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‘Política Com Palavra’ Ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro

‘Política Com Palavra’ Ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro


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“Temos que nos preparar para viver com menos água”

A água e a sua relação com a energia são os temas que o ministro do Ambiente e da Ação Climática assume como os maiores desafios do seu mandato. Ao longo desta entrevista, Duarte Cordeiro elenca as medidas implementadas e as decisões necessárias para concretizar as mudanças estruturais que pretende na sua área.

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Nuno Sá Lourenço (NSL): Fogos, cheias, secas e energia escassa e cada vez mais cara. Estes são os problemas que o nosso convidado enfrenta diariamente enquanto ministro do Ambiente e da Ação Climática. Formado em Economia, possui já um extenso currículo político, apesar dos seus 43 anos. Foi secretário de Estado nos dois anteriores governos. Foi vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Foi deputado.  Contribuiu para algumas das vitórias eleitorais do PS nos últimos anos. É presidente da distrital de Lisboa do PS. Duarte Cordeiro, o atual cargo que ocupa é o maior desafio político que já enfrentou?

Duarte Cordeiro (DC): Sem dúvida alguma. Acho que não só por aquilo que significa mesmo antes de vivermos esta crise. Se nós pensarmos um pouco para trás, o ambiente já tinha uma importância muito grande do ponto de vista da ação governativa. Nós temos hoje o Plano de Recuperação e Resiliência, que foi o plano europeu que os países procuraram desenvolver para relançar a economia. 38% das verbas do PRR já estavam relacionadas com ambiente e, portanto, nós temos um projeto de desenvolvimento enquanto país que também tem como meta chegarmos a 2050 com a neutralidade carbónica, algo que foi anunciado em 2016. Uma das principais bandeiras que adotámos na campanha eleitoral foi mesmo a da transição climática. E, portanto, o ambiente já tinha um peso muito significativo naquilo que era a nossa ação governativa, ou seja, a preocupação de transformação estrutural que o Partido Socialista quer desenvolver para o futuro.

No atual contexto, tudo isto ganhou ainda uma dimensão mais relevante e significativa. Quando nós pensamos nas consequências da guerra da Ucrânia, do impacto que teve do ponto de vista da energia, se nós, em cima de tudo isto, introduzirmos o ano de seca que estamos a viver, que é o segundo pior ano desde 1931, e se nós tivermos em consideração que é o quinto ano de seca seguido, tudo isto ganha contornos de uma centralidade, de uma relevância, de uma importância extraordinária. Portanto, é um desafio político para o qual dedico toda a energia e força que tenho.

NSL: De todos estes problemas que nós identificamos aqui qual é que é aquele que considera que é mais prioritário?

DC: Eu diria que é a falta de água. Acaba por nos condicionar num conjunto de aspetos da nossa vida, desde logo o consumo que é necessário para a nossa vida e para aquilo que é o consumo humano da água, condiciona a agricultura, condiciona a produção de energia. Vivemos um ano em que estamos a necessitar de mais gás para produzir energia elétrica e estamos a ter quase metade que produzimos habitualmente de energia por fonte hídrica e, portanto, a água tem uma centralidade extraordinária.

Nós estarmos a responder no imediato, nos territórios que têm stress hídrico, com respostas de urgência, mas ao mesmo tempo estarmos a procurar desenvolver soluções no horizonte do mandato que permitam reforçar a resiliência desses territórios para os próximos anos. Esse é, sem dúvida alguma, o maior desafio de todos, associado ao atual momento que estamos a viver do ponto de vista da energia em que o nosso país está a trabalhar em múltiplas dimensões, está a trabalhar, por um lado, na salvaguarda daquilo que é o fornecimento de gás com diversificação de fornecedores, procurando de alguma maneira diminuir o seu consumo através do plano de eficiência energética.

