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‘Política Com Palavra’ com Elza Pais

‘Política Com Palavra’ com Elza Pais


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“A Lei da Paridade precisa de aprofundamento e a alternância de género será inevitável”

 

No arranque do mês de março, e após a Convenção das Mulheres Socialistas, a presidente Elza Pais faz o balanço de 7 anos de governação. Elenca os avanços conseguidos e aponta os objetivos a atingir no âmbito da Agenda 2030. E reconhece que “o desafio das políticas de igualdade, nesta fase, é construir novas mentalidades”.

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Nuno Sá Lourenço: Bom-dia e bem-vindos a mais uma edição do podcast Política com Palavra. Esta semana temos connosco Elza Pais. Militante e dirigente socialista vai no seu terceiro mandato à frente das Mulheres Socialistas, que realizaram recentemente a sua Convenção. Elza Pais, muito obrigado por ter aceitado o nosso convite. Durante a Convenção fizeram um balanço O PS é Governo há sete anos, quais foram os principais resultados dessa governação para as políticas da igualdade?

Fotografias: José António Rodrigues / PS
 

Elza Pais: Nesses sete anos, aprofundámos significativamente as políticas de igualdade. A primeira marca: aprovámos uma série de leis humanistas contra o sofrimento humano, que já tínhamos aprovado na legislatura anterior. Já tínhamos iniciado esse projeto, em 2011, quando aprovámos o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas agora introduzimos novos avanços. Aprovámos a Lei da Adoção, que tinha ficado à margem do casamento, que não tinha sido aprovada na altura. Aprovámos a Lei da Identidade de Género contra o sofrimento humano. Portanto, para as pessoas poderem ser aquilo que efetivamente são. Não havia uma lei que as protegesse no reconhecimento da sua real identidade. Aprovámos essa lei em 2018 e aprovámos também uma série de novas leis, upgrades, à lei de 2006 da Procriação Medicamente Assistida. As mulheres não casadas e LGBTI ficavam fora, excluídas, do acesso à procriação medicamente assistida e hoje têm o acesso em pleno direito como qualquer mulher. Não há nenhuma mulher que seja excluída do acesso à procriação medicamente assistida, caso dela necessitem. Podemos assinalar aqui as leis contra a violência de género, contra a violência doméstica. Todas as leis desta área têm marca socialistas e nesta governação nós avançámos para a proteção das crianças de uma forma muito musculada, com a regulação urgente das responsabilidades parentais em situação de violência doméstica, em 2017 e agora, já, mesmo em 2021, antes da última Legislatura terminar, nós aprovámos o aprofundamento do Estatuto da Criança em situação de violência doméstica, o que permite o reforço da proteção das crianças. Claro que agora as leis de pouco servem se não forem aplicadas, essa é uma outra etapa. Mas se não existirem, também não podem ser aplicadas. Uma outra marca que nós deixámos foi o aprofundamento das Leis da Paridade. Nós tivemos em 2006, a aprovação da Lei da Paridade, também num governo socialista. E agora com o António Costa fizemos o aprofundamento da Lei da Paridade, do limiar de 33% para 40%. Queríamos ir mais longe, mas a conjuntura não o permitiu. Queríamos aprovar a alternância de género nos 2 primeiros lugares. Espero que seja agora nesta legislatura, porque já era uma norma que constava do projeto do Governo, que foi recusada, que não foi aprovada na Assembleia da República. O PCP não aprovou e a direita também não aprovou. De todo o modo, o PS tem essa recomendação para a constituição das listas, que foi seguida em 14 dos 18 distritos. Portanto, há aqui um caminho que se está internamente a percorrer. Mas a lei da paridade precisa de novos aprofundamentos. E essa alternância de género será um aprofundamento inevitável, porque temos um partido na Assembleia da República que em 12 deputados meteu apenas uma mulher, cumprindo a lei da paridade. Basta no primeiro e no segundo lugar, colocar sempre homens e esses lugares serem distribuídos por vários círculos para poder não integrar nenhuma mulher nos seus critérios, cumprindo a lei. A lei precisa de ser avaliada, como a própria lei diz. E depois precisa ainda de ser mais aprofundada, como o PS queria quando introduziu esta proposta, que veio a ser aprovada em 2019. Mas além destas leis, ainda neste terceiro bloco, na política, também foi aprovado o reforço do equilíbrio de género na tomada de decisão económica. Foi um avanço significativo. Andámos à frente da Europa, 33% de equilíbrio de género nos conselhos de administração das empresas cotadas em bolsa e nos conselhos de administração do sector empresarial do Estado. E depois, em 21, aprovámos também o equilíbrio de género nas direções da Administração Pública. Veio agora uma diretiva europeia que impõe, é obrigatório, vamos ter que a seguir, que os conselhos de administração tenham todos eles 33 nos órgãos executivos e 40 nos não executivos. A nossa lei, como não distinguia uns e outros, o que é que aconteceu na sua aplicação? As empresas cumpriram, mas mandaram as mulheres todas, para os não executivos. Agora, com o aprofundamento da lei - nós já tínhamos identificado essa lacuna - mas agora, por maioria de razão, com a transposição, vamos ter mesmo que rever e tentar colmatar essa falha. Portanto, são estes três grandes blocos em termos de lei. Depois temos outra área, muito significativa, em termos do mercado de trabalho. Avançámos imenso. O salário mínimo nacional aumentou 40%, está em 760 € e vai aumentar nesta legislatura, conforme o Programa do Governo. E este aumento beneficia, obviamente, as pessoas que têm salários mais baixos, que são, em marioia, as mulheres. Portanto, é uma medida que combate o desequilíbrio de género e também combate a desigualdade salarial. Mas também tivemos uma medida no campo do trabalho para combater a desigualdade salarial, que foi aprovada em 2018 e a nossa desigualdade salarial anda hoje nos 13.1, que é brutal, é inadmissível numa Europa dos direitos…

