Pandemia e desigualdades: “Uma crise com rosto de mulher”
No seu artigo de opinião, publicado esta segunda-feira, a propósito do Dia Internacional da Mulher que se assinala hoje, dia 8 de março, António Guterres alerta, mais uma vez, para o facto da crise provocada pela pandemia de Covid-19 estar a ter mais impactos negativos nas mulheres, a agravar as desigualdades de género e a aumentar a exposição das mulheres às situações de risco.
As mulheres “têm maior probabilidade de trabalhar nos setores mais afetados”, refere o antigo secretário-geral socialista, acrescentando que “a maioria dos trabalhadores de serviços essenciais, na linha da frente do combate à pandemia, são mulheres — muitas delas oriundas de grupos racialmente e etnicamente marginalizados e com baixos níveis de rendimento”, salienta António Guterres.
No domínio económico, o líder das Nações Unidas, recorda que as mulheres são “24% mais vulneráveis à perda de emprego” e “sofrem quedas mais acentuadas de rendimentos”, além de que “as disparidades salariais entre homens e mulheres, já elevadas, aumentaram, inclusive no setor da saúde”.
“A prestação de cuidados não renumerada aumentou drasticamente devido a medidas de confinamento e ao fecho de escolas e creches. Milhões de meninas poderão nunca mais voltar à escola”, escreve o antigo primeiro-ministro português, sublinhando ainda que as mães, em particular as mães solteiras, “enfrentam sérias adversidades e sentem elevados níveis de ansiedade”.
O secretário-geral da ONU salientou, ainda, que “as organizações femininas preencheram lacunas cruciais no fornecimento de serviços e informações essenciais, especialmente ao nível comunitário”.
António Guterres considera que a pandemia está a provocar uma escalada de casos de violência doméstica, tráfico humano, exploração sexual e casamento infantil, o que resulta em “uma epidemia global paralela de violência contra as mulheres em todo o mundo”.
É urgente e necessário “um novo estímulo à promoção da liderança feminina e da participação igualitária”, defende António Guterres, visto que as mulheres já demonstraram boa capacidade de liderança e governação, quer no contexto da resposta à Covid-19, quer em matéria de investimento nas áreas sociais e no combate às alterações climáticas.
“Quando as mulheres estão no Parlamento, os países adotam políticas mais eficazes de combate às alterações climáticas. Quando as mulheres negoceiam a paz, os acordos são mais duradouros”. Porém, apontou Guterres, a nível global, as mulheres representam apenas um quarto dos legisladores nacionais, um terço dos autarcas e apenas um quinto dos ministros.
“A este ritmo, a igualdade de género não será alcançada nos sistemas políticos nacionais antes de 2063. A paridade entre chefes de Estado levará mais de um século”, referiu o líder da ONU, destacando que, sob a sua tutela, a organização possui “igualdade de género nas posições de liderança”.
Para António Guterres, o processo de recuperação da pandemia é a “oportunidade de traçar um novo caminho mais igualitário”, onde as ajudas à recuperação “deverão ser especialmente direcionadas a meninas e mulheres, inclusive por meio de investimentos em infraestruturas associadas à prestação de cuidados”.
“A economia formal só funciona porque é subsidiada pelo trabalho feminino não remunerado”, lembrou Guterres, lançando um apelo para que os líderes mundiais atuem em áreas estruturais, tais como: a representação igualitária, por meio de quotas e outras medidas especiais, o investimento na economia da prestação de cuidados e na proteção social, a redefinição do produto interno bruto de forma a incluir o trabalho doméstico, bem como a remoção de barreiras à inclusão plena das mulheres na economia.
António Guterres defendeu, igualmente, a revogação das leis discriminatórias em todas as esferas e a promulgação, em cada país, de um plano de emergência de combate à violência contra mulheres e meninas, com o respetivo financiamento que traduza uma “vontade política para acabar com este flagelo”.
O secretário-geral das Nações Unidas considera essencial que ocorra uma mudança de mentalidade, que se registe um aumento da consciencialização pública e, simultaneamente, que se acabe com “o preconceito sistémico de género”.
“O mundo tem a oportunidade de deixar para trás gerações de discriminação enraizada e sistémica. É hora de construir um futuro igualitário”, concluiu António Guterres.