Mas também está a acelerar a transição de renováveis, acelerando a instalação de solar.  Ainda hoje, em Conselho de Ministros tomámos decisões muito importantes, que é acelerar o licenciamento ao nível dos municípios, procurando que tudo o que signifique menos que 1 megawatt de instalação renovável tenha processos simplificados de licenciamento. Estamos a falar de autoconsumo, prédios, casas, empresas, centros empresariais, que tenham um processo muitíssimo simplificado, que permita uma instalação muito rápida. Tudo o que tenha mais de 1 megawatt também tenha um processo simplificado, mês permitindo aos municípios oporem-se se entenderem que de alguma forma existe desconformidade legal ou impacto paisagístico superior áquilo que é desejável.

 

“O futuro da energia vai passar pelas renováveis. Passa pela capacidade de atingirmos cerca de 80% da produção renovável e vamos, provavelmente, antecipar essa meta para 2026.”

Fotografias: José António Rodrigues / PS
 

NSL: Qual é a meta de redução do tempo do licenciamento?

DC: É mais do que isso. Nós temos qualquer coisa como 900 megawatts. Queremos acelerar rapidamente.  Temos a expetativa de passar de 2 para 3 megawatts de solar e no próximo ano passar para 4. Isto significa o quê? Redução de dependência de gás.

Outro aspeto que aprovámos em Conselho de Ministros é financiar os municípios com toda a capacidade de energia que nós conseguimos instalar. Nós vamos financiar pelo fundo ambiental 13500 euros por megavolt-ampere instalado, que é a unidade de capacidade de produção de energia. Isto permite que quando um município de baixa densidade tem um grande centro eletroprodutor  - que naturalmente tem impactos do ponto de vista da paisagem, do território - haja uma compensação ao território significativa que permita ser um financiamento direto e que dessa forma, o município possa depois aplicar as verbas que recebe num conjunto de aspetos que contribuam para o seu desenvolvimento.

E depois temos um conjunto de projetos estruturantes para o futuro. Desde logo, estamos a trabalhar para que o que pode vir a ser um grande concurso de eólica offshore que nós queremos lançar no próximo ano. Portanto, o futuro do nosso país, o futuro da energia vai passar pelas renováveis. Passa pela capacidade de atingirmos cerca de 80% da produção renovável rapidamente. Nós tínhamos definido no nosso programa eleitoral e já anteriormente que era 2030. Nós vamos provavelmente antecipar essa meta para 2026, tal é o ritmo a que nós estamos a tentar procurar acelerar aquilo que são os nossos objetivos.

É importante perceber que a energia renovável é aquela que, estruturalmente, mais baixou os preços de eletricidade. Avançámos com um conjunto de soluções para ajudar as famílias com as tarifas reguladas, eletricidade do gás, com o mecanismo ibérico que criámos para limitar o preço de eletricidade do ponto de vista do mercado. Mas estruturalmente, é a aceleração da capacidade solar que nos permite baixar as tarifas. Permite-nos andar mais rápido e quanto mais rápido nós andarmos, menos dependentes de gás vamos ter.

 

Se analisarmos diariamente o preço eletricidade, o nosso país está a conseguir regularmente estar com os preços mais baratos a nível europeu, só ultrapassado provavelmente por alguns países nórdicos.”

Fotografias: José António Rodrigues / PS
 

NSL:  Há uma outra questão que eu gostaria de colocar, até tendo em conta o contexto da guerra na Ucrânia. Disse há pouco tempo que quanto mais energia renovável nós tivermos, menos dependentes estaríamos de regimes que usam a energia como uma chantagem. Termos apostado nestas novas tecnologias e novas energias, não nos coloca em desvantagem? As energias renováveis, neste momento não são tão competitivas em termos de preços como, por exemplo, as clássicas.

