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‘Política Com Palavra’ com Nuno Severiano Teixeira

‘Política Com Palavra’ com Nuno Severiano Teixeira


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“Os países europeus perceberam que a segurança europeia não pode organizar-se com a Rússia dentro”

Numa altura em que se assinala um ano após a invasão da Ucrânia pela Federação Rússa, o Política com Palavra convida o professor universitário, Nuno Severiano Teixeira, a avaliar as repercussões desta invasão nas políticas europeias e nacionais. O ex-ministro da Administração Interna e da Defesa antecipa um reordenamento da Ordem Internacional e um novo posicionamento europeu no quadro da Defesa. E ao mesmo tempo explica o que deveria mudar em Portugal, na forma como se pensa a Defesa Nacional.

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Nuno Sá Lourenço:

Bom dia e bem-vindos a mais uma edição do Podcast Política com Palavra. Esta semana temos connosco Nuno Severiano Teixeira. Foi ministro da Administração Interna e da Defesa em anteriores Governos do PS. Atualmente, é professor universitário, catedrático, dedicado a áreas diversas, mas que incluem também a segurança e a defesa. A pessoa indicada para abordarmos a guerra da Ucrânia num momento em que se assinala um ano sobre o início dessa guerra. Professor Nuno Severiano Teixeira, obrigado por ter aceitado o nosso convite. O mundo estava a recuperar de uma pandemia. Já havia sinais e avisos de que corremos o risco de entrar numa crise económica e a Rússia invadiu a Ucrânia no início de 2022. Porque é que a Rússia o faz em 2022?

Fotografias: José António Rodrigues / PS
 

Nuno Severiano Teixeira: Bom dia, em primeiro lugar. Agradeço o convite e tenho imenso gosto. Já o tinha feito na Crimeia, em 2014. Já o tinha feito na Geórgia em 2008 e, portanto, não é nada de novo. Agora, o que é que provoca esta invasão de fevereiro de 2022? Eu acho que há objetivos claros e explícitos e depois há objetivos que estavam implícitos e que se foram tornando, ao longo do conflito, cada vez mais claros e mais explícitos. Em primeiro lugar, havia o interesse por parte da Rússia de Putin de refazer toda a sua vizinhança, ou seja, a área pós-soviética.

NSL: A sua esfera de influência?

NST: A sua esfera de influência. Nisso, digamos, a Bielorrússia tem uma relação particularmente estreita com a Rússia. Mas não era o caso da Ucrânia que estava, digamos, numa evolução, por um lado democrática, por outro lado, europeia. E isso escapa, como é natural, àqueles que são os princípios de Putin. Por um lado, de querer manter a Ucrânia na esfera de influência da Rússia e, por outro lado, de querer manter a Ucrânia na esfera de influência, longe da democracia, próxima do seu regime autoritário. Há esse primeiro objetivo que tem a ver com a recomposição de todo esse espaço pós-soviético e, em particular, essa unidade estreita que, no pensamento de Putin, é clara entre a Rússia, a Bielorrússia e a Ucrânia. Depois, há um conjunto de objetivos que não foram confessados, mas que se foram tornando claros ao longo da guerra. Em primeiro lugar, dividir os europeus e enfraquecer a União Europeia. Isso é, obviamente, uma perspetiva que está no pensamento de Putin. Em segundo lugar, separar americanos e europeus e atacar a ordem internacional liberal, enfim, a hegemonia americana. E, portanto, digamos que estes três elementos são fundamentais na conceção que tinha e que está na origem da invasão. Na minha maneira de ver, enganou-se relativamente aos dois últimos, ou seja, não só americanos e europeus têm coordenado suas ações relativamente à invasão russa, como isso deu um novo alento, um novo fôlego, à relação transatlântica, que atravessou um período difícil, como todos nós sabemos. Por outro lado, os europeus têm estado unidos, apesar de todas as diferenças internas. Há pequenos episódios, há negociações mais ou menos difíceis, sobretudo com a Hungria, mas os europeus têm-se mantido unidos, já vão no nono pacote de sanções. Pela primeira vez, a União Europeia está a dar ajuda militar a uma entidade externa. Portanto, isso é um avanço extraordinário e o que é politicamente significativo é justamente o facto da União Europeia se ter mantido unida na resposta a esta crise, que é uma crise às suas portas. E depois havia uma outra questão que, aliás, essa foi posta nas condições que o presidente Putin colocou antes da invasão, que era afastar a NATO das suas fronteiras. Afastar a NATO das suas fronteiras, pois não conseguiu e também está a ter o resultado contrário, porque se a Suécia e a Finlândia, como tudo parece indicar, com mais ou menos dificuldade por parte da posição turca, isso é negociável, vierem a entrar na NATO, pois ele terá mais 1000 e qualquer coisa quilómetros de fronteira direta com a NATO. Acho que estes eram os seus objetivos. Não conseguiu dividir americanos e europeus, reforçou o vínculo transatlântico, não conseguiu enfraquecer a União Europeia, pelo contrário, deu-lhe unidade, não conseguiu afastar a NATO das suas fronteiras. Aliás, deu uma nova vida à NATO. Lembra-se que há um ano e tal, há dois anos, o presidente Macron dizia que a NATO estava cerebralmente morta. Pois agora está vivíssima…