NSL: É muito diferente comparativamente com os outros países europeus?

 

 

EP: A média europeia é 13%. Nós estamos nos 13.1%. Agora, a média europeia é que está mal. Porque qualquer desigualdade salarial, perante pessoas que realizam trabalho igual é uma discriminização e uma injustiça.  Portanto, a nossa lei foi muito importante e já fez com que a nossa desigualdade salarial diminuísse de 14 para 13%, portanto, é um caminho que se está a fazer. Ainda assim, é insuficiente. Precisamos de continuar a supervisionar as empresas, ver os custos reputacionais que têm quando não aplicam a lei, um caminho também muito grande em termos de mercado de trabalho. Aprovámos recentemente, também, a licença exclusiva obrigatória do pai, que faz com que cada vez mais pais utilizem a licença de parentalidade. Isto é central para se conciliar a vida familiar, profissional e pessoal, quer dos homens, quer das mulheres.

NSL: Tem uma ideia de evolução da adesão?

EP: Sim, está na linha dos 70 e tal por cento. Antes de 2009, não chegava aos 30, portanto foi evoluindo. Nós queríamos mesmo que as licenças fossem partilhadas a 50%. Aliás, nós defendemos 50% em todas as áreas. E aqui acompanhamos a reivindicação da ONU. Neste momento, o Secretário-Geral é um português que também sempre se bateu, enquanto Primeiro-Ministro deste país, e agora como Secretário-Geral da ONU, pela Igualdade de Género, denunciando, por exemplo, que na pandemia, as pessoas que ficaram mais para trás foram as mulheres, que a violência doméstica foi a pandemia-sombra, com custos significativos para a vida das mulheres. E, portanto, a ONU, retomando o nosso raciocínio, defende a todos os níveis uma sociedade 50-50. Nós também. As Leis da Paridade só são boas quando chegarem mesmo aos patamares de 50-50. Ou por lei ou por cultura dos partidos. Nalguns contextos até já acontece. Por exemplo, nas eleições ao Parlamento Europeu, a nossa lista do Partido Socialista, já foi 50-50 e não precisámos de lei para fazer essa lista. Mas nós defendemos, no quadro do trabalho, que as licenças de parentalidade sejam partilhadas a 50%, com as tais semanas de recuperação biológica da mãe, pelo facto de ter tido uma criança. A partir daí, achamos que a partilha deve ser 50-50, para que depois os equilíbrios também se possam fazer nos termos da conciliação. Caso contrário, as conciliações prejudicam sempre as mulheres. Portanto, este é um dossier forte do mercado de trabalho. Mas há um outro dossiê que é o dossiê da garantia da infância, do combate à pobreza. A taxa de privação da privação diminuiu 6% nos últimos anos. É sinal que as nossas políticas sociais de apoio e de construção de um conjunto de medidas têm sido extraordinárias nestes sete anos. Portanto, estas medidas, quer a garantia da infância, agora com a gratuitidade da creche progressiva para todas as crianças, quer o reforço do abono de família, quer o reforço do abono de família, inclusivamente, para crianças de famílias estrangeiras, no sentido de dar um sinal de que somos um país com políticas amigáveis ao nível da imigração e precisamos dos fortes políticas de imigração para resolver, não só, mas também o desafio demográfico. E depois temos uma outra muito importante, que foi a aprovação de políticas de avanços na Lei da Nacionalidade. Aprovámos, pela primeira vez, o primeiro Plano contra o Racismo. Também temos a lei do clima. Portanto, há toda uma definição de políticas na linha dos temas, da não discriminação, dos temas da modernidade, das alterações climáticas, do combate às desigualdades digitais. O gap digital entre homens e mulheres é brutal. Há 83% de desigualdade entre a empregabilidade dos homens, que é de 83%, e das mulheres, que é de 17%!

