estamos a tomar nas resoluções, nas próprias diretivas em que estamos agora a trabalhar, como a Diretiva da Eficiência dos Edifícios, a nova Diretiva das Energias Renováveis. Em todas elas tem havido maiorias fortes no sentido de ter cada vez mais um trabalho conjunto, de compras conjuntas de energia, de haver soluções conjuntas, e também uma aposta muito forte no desenvolvimento tecnológico. Neste momento há uma consciência clara por parte de todos os países e por parte de todos os eurodeputados, exceto para aqueles cujo objetivo é que o projeto europeu possa ser posto em causa por estes problemas.