NSL: Agora já tem um objetivo, um propósito?

NST: Tem um inimigo outra vez, que era o inimigo antigo, só com uma nova roupagem, antes soviética, agora é russo e portanto, desse ponto de vista, eu acho que Putin está a perder esta guerra. Agora no terreno, com a Ucrânia, pois vamos ver. Aí tudo está em aberto e o que se está a passar neste momento é que muito dificilmente teremos uma paz a curto prazo.

NSL: Porquê?

NST: Porque nenhum dos beligerantes está convencido de que perdeu e, pelo contrário, ambos estão convencidos que ainda podem ganhar. E enquanto cada um deles estiver convencido que pode ganhar, a Rússia, enfim, intensificando as suas ofensivas bélicas, aumentando ou potenciando a mobilização, vamos ver como é que isso vai acontecer, a Ucrânia beneficiando do apoio militar dos países ocidentais. Ambos pensam que podem vencer esta guerra. E enquanto ambos pensarem isso, é muito difícil que se vá para a mesa das negociações.

NSL: Depreendo, pelas suas palavras, que não acredita que exista uma solução militar do conflito.

 

NST: Nós não sabemos. Nós estamos ainda no meio do conflito, mas o que é que nós sabemos? Sabemos o que a história nos diz sobre os modelos para terminar um conflito. Podemos pensar de um ponto de vista estritamente teórico, porque estamos no meio da guerra. Como é que as guerras acabam? As guerras acabam normalmente de três formas diferentes. A primeira é uma vitória total e completa de um dos beligerantes, com uma derrota total e completa do outro lado. O exemplo mais claro que nós temos é o exemplo da Segunda Guerra Mundial. O Japão e a Alemanha capitularam. Portanto, essa é uma fórmula das guerras terminarem. Outra fórmula é as guerras terminarem através de um armistício. Ou seja, não se considera a guerra terminada. Não há um que vence decididamente, um que perde decididamente. Mas o armistício é, digamos, uma espécie de uma paz provisória, que traduz no plano político aquilo que é a situação militar no terreno.

NSL: Um impasse?

NST: Um está a ganhar mais, o outro está a perder… O caso mais claro é o da I Guerra Mundial. Portanto, o Armistício de 11 de novembro de 1918 traduzia um pouco a situação que se passava no terreno. Mas para os alemães não era o tratado definitivo. Qual é o terceiro modelo? O terceiro modelo é o dos conflitos congelados. Conflitos que não acabam, ninguém ganha, ninguém perde. Os conflitos estão lá, congelados, como se costuma dizer. Descongelam-se, de vez em quando…

NSL: Que era o que estava a acontecer até 2022…

NST: Era o que estava a crescer entre 2008 e 2014. Não sabemos qual vai ser o modelo que vai prevalecer. Mas a questão neste momento é que a guerra ainda está numa fase… Não sei se nós já chegámos a meio da guerra…

NSL: Espera-se agora, com a chegada da primavera, que aliás, o conflito se intensifique no terreno.

NST: Esses são os rumores que correm, uma vez que o clima é muito agreste no Inverno, e que há a possibilidade da guerra tomar outra dimensão e intensidade. Os serviços ucranianos anunciam uma grande ofensiva russa e, por isso, também estão a fazer esta grande ofensiva diplomática no sentido de conseguir mais apoio militar, com material mais sofisticado, tecnologicamente mais avançado e em maior quantidade, para justamente poder fazer face a essa situação.

NSL: E a que conflito é que nós vamos assistir nos próximos tempos? Parece que vamos assistir a um conflito entre um lado que tem uma força militar menos numerosa, mas aparentemente com equipamento mais sofisticado a chegar. E, do outro lado, uma Rússia principalmente suportada na força dos números.