NSL: No setor das novas tecnologias? 

EP: No setor das novas tecnologias. Há aí alguns projetos, o das Engenheiras Por Um Dia. Mas é preciso mais. É preciso reforçar a atração das mulheres para a formação. Obviamente, que se não estiverem formadas depois, também, não podem ter empregabilidade e é importante cativá-las para a formação, para depois terem empregabilidade. E se estiverem fora desta formação, estão fora do futuro. O PRR tem medidas positivas para as mulheres, nomeadamente, na formação que tem de ser 50% para homens e 50% para mulheres. E é preciso acompanhar estas medidas para ver se o gap vai diminuindo. Mas ainda assim é preciso reforçar esta área. É uma área que precisa de muitas medidas positivas. Outro marco significativo é a disseminação das nossas ações, no quadro do combate à homofobia, do combate ao racismo, do combate à violência doméstica e de género nos nossos territórios.

NSL: Na implementação destas medidas que elencou, qual é a importância de existir uma estrutura como as mulheres socialistas?

EP: Temos um diálogo permanente com as estruturas da direção do PS, onde estão muitos membros do Governo. Desde logo, o nosso Secretário-Geral e Primeiro-Ministro. Eu integro, por inerência, o Secretariado Nacional. Trabalhamos também tendo em vista a integração da perspetiva de género em todos os domínios da ação política e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Podemos ter aqui um papel decisivo no alcance da neutralidade carbónica em 2050 e no alcance, também em termos ambientais, dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio, porque passaram sete anos, mas temos ainda sete anos para cumprir. Ou seja, devemos promover a igualdade de género no combate às alterações climáticas. Devemos promover a igualdade de género no combate à pobreza. Ao reforçar o salário mínimo, ao reforçar os apoios à família, ao reforçar os abonos sociais da família, estamos também a combater a desigualdade de género. Há uma realidade que me preocupa muito e às MS, que são as famílias monoparentais. As famílias monoparentais estão mais expostas à situação de pobreza, estão mais expostas, também, à pobreza energética no quadro das políticas ambientais, porque têm menores rendimentos e se têm menores rendimentos, têm menos dinheiro para pagar a luz, para ter uma casa devidamente aquecida, para a compra de computadores que devem ser utilizados pelos membros da família. Às vezes nem um computador há porque não há dinheiro para o comprar. A pobreza energética, no caso das famílias monoparentais, preocupa-nos muito e as famílias monoparentais, de uma maneira geral, porque são as mais expostas a situações de pobreza, preocupa-nos muito, sendo que 85% das famílias monoparentais são constituídas pelas mulheres e seus filhos. Agora precisamos de sistematizar.

NSL: Essa medida, em concreto, o que é que propunha?

EP: Há muitas medidas. É o reforço, por exemplo, posso dizer na questão da habitação, que é outro tema quente, já estão referenciadas as famílias de violência doméstica para terem um acesso referenciado à habitação. As famílias monoparentais com carências, também devem ser referenciadas no acesso à habitação. Por outro lado, há medidas que já estão a ser aplicadas e deviam estar mais sistematizadas. E nós vamos fazer esse trabalho de sistematização das medidas existentes, às quais as famílias monoparentais podem ter acesso e identificar lacunas para construir novas políticas, se for caso disso, para apoiar estas famílias, reforçando assim o combate às desigualdades de género e as desigualdades sociais.

NSL: Já abordou esta questão, mas eu gostava de ouvir mais sobre a diferença que acha que pode existir entre um governo do PS ou um governo de direita. Acha que há mesmo uma diferença? 

