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Vasco Cordeiro ao podcast ‘Política com Palavra’: “O governo dos Açores é um governo faz de conta”

Vasco Cordeiro ao podcast ‘Política com Palavra’: “O governo dos Açores é um governo faz de conta”

Vasco Cordeiro, presidente do Partido Socialista nos Açores, assume em ‘Política com Palavra’ os objetivos para as próximas eleições autárquicas. Ao mesmo tempo ajuda-nos a perceber as mudanças trazidas para a Região por um governo de direita que é sustentado pelo Chega.

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Vasco Cordeiro

Vasco Cordeiro, presidente do Partido Socialista nos Açores, assume em ‘Política com Palavra’ os objetivos para as próximas eleições autárquicas. Ao mesmo tempo ajuda-nos a perceber as mudanças trazidas para a Região por um governo de direita que é sustentado pelo Chega. Uma entrevista clara onde fala abertamente sobre o perigo de contaminação da extrema-direita, sobre a responsabilidade de José Manuel Bolieiro, sobre a coligação de interesses que sustenta o governo dos Açores, o PRR, a diminuição de impostos e o previsível ataque aos apoios sociais.

Luís Osório – Começamos pelas autárquicas. Qual o objetivo do Partido Socialista para as eleições nos Açores?

Vasco Cordeiro – O objetivo do PS Açores nestas eleições autárquicas é o de ter mais votos e mandatos do que o segundo partido mais votado. É o objetivo que temos definido para todas as eleições, cada eleição vale por si e é com esse ânimo que nos apresentamos. Conheço o processo que está a decorrer ao nível das estruturas locais por todas as ilhas dos Açores e temos candidatos de grande qualidade, os que permanecem e os que vêm de novo.

LO – Qual o peso da renovação?

VC – Temos neste momento 12 câmaras em 19. É um pressuposto que impede uma renovação profunda, ninguém entenderia que os presidentes em exercício, e com provas dadas, não fossem reconduzidos. O nosso sucesso implica que a renovação entre os cabeças de lista seja mais contida. Temos renovações na ilha de Santa Maria, aqui na ilha de São Miguel temos novos candidatos no Nordeste, em Ponta Delgada e na Ribeira Grande. No Pico temos duas renovações e por aí adiante.

LO – Não posso deixar de lhe dizer que os seus objetivos são modestos tendo em conta o resultado esmagador das últimas autárquicas.

VC – Prefiro falar em resultado expressivo do que em resultado esmagador.

LO – Muito bem, expressivo. O seu objetivo não é modesto tendo em conta o diferencial que existe?

VC – Não concordo, deixe-me esclarecer essa sua dúvida. O objetivo não é modesto. O objetivo foi sempre este, em todas as eleições em que participei, desde 2013, a vitória mediu-se sempre por aí: ter mais votos e mandatos do que o nosso direto adversário. Não há nenhum recuo de ambição, antes pelo contrário.

LO – Gostava que me fizesse um balanço do que aconteceu no último ano nos Açores. Como tem visto a ação política do governo liderado por José Manuel Bolieiro?

VC – Vejo a governação dos Açores com grande preocupação. É um governo faz de conta. Faz de conta que antes das eleições estes partidos afirmaram que existia a possibilidade de se unirem para formar governo; faz de conta que até venceram as eleições; faz de conta que até se entendem uns com os outros; faz de conta que têm um projeto para os Açores. É tudo mentira. E esse faz de conta começa a ser visível para todos os açorianos. Podíamos discordar do porto a que o governo nos está a conduzir, discordar do rumo, mas o problema é que este governo regional não tem rumo. Muitas medidas que têm sido tomadas correspondem mais à necessidade da sua sobrevivência do que ao futuro dos Açores.

LO – Como por exemplo?

VC – Como o caso da redução dos impostos e outras ideias visíveis que se esfumam no momento em que são apresentadas. O problema não é reduzir os impostos, isso é agradável para toda a gente. O problema é o que vem depois. Se este governo regional tivesse uma estratégia em que a redução de impostos – na margem garantida pela Lei de Finanças Regionais – correspondesse a uma contenção das despesas, mas não. Baixam os impostos, cortam a receita e vão pedir dinheiro emprestado.

LO – Na discussão sobre a proposta de Orçamento aprovada pela coligação governamental, o senhor mostrou uma enorme preocupação com o futuro dos Açores. Presumo que estivesse a pensar nas consequências do que me acaba de dizer.

VC – A minha preocupação deriva também daqui, claro que sim. Não é sustentável para uma região – ou para qualquer organismo – cortarmos a receita e irmos pedir dinheiro emprestado para fazer face às despesas. Isso não resulta em lado nenhum. A isso soma-se a ausência de um projeto estruturado. Se há um partido da coligação a gritar “ai” lá vem o governo acudir aquele “ai”. É muito complicado. E ainda mais complicado se tornará com o dinheiro que chega do PRR, um volume de recursos que têm determinadas regras e a ausência de sentido preocupa-me bastante.

LO – Receia que a necessidade de acudir às clientelas poderá pôr em causa os investimentos estruturais que poderiam ser feitos com o PRR?

VC – Perfeitamente. Não será possível gastar as verbas do PRR no que se entende, mas o que me preocupa é que a falta de concretização deste governo possa ter como consequência a perda de fundos que nos estão destinados. Isso seria dramático. O governo regional em oito meses de mandato não tem feito nada para desmentir esta ideia, tem tido comportamentos que a reforçam.

