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A indústria 4.0 vai atingir 50 mil empresas em quatro anos

A indústria 4.0 vai atingir 50 mil empresas em quatro anos

O plano de investimentos na indústria 4.0 tem 60 medidas estratégicas. Algumas são antecipadas nesta entrevista ao secretário de Estado da Indústria.

Na próxima segunda-feira vai anunciar a estratégia do governo para a indústria 4.0, a 4.ª revolução industrial. Definiu três objetivos: atrair investidores, digitalização da economia e conhecimento. Estes objetivos não têm sido inconsequentes?

Têm tido muita consequência, Portugal há muitos anos que aposta nesses setores e tem tido frutos. Temos muitos casos desses e é isso que tem viabilizado os investimentos em empresas sofisticadas, como os cem milhões de investimento da Bosch em Portugal em sofisticação e desenvolvimento. É isso que também tem permitido aos setores tradicionais sobreviverem. Quando temos hoje o segundo par de sapatos mais caro do mundo é graças a muita inovação, ciência e conhecimento, traduzido em tecnologias, marketing, design e comunicação, que foram introduzidos nas fábricas, que passaram de 300 funcionários para 30 funcionários mais formados e especializados. Esta revolução é uma junção de várias tecnologias. A primeira revolução é a introdução da máquina a vapor; a segunda é a da energia elétrica; a terceira é a automatização e agora a quarta junta tecnologias com o digital, o que está a alterar setores inteiros. Veja-se o turismo, em que o digital mudou tudo.

Nas fábricas também está a acontecer, e no futuro mais ainda. Não só na maneira como se produz, mas na loja, logística e cliente final. Queremos criar esta discussão, fazer perceber que isto vai acontecer e ter a discussão antes de as coisas acontecerem. Começou em abril: pela primeira vez, tivemos várias multinacionais que se juntaram ao governo para fazer uma estratégia para a indústria (VW, Bosch, Altice, Siemens, etc.). Criámos quatro grupos de trabalho: um para o setor automóvel, que inclui fabricantes como a VW, a PSA, a Mitsubishi, mas também os fornecedores de moldes, plásticos e têxteis, em que discutimos os impactos sobre a tecnologia dentro das fábricas, como a robótica inteligente ou plataformas de relacionamento com os fornecedores.

Foi uma discussão técnica mas das mais avançadas, porque este setor, que já percebeu que isto é incontornável e trabalha para o mundo todo, está a par das tecnologias mais atuais. Tivemos um debate interessante no retalho com a Sonae, a La Redoute, a Farfetch. E em todos os grupos tivemos grandes empresas, médias e startups e a discussão foi muito ágil. A importância do digital não é só nas vendas online. São as pessoas que antes de irem à loja já pesquisaram previamente, e tem de se preparar as empresas portuguesas. O debate do turismo foi o mais avançado, porque é provavelmente o setor da economia mundial em que o digital está mais avançado e alterou mais modelos de negócio.

Para essas empresas que já têm esse modelo avançado, o que é que a política do 4.0 pode trazer de novo? Como vai ajudá-las?

A novidade é haver um país, um governo e um tecido empresarial que se interessam por isto e trazer as universidades e a administração pública para isto. Foram mais de 200 empresas a fazer esta estratégia connosco e é adaptada à realidade, ao ponto em que a nossa indústria se encontra: não podemos ir ao 4.0 sem resolver o 2.0. Vamos ter de colocar fábricas com dez funcionários no comércio eletrónico, e colocar a fábrica em contacto direto com o cliente final. Esta fábrica vai precisar de melhorar qualificações e contratar, o próprio empresário vai ter de se formar para a fábrica sobreviver daqui a dez anos.

E não vão ter de despedir?

Isto é uma revolução tecnológica para uma economia já digital, não é uma estratégia digital. Até poderia dizer que esta é uma revolução de pessoas e de competências: o segredo são as competências que cada um terá, tanto o operário como o diretor e o empresário. E é de acordo com o nível de competências que conseguirmos adaptar nas próximas gerações que nos vamos posicionar nesta revolução.

Quem não se adaptar…

Como em tudo na vida. A grande novidade aqui é algo de que se tem vindo a falar e não se tem feito tanto. Não é só nos conteúdos das escolas ou do ensino superior, aí estão a fazer o seu trabalho. Não podemos é esquecer-nos de todas as faixas da sociedade que não acompanharam estas tecnologias. Como é que se transformam trabalhadores do passado em trabalhadores do futuro? Em Davos, as re-skills e upskills foram o grande tema: é a requalificação e o aumento de qualificações de quem está a trabalhar. Temos de nos focar na população ativa. Não posso permitir que se substitua alguém porque não sabe trabalhar com uma nova máquina. Não. Essa pessoa vai ser formada.