EP: Brutal! Então, em termos de igualdade, basta ver o histórico dos nossos 50 anos de Democracia.

Todas as leis, todas as leis da igualdade de género foram aprovadas em Governos socialistas.

NSL: Mas as questões de género não deviam ser…

EP: Transversais, sim, indiscutivelmente. Mas quem mais tem promovido a igualdade de género no nosso país são os governos socialistas. Quando os governos não estão no governo - também não há um retrocesso - depois há um acompanhamento dos governos de direita. Acompanham, mas não impulsionam. Então, se formos para a área da não discriminação, não só não impulsionam, não só não acompanham, como votam contra os projetos que nós aprovamos. Portanto, aí a diferença é brutal. Na questão do equilíbrio, homens e mulheres vão apoiando. Agora nas áreas da não discriminação das políticas LGBTI, da procriação medicamente assistida. Aí é um desastre.

NSL: E que avaliação faz da recente reformulação da direita, que se explanou no Parlamento, com o surgimento de duas novas forças políticas à direita?

 

 

Eu acho que se instalou um populismo grande na sociedade portuguesa com a entrada de um partido não-democrático para o leque da Assembleia da República e que obviamente dificulta o avanço e a discussão de determinadas áreas.

 

EP: Porque combater o populismo exige um discurso muito equilibrado do ponto de vista da apresentação dos factos e combate forte às políticas que promovem, de xenofobia, de racismo, de sexismo. Neste momento, o facto de existir uma força com este número de deputados exige também, por parte dos partidos democráticos, uma argumentação e fundamentação objetiva e muito pormenorizada, que até se podia dispensar numa conversa de maior construção, porque é um adquirido já de todos os partidos que estão neste leque democrático da Assembleia da República. Ou seja, perde-se tempo com matérias que podiam avançar muito mais rapidamente.

NSL: Olhando para o futuro, na Convenção também apontaram sete objetivos, sete marcas para o futuro, que eu suponho que estejam alinhados com a Agenda 2030. Quais destacaria como as mais prioritárias?

EP: Desde logo, a questão da territorialização. Nós precisamos de chegar aos territórios. Nós temos extraordinárias políticas, é sempre preciso apurar. Mas temos um quadro legislativo muito bom e precisamos de o executar e precisamos de mudar mentalidades. Neste momento, o desafio das políticas de igualdade nesta fase é construir novas mentalidades, para que não haja impedimentos à aplicação da lei. No caso de violência doméstica é brutal e precisamos de mudar mesmo o enfoque. É preciso, de facto, levar as políticas para a coesão territorial e de sustentabilidade do interior. Hoje há muitas autarquias com planos para a igualdade, mas ainda não são as 308. E quem diz planos para a igualdade, diz planos para a diversidade, a atração de refugiados para o interior. Aqui o papel das autarquias é decisivo. A questão do combate às desigualdades digitais, que já tínhamos identificado. Mas identificado não é combatido, apesar de o PRR ter alguns programas para combater, precisamos de reforçar, acompanhar e não desarmar, e com metas. Nós devemos ter metas para que este gap digital entre homens e mulheres diminuísse x em x anos.

NSL: E como é que propõem fazer isso?

EP: Temos que continuar a conversar com os membros do Governo que têm estas áreas para que eles nos digam em que medida é que suas medidas podem alcançar este objetivo. Da diminuição da desigualdade de género entre homens e mulheres, que é brutal, porque se as mulheres não apanharem este comboio ficam fora do caminho do futuro. Não podemos ter aqui uma iliteracia digital como já tivemos um analfabetismo que atingia mais as mulheres. Não podemos agora, em pleno século XXI, com uma democracia a funcionar em pleno, deixar que surja uma nova discriminação para uma iliteracia digital das mulheres. No momento em que estamos a comemorar os 50 anos do Partido e vamos comemorar os 50 anos de abril para o ano e as comemorações vão ser conjuntas. No próximo dia 8 de março, vamos ter uma homenagem às mulheres fundadoras do partido, às mulheres da Constituinte, as mulheres que integraram o primeiro Governo, que foram as primeiras presidentes autárquicas que estiveram na origem desta estrutura, que muito lutaram, mulheres ferozes, com o caminho que nos faz ser hoje, com um legado extraordinário, que nós temos que agradecer todos os dias a estas mulheres que lutaram em momentos ainda mais difíceis do que este, para afirmar a igualdade não só nas políticas públicas, mas também no interior do nosso Partido.