LO – Quando José Manuel Bolieiro assume o poder fá-lo com o apoio do Chega que exigiu um corte profundo nos apoios sociais. Já se sente esse corte?

VC – Ainda não, pelo contrário. Tem crescido o número de beneficiários na região, mas à primeira oportunidade acontecerá o corte de apoios sociais. Criticaram-me por eu não ter uma atitude vigilante, mas eu sempre acreditei convictamente que os abusos têm de ser combatidos sem qualquer hesitação. O problema é que a apreciação crítica que se faz, e que reconheço cativa alguma opinião pública, passa por dar cabo do Rendimento Social de Inserção com a ideia de que todas as pessoas que dele beneficiam poderiam estar a fazer outras coisas, é um pressuposto totalmente errado, não é verdade. Os números nos Açores provam o contrário, provam que o RSI tem características específicas: mais de 30 por cento dos beneficiários tem menos de 18 anos e a prestação média do RSI é a mais baixa do país, funciona mais como complemento de agregado familiar e não tanto como subsídio.

LO – Não tem então nenhuma dúvida que as ameaças de cortes irão ser levadas à prática.

VC – Assim que houver oportunidade o corte do RSI acabará por acontecer. Isso até pode não corresponder ao pensamento do PSD dos Açores, mas é uma questão de sobrevivência política, sem isso acontecer o governo cairá por intervenção do Chega. São rapazes para isso e para muito mais.

LO – Como tem assistido a este fenómeno do Chega?

VC – Seis meses antes das eleições regionais o atual líder do Chega nos Açores era vereador do PSD numa câmara em São Miguel. E acontece com outros elementos. Uma verdadeira transumância política entre o PSD e o Chega. Isso explica um pouco esta predisposição para o entendimento entre os dois partidos, embora o cimento de união seja a fome de poder, a fome de poder e a vontade de afastar o PS.

LO – Acha que os Açores são fundamentais par a estratégia do Chega?

VC – O líder nacional do Chega já veio várias vezes aos Açores fazer ameaças, mas as pessoas já se aperceberam que não está nada preocupado com os Açores, necessita apenas deste episódio para ter ganhos políticos na sua relação com o PSD nacional. Os Açores são um brinquedo para o Chega e para André Ventura.

LO – Mas há um responsável político? Rui Rio tem sido atacado…

VC – Mas foi José Manuel Bolieiro o grande responsável por abrir a porta do poder ao Chega. Antes das eleições ele dizia que não havia hipóteses de entendimento, dizia que os extremos e fanatismos não se adequavam. Aliás, qualquer um dos partidos da coligação governamental disse do Chega o que não se diz das pedras mais negras da calçada. Só houve um objetivo, tomar de assalto o poder e afastar o Partido Socialista.

LO – Esperava que o fizesse? Esperava que fosse ele a abrir a possibilidade de o Chega poder ser parte de um projeto de poder?

VC – Devo confessar que o Dr. José Manuel Bolieiro não me surpreendeu. Ele diz ser de consensos e humilde, mas são eufemismos para a incapacidade de se afirmar e para respeitar princípios que na democracia deveriam ser inegociáveis. O PSD nos Açores, tal como o PS, é um partido paladino da autonomia e tive a esperança que ele resistisse às pressões, mas não teve a capacidade de resistir e fica associado a um episódio negro na nossa história.

LO – Acha que as consequências deste episódio podem contaminar o país? Contaminar a possibilidade de nas próximas legislativas se poder repetir o que aconteceu nas eleições regionais nos Açores?

VC – Não ponho de parte a hipótese de que aquilo que aconteceu nos Açores possa acontecer nas legislativas. Está mais perto de acontecer do que nunca. Curiosamente pelos mesmos motivos. O Dr. Rui Rio, apesar de toda a bravata de linguagem, tem sido incapaz de traçar uma linha que torne clara a questão da proximidade do Chega ao poder. A nível nacional vamos pelo mesmo caminho. Vamos lá a ver. É necessário que haja clareza nos propósitos e nos limites que têm de ser estabelecidos. Fronteiras que foram estabelecidas por todos os partidos, o que aconteceu foi uma traição a esses princípios. Alguém imagina um governo dependente de André Ventura? Se calhar é possível imaginar, mas é demasiadamente dramático.

LO – O que falhou nas últimas regionais? O PS, apesar de ter ganho claramente as eleições, perdeu muitos votos de 2017 para 2020.

VC – Foram vários os fatores que levaram o PS a perder votos, apesar de termos tido uma vitória clara. São 24 anos de poder e isso pesou. E é importante reconhecer que houve erros e omissões. Concentrámo-nos numa perspetiva macro e não esteve tão presente a noção de que a região não é abstrata, a região faz-se de pessoas. Explicar melhor as coisas. Julgo que nesse aspeto poderíamos ter feito melhor. Também havia uma perceção muito forte de que iríamos ganhar mais claramente, julgo que essa perceção levou a que a votação nos pequenos partidos fosse maior do que era expetável. Tudo isto terá contribuído.

LO – Acabo com as alterações climáticas, um tema que lhe é caro e é importante para os açorianos. Pode existir um desinvestimento numa política que proteja os Açores em relação às consequências das alterações climáticas?

VC – Traz-me preocupado porque estamos na mesma situação dos outros setores. Houve iniciativas que foram tomadas – uma aposta em relação à descarbonização, por exemplo. Mas o que seria fundamental é que essa visão global deveria estar mais presente e não está. É mais um sintoma da ausência de sentido estratégico, de futuro.

LO – Pergunto também por causa do negacionismo que está muito ligado ao Chega.

VC – Ora aí está.

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