NST: Sim, é verdade. A Rússia tem uma capacidade militar, em termos de efetivos, muitíssimo superior àquilo que é a capacidade militar ucraniana. E tem também um arsenal nuclear extraordinário. Mas há também uma diferença importante no que diz respeito às tropas. É certo que existe do lado russo uma maior capacidade porque dispõe de um número de efetivos incomparavelmente superior. Mas a moral das tropas russas não é comparável com a moral das tropas ucranianas. Porquê? Porque, por um lado, os ucranianos estão a defender o seu próprio país, a sua própria pátria, a sua própria terra, e os russos estão numa missão que…

NSL: A invadir outro país…

NST: A invadir outro país. Embora haja menor número de efetivos a favor da Rússia, há, digamos, uma capacidade anímica e moral das tropas que favorece os ucranianos.

NSL: E também influencia com certeza os resultados anteriores que houve na guerra.

NST: Claro. Não podemos esquecer o que se passou neste ano. Até agora aquilo que a Rússia conseguiu foi uma sucessão de - eu não digo derrotas - mas de insucessos militares. Lembremos: o primeiro grande objetivo era uma blitzkrieg, ou seja, uma guerra relâmpago, a máxima violência com o mínimo de tempo, chegar a Kiev, depor o governo e instalar um governo fantoche, como se costuma dizer e portanto, a partir daí, negociar. Falhou militarmente a ocupação de Kiev. Depois foram reveses militares nas várias áreas em Kharkiv, em Kherson e mesmo no Mar Negro. Não esqueçamos a questão do navio almirante que foi afundado e que, portanto, foi também um golpe importante na identidade da Marinha Russa. Não está de facto a ter um sucesso militar estrondoso. E mais, se nós olharmos para aquilo que é a sua progressão no terreno, a própria Rússia não controla efetivamente todos os territórios que anexou politicamente. Portanto, faz uma declaração a dizer ‘anexei a estes quatro territórios’, mas efetivamente no terreno não os controla. Portanto, não se pode dizer que seja um sucesso militar de grande nível. Pelo contrário, e como estava a dizer, também afeta a moral das tropas. Depois há imensas baixas.

NSL: Há uma estimativa de quantas vidas já se perderam?

NST: Não sei, eu neste momento, não tenho. Há várias estimativas dos dois lados. Eu neste momento não tenho números atualizados, mas é muito numeroso.

NSL: Ao ponto de enfraquecer a posição russa, de tornar praticamente impossível a continuação durante muito tempo do conflito?

NST: Não, isso não, porque o que vai acontecendo é que se vai alargando - a Rússia tem uma grande capacidade - e vai alargando a mobilização, como aliás já aconteceu.

NSL: Diz-se que terão cerca de 500.000 homens em condições de, nos próximos meses, fazer avançar para a frente de batalha.

 

NST: E isso, de fato, faz uma diferença grande. A diferença que pode ser feita do lado ucraniano é a sofisticação do material militar e aí a ajuda do Ocidente é muito importante. Esta decisão recente de enviar tanques é uma decisão - vai demorar algum tempo - não é uma coisa imediata. Eles precisam de ser transportados, precisam de manutenção, precisam de formação das equipas que vão operar os tanques. Isso vai ter ainda um prazo até chegarem ao terreno e produzirem efeitos. Mas, politicamente, é muito significativo. Na minha maneira de ver, quer dizer que as hesitações que o Ocidente tinha, particularmente, em alguns países europeus, como a França e a Alemanha, desapareceram. Nunca houve dúvidas por parte daqueles países europeus que tinham tido a experiência soviética, passando a expressão popular, sabem do que é que a casa gasta. Sentiram na pele durante todo o período soviético e, portanto, têm naturalmente uma posição mais viva, mais assertiva. Não era o caso da França e da Alemanha, que sempre tiveram uma relação com a Rússia, que era a de que, para haver paz na Europa e para haver segurança na Europa, era necessário que a Rússia estivesse dentro desse sistema de segurança e isso foi tentado durante o pós-Guerra Fria. Em várias circunstâncias, desde o Conselho NATO-Rússia, aos vários tratados que se fizeram no sentido de trazer a Rússia para um diálogo, sobretudo com a França e com a Alemanha. A própria dependência energética da Alemanha em relação à Rússia. As relações comerciais eram um sinal político de que era preciso trazer a Rússia para dentro.

NSL: Ainda se chegou a tentar isso na fase inicial do conflito?

NST:  Sim, com certeza. Durante a fase inicial do conflito, tanto Macron quanto Scholz tentaram trazer Putin, assumirem-se, sobretudo Macron, como um interlocutor privilegiado com o presidente Putin e trazê-lo à mesa das negociações.