Dos investimentos do 4.0, haverá uma parte para formação?

É o maior investimento, nosso e dos privados. Temos as associações empresariais a fazer isso connosco, as escolas profissionais privadas e públicas a querer fazer isso, como há casos que já existem. Por exemplo, a ATEC, cujos sócios são a Bosch, a VW e a Siemens, formaram já quatro mil pessoas, porque têm necessidade para as fábricas. Mas temos de fazer isto para o calçado, o têxtil e moldes. E isto é possível. Tudo isto não é só para os colaboradores, é também para o empresário. Há uma estatística muito clara, que é a dos robôs: um estudo recente da federação mundial de robôs mostra que, em média, na Europa, por cada dez mil operários há 85 robôs; só em Espanha, por cada dez mil operários, há 140 robôs e em Portugal há 45 robôs por cada dez mil operários. O nosso tecido empresarial não é tão diferente do espanhol, a diferença está no custo da mão-de-obra. As qualificações são, de longe, a maior prioridade.

Quantas pessoas serão abrangidas por estas formações e qual o investimento deste plano?

Prevemos cerca de dois mil milhões de euros no total do investimento, grande parte nestas áreas, na aquisição e formação destas tecnologias. Cerca de metade feito por privados e outra metade de fundos públicos – essencialmente o Portugal 2020. É um trabalho que estamos a preparar com o IEFP e com o Ministério da Educação, mas também com as escolas profissionais e associações empresariais.

Uma estimativa de quantas empresas podem ser abrangidas?

A vontade é de tocar diretamente em 50 mil empresas nos próximos quatro anos.

E isso traduz-se em quantos trabalhadores abrangidos?

Seria pouco sério avançar com um número assim, porque depende dos setores. Temos planos de formação a ser preparados. Há algo que temos de perceber: na indústria, a contratação de engenheiros até se tem conseguido fazer, mas a maior dificuldade é encontrar quadros intermédios. É aí que temos de reforçar. O foco desta estratégia é a população ativa, qualificar quem está a trabalhar. Neste caso é para a indústria, mas o desafio é o mesmo para a administração pública. Os desafios que o Estado tem na administração pública são os mesmos das empresas. Colocar serviços online e não ter ninguém para os operar não funciona.

Como é que as empresas se podem candidatar a estes fundos? Que critérios estão definidos?

Há avisos do 2020 publicados através do IAPMEI e do Compete. Vamos apresentar esta estratégia na segunda-feira e muitas destas coisas são para quatro anos.

Ainda não disse que outras medidas vai apresentar…

São várias. Pela primeira vez, há medidas que são do governo e medidas dos privados. Algumas dos privados são prioritárias para Portugal. Temos um exemplo muito conhecido, que é o investimento da Bosch em Braga e Aveiro que, para desenvolver produtos 4.0, vai criar um departamento de 4.0 mundial em Portugal, com a Universidade de Braga, nos polos de Guimarães e Aveiro para desenvolver soluções inteligentes de ótica para casa e de controlo de eficiência energética. São 19 milhões de euros de investimento com a criação de 150 postos de trabalho em Aveiro e são 55 milhões na segunda fase, em Braga. Na primeira fase já foram 22 milhões. São quase cem milhões nesta área e isso coloca Portugal na fronteira do desenvolvimento de produtos e engenharia em termos mundiais.

Temos um projeto muito ambicioso de 12 milhões da PSA de Mangualde, uma fábrica antiga, limitada e em ambiente urbano, mas muito eficiente e uma das mais produtivas do grupo, e ao pé de nós, em Vigo, existe a maior fábrica da PSA da Europa, a segunda maior fábrica automóvel da Europa. A nossa sobrevive porque consegue níveis de produtividade e flexibilidade de modelos e pequenas produções que uma grande fábrica não consegue. Eles decidiram fazer um grande investimento na indústria 4.0, que também é isso: quando se automatiza algo, tudo o que é diferente e único passa a ter mais valor. A PSA Mangualde vai especializar-se a fazer pequenas séries de pequenos veículos e isso é através de tecnologia dita 4.0, de robótica, etc.

A maior parte dos fornecedores desses 12 milhões de euros são empresas portuguesas, e aqui também vai haver muitas medidas para criar em Portugal este cluster de fornecedores. Outro muito interessante é o projeto do CEiiA, que nos veio propor fazer um grande centro de desenvolvimento de indústria 4.0 que inclui uma incubadora de empresas e um espaço de prototipagem de hardware e software em parceria com outras empresas. E um projeto muito importante em que fomos abordados pela APICAPS e a própria associação no calçado com o desenvolvimento de tecnologias para as fábricas, colocando-as em contacto com o cliente final, com as lojas. Temos um projeto muito ambicioso com a associação de comércio eletrónico em Portugal.

In Dinheiro Vivo

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