DC: Não há nenhum preço mais barato do que as renováveis. Aliás, Portugal está a conseguir os preços mais competitivos. Se analisarmos diariamente o preço eletricidade, o nosso país está a conseguir regularmente estar com os preços mais baratos a nível europeu, só ultrapassado provavelmente por alguns países nórdicos. Às vezes chegamos a ter metade dos preços do centro europeu e isso resulta de duas dimensões: das renováveis que nos conseguem preços mais baratos, mas também da capacidade que nós tivemos de interferir no mercado, ao termos desacoplado do preço do gás.

O que a crise nos explicou é realmente o contrário. Antigamente havia a perceção que o investimento do ponto de vista da sustentabilidade, do ambiente, das energias renováveis era algo que era interessante ser feito por uma questão de posicionamento, por convicção do ponto de vista das causas ambientais.

Hoje é evidente que as empresas que apostem em energias renováveis vão ser competitivas. Se não apostarem em dimensões como o autoconsumo, na capacidade de elas próprias, diminuírem aquelas que são as suas necessidades de consumo de energia, não vão ser competitivas. Hoje, as renováveis são sinónimo de liberdade, para além de sinónimo de soberania, são sinónimo de competitividade.

Estamos a assistir a um movimento muito grande do ponto de vista do setor empresarial em Portugal, no sentido de se virar para as renováveis. E mais, as renováveis em Portugal também são sinónimo de atração de investimento. As renováveis em Portugal também são sinónimo de atração de investimento. Se nós hoje estamos a fixar em Portugal um conjunto muito significativo de interesses económicos, na produção, por exemplo, de hidrogénio verde para o futuro, isso acontece porque nós temos energias renováveis baratas. Tivemos leilões sempre com preços muito baixos e temos disponibilidade de sol que nos permite ter energia renovável barata, que nos permite atrair este volume de investimentos. Estamos a falar de cerca de - em diversos graus e maturidades – 70 projetos de interesse de produção de gases renováveis em Portugal, que significa qualquer coisa como 10 mil milhões de euros de investimento. Estamos a falar de, na prática, de um enorme setor industrial. Estamos a falar de uma revolução que vai tornar o nosso país num grande ativo do ponto de vista da produção de energia…

NSL: E exportador de energia?

DC: Sim, ao atingir 80% da nossa energia de fonte renovável até 2026 é um país que fica, obviamente entre os principais. Já sabemos, mas acentua aquilo que é o seu posicionamento. A exportação é algo que, do ponto de vista de gases renováveis, é óbvio que vai ter que acontecer, tendo em conta aquilo que é o capital que nós estamos a tentar atingir, do ponto de vista daquilo que é o investimento da indústria nos gases renováveis em Portugal, eu acho que os gases renováveis têm uma dupla dimensão no processo descarbonização da nossa economia. Vai haver aqui vários movimentos, vai haver um movimento de eletrificação, ou seja, vamos eletrificar muito mais usos dos que os que hoje estão eletrificados. Vamos ter cada vez mais processos eletrificados e isso vai fazer com que nós precisemos de mais energia elétrica, nós vamos ter que aumentar a nossa capacidade. Mas nós também sabemos que há uma limitação para a eletrificação e, portanto, nós vamos sempre precisar de outras energias que não a eletricidade. E por isso é que é importante uma estratégia para as renováveis e para os gases renováveis. Vamos ter várias soluções, entre elas a incorporação da própria Lei do Gás, porque nós vamos introduzir gás na rede de gás. E depois vamos começar a ter, obviamente, a substituição de gás na indústria por gases renováveis e dessa forma seguir uma estratégia que serve a nossa descarbonização. Mas, depois, se tudo correr bem, o nosso país passa a ser exportador de gás.

 

“Ao atingir 80% da nossa energia de fonte renovável até 2026 é um país que fica, obviamente entre os principais (…) A exportação é algo que, do ponto de vista de gases renováveis, é obvio que vai ter que acontecer.”