NSL: E o que é que mudou agora, como diz, na posição da França e da Alemanha?

NST: Eu acho que isto é uma mudança radical na forma de encarar a segurança europeia e a mudança radical é a tomada de consciência, depois da invasão da Ucrânia, e depois de tudo o que se passou em termos de crimes de guerra e tudo isso... Isto significa que os países europeus, e particularmente como digo, a França e a Alemanha, perceberam que a segurança europeia não pode organizar-se com a Rússia dentro. Terá que se organizar com a Rússia fora. Todos os tais tratados de que estávamos a falar, a Carta de Segurança Europeia que vinha de Helsínquia, tudo isso, colapsou. E, portanto, eles tomam consciência que não é possível organizar toda a arquitetura de segurança europeia com a Rússia dentro. É preciso organizá-la com a Rússia fora. E, portanto, eu acho que isso levou a esta mudança tão radical na maneira de enquadrar. Isso é ainda mais visível do lado da Alemanha, porque, repare, a Alemanha tinha desde os anos 60 e 70 a chamada Ostpolitik, a política oriental, que era justamente uma política de criar uma boa relação com a Rússia no plano económico, no plano tecnológico, no plano energético. E está a fazer justamente o contrário, ou seja, a diminuir de uma forma rápida, drástica e quase completa a sua dependência energética relativamente à Rússia. Segundo, a Alemanha, que sempre teve, por razões históricas, que vinham da Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento de Forças Armadas de uma forma muito contida - nunca quis ser uma grande potência militar europeia, quis ser sim uma grande potência económica, grande potência tecnológica, uma grande potência no comércio internacional - mudou completamente. Disse ‘Não. Nós, a partir de agora, vamos cumprir os 2% de investimento militar que a NATO prescreve’. E 2% do PIB alemão, não é uma brincadeira. Portanto isto dá nota da grande mudança que se passou na Europa e eu acho que nós estamos ou vamos assistir a toda uma outra ordem internacional que vai sair deste conflito.

NSL: E que nova ordem será essa?

NST: A sensação que tenho é que nós estamos a viver um momento que, em termos da sua dimensão, sobre a evolução da história e a evolução do nosso mundo, tem uma dimensão comparável àquilo que foi a I Guerra e o mundo que sai da primeira guerra do Tratado de Versalhes, em 1919. Ou da dimensão da II Guerra e o mundo que saiu dos tratados de Alta e de Potsdam, que depois originam a Guerra Fria. Nós não sabemos ainda qual é o mundo que aí vem, mas a sensação que eu tenho é que desta guerra e da forma como ela concluir, sairá um novo mundo. Que tendências podemos nós ver neste momento? São só tendências, porque, digamos, tudo isto está aí. Nós estamos no meio do turbilhão. O que está aqui em causa são duas conceções da ordem internacional: uma conceção da ordem internacional que acha que ela deve ser baseada nos princípios do direito, no respeito pela integridade territorial dos Estados, baseados na Carta das Nações Unidas, baseadas na ordem do sistema multilateral. E como pressuposto, das democracias. Do outro lado, um princípio de ordenamento internacional de tipo imperial, que as grandes potências têm direito a impor às outras uma esfera de influência, na qual as outras não têm mais que uma soberania limitada. E, portanto, tendencialmente, regimes mais autoritários.

NSL: E qual é a lição a tirar deste conflito para a Europa? Rearmamento, autossuficiência?

NST: Sem dúvida. Ainda estamos no meio do conflito, mas é possível ver o que é que se entreabre no futuro, no que diz respeito à segurança na Europa. E o primeiro ponto é aquilo que falávamos há pouco. É que, ao contrário do que se pensava até agora, toda a arquitetura de segurança europeia mudará, e a arquitetura de segurança europeia terá que fazer-se sem a Rússia estar dentro. O que é que isto significa? Em primeiro lugar, manter e reforçar o vínculo transatlântico, ou seja, a aliança entre as democracias europeias e a democracia americana. Isso é absolutamente fundamental. E estou a falar no plano geral, no plano político, no plano económico, no plano das relações comerciais, a relação transatlântica deveria ser uma grande preocupação.

NSL: Eu percebo o ponto, mas a questão é que estamos a debater isto numa altura em que, até há uns meses se estava a falar da mudança de foco dos Estados Unidos para os riscos que representam outros atores internacionais, como por exemplo a China. Como tal, não deveria haver aí um esforço por parte da Europa de ter a sua própria lógica de segurança e defesa?

