Opinião: Um Orçamento com Saúde
(artigo escrito para o jornal Público)
Aproxima-se um novo Orçamento para a Saúde e com ele um novo ciclo de esperança e possibilidades. Como é expectável, dos mais diferentes quadrantes surgirão previsões de números, todos eles suportados em necessidades mais ou menos fundamentadas e de acordo com as prioridades que cada um, ou cada grupo de interesses, entende serem as mais justificadas, oportunas ou úteis.
E os portugueses? Quais as suas reais prioridades? O capital de confiança que este Governo estabeleceu com os portugueses de manter a saúde das finanças públicas e promover o crescimento económico leva a que seja simples de entender a mais elementar das equações: só com economia forte e finanças públicas saudáveis poderemos ter uma Saúde Pública com melhor qualidade, mais sustentável e com maior justiça social.
Para tal é necessária uma estratégia orçamental sustentável do ponto de vista económico e financeiro, uma vez que está em causa assegurar o nosso futuro coletivo, não só para o próximo Orçamento, mas também para os anos seguintes. E importa, sobretudo, perceber se as prioridades definidas, para além de terem enquadramento nos meios e objetivos orçamentais, satisfazem adequadamente as necessidades dos cidadãos e concretizam as metas de justiça social, que têm de estar sempre presentes, sejam quais forem os ciclos económicos.
Ao olharmos para o período entre 2011 e 2015 verificamos que os 12 Orçamentos praticados (quatro primários e oito retificativos) não respondiam a nenhuma destas questões e ainda estamos a pagar por isso. Na realidade, no anterior ciclo, a estratégia orçamental limitou-se a reduzir recursos de forma cega e substancial e, por isso, o Serviço Nacional de Saúde (SNS), que foi o paradigma expressivo dessa política, definhou e fragilizou-se.
Para nós, para o atual Governo, o Orçamento é um instrumento de execução de políticas públicas que, sem perder de vista condicionalismos e objetivos orçamentais, integra um forte e decisivo compromisso de promover políticas de qualidade orientadas para assegurar a satisfação das necessidades dos cidadãos e a justiça social. Para nós, despesa em Saúde significa investimento em benefício dos cidadãos e da coesão social
Por estas razões e dada a situação desfavorável recebida, o atual ciclo político encetou, desde 2015, uma estratégia de recuperação do SNS, em que se destaca o aumento sucessivo da dotação orçamental, o reforço do capital humano, o desbloqueamento da inovação terapêutica, a ativação do investimento em centros de saúde e hospitais e, ainda, a melhoria do acesso a pessoas de grupos sociais menos favorecidos ou mais débeis em estado de saúde.
Em função do caminho trilhado nos últimos três anos – nas finanças públicas, na economia e no SNS –, há agora condições para, no novo ciclo orçamental, evoluir da estratégia de recuperação (centrada na correção dos principais problemas e carências encontrados no final de 2015) para um degrau mais ambicioso da política de Saúde, através da definição e execução de uma estratégia de desenvolvimento da Saúde e do SNS que permita, de forma progressiva, reforçar e inovar nas condições necessárias ao seu funcionamento atual e prospetivo.
Todos sabemos que as políticas de Saúde e, em particular, o SNS, estão fortemente dependentes do Orçamento do Estado, da sua capacidade para prever e disponibilizar os recursos financeiros necessários ao seu desempenho em benefício dos cidadãos. Tal significa que a estratégia orçamental não deve ser indiferente às necessidades da Saúde e do SNS.
Neste contexto, os momentos de (re)definição da estratégia orçamental – como é o caso dos momentos de elaboração, discussão e aprovação do Orçamento do Estado, bem como dos Planos de Estabilidade e dos Programas Nacionais de Reformas – são oportunidades para ponderar e debater a revisão e atualização das estratégias sectoriais, como é o caso da Saúde.
A nosso ver, há condições e justifica-se iniciar a partir do Orçamento de 2019, com bom senso, rigor e de modo evolutivo, uma estratégia mais ambiciosa de desenvolvimento da Saúde.
Mas, na aplicação desta estratégia, devemos, em primeiro lugar, ser claros quanto aos objetivos principais pretendidos. E essas metas, para nós, são claras. Queremos tornar o SNS mais capacitado para satisfazer as necessidades dos cidadãos, através de mais oferta de cuidados, mais proximidade, melhor qualidade, mais acessibilidade e menos custos diretos especialmente para os cidadãos mais desfavorecidos ou com maior carga de doença crónica. Este quadro de objetivos para a estratégia de desenvolvimento do SNS, e da estratégia orçamental subjacente, impõe que os recursos financeiros públicos adicionais que o Orçamento do Estado terá que canalizar para o SNS não poderão ser disputados ou absorvidos por interesses particulares ou de grupo, ainda que legítimos; isto significa inadmissibilidade de práticas ou políticas que impliquem inflação de preços ou de remunerações de fatores produtivos ou de prestações de serviços e fornecimento de bens ao SNS, bem como a realização de investimentos com baixa rentabilidade social ou redundantes, mas sem prejuízo da promoção de incentivos de melhoria, desde logo, da qualidade, da eficiência e da equidade.
Em segundo lugar, num setor suborçamentado há décadas, importa não perder a lucidez para perceber e fazer perceber que a decomposição da despesa do SNS terá que ser rigorosa e prudente, evitando expectativas muitas vezes otimistas de redução ou contenção, sem efeitos secundários, das suas principais rubricas, como as despesas com pessoal e os consumos intermédios (bens e serviços), pois elas representam o músculo do sistema. É útil lembrar que cerca de 70% destes consumos da Administração Central são feitos na área da Saúde, pelo que reduções nestas rubricas, mesmo não drásticas, poderão comprometer a qualidade do serviço prestado no SNS.
Em terceiro lugar, como uma das preocupações deste Governo em matéria de estratégia orçamental na área da Saúde tem sido e será o nível da dívida com pagamentos em atraso a fornecedores, desde logo os relativos à aquisição de medicamentos e dispositivos médicos, é indispensável atuar nos fatores condicionadores da persistência desta indesejável situação, mediante revisão dos mecanismos orçamentais, de financiamento e de controlo de gestão.
Em quarto lugar, os recorrentes aumentos de capital dos hospitais ou a regularização extraordinária das dívidas das instituições do SNS, utilizados há décadas pelos diferentes governos para pagamento de dívida, têm-se revelado soluções de curto prazo e pouco efetivas na sustentabilidade demonstrada, pelo que devem ser substituídas por soluções estruturais.
Em quinto lugar, este Governo, em colaboração com a indústria farmacêutica, tem feito um esforço no sentido de gerir ineficiências que se traduzem, por exemplo, no alargamento da cota de genéricos e na possibilidade de gerir fluxos financeiros, permitindo reduzir despesa e manter o mesmo nível de acesso ao medicamento. É fundamental que se mantenham ou melhorem estes processos e os ganhos resultantes.
Finalmente, mas não em último lugar, é necessário perceber que o futuro se deve programar em torno da Prevenção da Doença e da Promoção da Saúde, adotando uma visão transversal, multidisciplinar e multissectorial da política de Saúde, garantindo nesta perspetiva um maior investimento em determinadas “áreas-programas” como o exercício físico ou o envelhecimento ativo e em patologias, como a diabetes, a hipertensão, o sal, o açúcar e outros. Investir na promoção da Saúde é poupar no tratamento de doenças e perceber e quantificar os ganhos de tudo isto na vida dos portugueses e nos cofres do Estado. Esta deve ser uma meta que nos deve comprometer a todos.