NST: Mas é precisamente por causa disso. Porque se os Estados Unidos estão a virar o seu foco de interesse estratégico para o Pacífico, a Ásia e a Europa, tem às suas portas um problema de segurança, como é a Rússia, vai continuar a precisar da relação transatlântica. É preciso que os europeus mantenham esse tipo de relação, para que o foco estratégico dos Estados Unidos não passe todo para o Pacífico e mantenham o interesse na zona europeia e Transatlântica. Essa é a primeira questão. Agora, como é que eu vejo a questão da organização, da segurança? Ficou muito claro que o instrumento militar, útil para a segurança europeia, num caso de conflito desta natureza, é a NATO. E, portanto, abre-se aqui uma oportunidade que os europeus não deviam perder. Porquê? Porque até agora temos sempre visto a segurança europeia, ou melhor, a defesa europeia, a autonomia estratégica europeia, como qualquer coisa que compete com a NATO. Nós europeus, sobretudo, a visão francesa, gaullista do presidente Macron, de que a Europa tem que ter completa autonomia em relação aos Estados Unidos. Aquilo que nós neste momento temos como oportunidade é a possibilidade de avançar no aprofundamento de uma defesa europeia que tenha autonomia estratégica, que possa ser operacional de uma forma autónoma, mas desenvolvida dentro da NATO.

NSL: Porque é que a Europa precisa da NATO e não pode seguir esse caminho da autonomia europeia?

 

NST: Porque o quadro de segurança, quando há uma ameaça como a ameaça russa, o quadro de segurança é um quadro atlântico. A Europa só, não tem capacidade para fazer a sua defesa e, portanto, o desenvolvimento dessa capacidade permite uma complementaridade, ou seja, permite usar os meios da NATO quando eles são necessários e permite não os usar quando eles não são necessários. Não é a questão de dizer ‘esta capacidade europeia é contra a NATO’ ou ‘esta capacidade europeia compete com os Estados Unidos’. Esta capacidade europeia é complementar em relação à NATO e à sua aliança com os Estados Unidos. Eu acho que politicamente esta oportunidade está aberta. Não sei se vamos aproveitá-la ou não, mas penso que é o caminho que poderia resolver dois problemas de uma só vez.

NSL: E para um país como Portugal, que está aqui na outra ponta da Europa. Que lições é que há a tirar do ponto de vista da defesa?

NST: Eu acho que Portugal se posicionou, neste contexto, no quadro daquilo que é a posição dos seus aliados europeus e transatlânticos e tem tido uma evolução muito positiva na sua posição relativamente à guerra da Ucrânia. No início parecia haver algumas hesitações - aliás como Macron e Scholz, como disse - mas hoje o Primeiro-Ministro já tomou uma posição extremamente clara na última cimeira europeia relativamente ao que é a posição de Portugal. Posição de abertura política para uma futura entrada da Ucrânia na União Europeia. E o Primeiro-Ministro foi muito claro. Foi ainda mais claro, na minha maneira de ver, quando disse que a Rússia não pode ganhar esta guerra. E quando disse que foi a Ucrânia que foi invadida, e é a Ucrânia, por isso mesmo, que tem que ditar as condições da paz. Agora eu acho que temos que ter em consideração as consequências que isso tem e as consequências que isto tem é tomar a sério o problema da segurança e da defesa em Portugal. Nós apresentamos há pouco tempo - um grupo que foi nomeado pelo Primeiro-Ministro e pelo Ministro da Defesa - para trabalhar um projeto de futuras grandes opções do conceito estratégico de Defesa Nacional já foi entregue, aliás, ao Governo. O Governo agora vai iniciar o seu processo legislativo. Mas uma das coisas que esse documento propõe, é justamente que se tome a sério esta questão da segurança e da defesa e que o país, procure, quer no plano do investimento, atingir os 2% do PIB, que, aliás, é um compromisso internacional que o país já assumiu, não é? E depois é preciso também dizer que a opinião pública em geral pensa que o investimento, as despesas militares, são pura e simplesmente despesa. Pode não ser e deve não ser. O caso americano: um quinto da despesa militar é investigação e desenvolvimento, é inovação tecnológica. Tem um retorno para a economia americana brutal. É isso que nós temos que fazer, e nós temos capacidade em Portugal para o fazer. Ou seja, nós não temos uma indústria de defesa comparável à alemã, ou à inglesa ou à francesa. Mas nós temos nichos tecnológicos de ponta que devem ser potenciados.

Deve haver uma relação cada vez mais estreita entre as Forças Armadas, os centros de investigação universitários, a indústria, para potenciar isso, porque a despesa ou o investimento que se fizer aí pode ter retorno económico. E deve ter.