Fotografias: José António Rodrigues / PS
 

NSL: Essa foi uma das disponibilidades que os governos espanhol e português manifestaram logo no início do conflito ucraniano, a disponibilidade de exportar para o resto da Europa, que, aliás, há anos que está bloqueado. Existe alguma evolução nesse processo negocial com a Europa do Norte?

DC: Eu diria que limita os nossos objetivos, mas não nos condiciona na totalidade. Nós vamos conseguir continuar a exportar energia por barco através de Sines e é esse claramente um desígnio para o qual nós estamos a trabalhar e para o qual nós também temos feito investimentos no porto de Sines e acreditamos naquilo que é o processo industrial que está a acontecer naquele território do canal, que vai aproveitar, digamos assim, aquele que é um porto de águas profundas que temos com potencial de exportação.

Mas estamos a falar da terceira interligação do gás, do desenvolvimento daquilo que são os gasodutos a nível europeu. Portugal tem dito e reafirmado que a Europa devia aprender com esta crise, aprender com esta guerra. Houve uma de uma inclinação excessiva dos investimentos europeus ao Leste e uma dependência excessiva da Rússia quando comparado com aquilo que é a estratégia de desenvolvimento europeu. E isso hoje condiciona a Europa. Portugal, Espanha podiam hoje proporcionar respostas que de alguma forma não são possíveis. Quando nós discutimos o Regulamento Europeu de Poupança de gás a nível europeu, uma das coisas que foi evidente foi que nós não estávamos na circunstância de outros países a nível europeu, em que nós, poupando um consumidor gás em Portugal, automaticamente fica disponível para outro país. Nós temos obviamente fracas interligações e, portanto, a nossa poupança de gás não torna o gás disponível para outro país. Esperamos que esta aprendizagem sirva para o futuro.

NSL: E esses países aprenderam? De fevereiro para cá, houve evolução na posição do resto da Europa?

DC: Temos sentido cada vez mais apoio para o nosso projeto. Hoje, o governo alemão diz abertamente que concorda com Portugal e com a Espanha relativamente ao desenvolvimento de infraestruturas futuras. Resta saber que como é que este processo se desenvolve. Nós acreditamos muito mais em processos que se desenvolvam a nível europeu do que, eventualmente, a nível bilateral. Agora, do nosso lado, o trabalho que nós estamos a fazer do ponto de vista daquilo que é o traçado, o gasoduto, as declarações de impacto ambiental, o país vai continuar a trabalhar para que este projeto se concretize, e vai fazer toda a pressão diplomática para que se desbloqueie.

Tem que se pensar na dimensão do gás, mas acima de tudo tem que se pensar no futuro e na dimensão do hidrogénio.

NSL: Pedimos no mecanismo ibérico criado para desacoplar o preço do resto da Europa. Essa foi uma conquista que veio para ficar e acha que é uma lição que foi aprendida?

DC: Sem dúvida, na semana passada a Europa aprovou no Conselho de Ministros da Energia um conjunto de novas medidas para a frente. Essas medidas, de alguma forma, vêm reproduzir muitas das matérias que nós já tínhamos desenvolvido a nível ibérico, nomeadamente, o mecanismo ibérico.

O mecanismo ibérico veio permitir desacoplar, dissociar o preço do gás da eletricidade. A eletricidade, formada através de várias origens, do gás, da água, solar, eólico e consoante o momento em que cada uma destas fontes de energia está a produzir e a responder às necessidades. O preço destas energias marca o preço de eletricidade. O que acontece é que o gás também marca o preço de eletricidade. Como o gás está com preço especulado por causa da guerra, quando o gás marcava a sua parte do preço, fazia disparar o preço da eletricidade. E isso era algo que tinha um impacto muito significativo na vida de todos nós. Isso exigiu respostas a vários níveis e uma delas foi dissociar o preço da eletricidade do preço do gás. Portugal e Espanha conseguiram fazê-lo através de um mecanismo que tem permitido poupanças médias na casa dos 18%, mais de 60 megawatt-hora de poupança, que se nós formos considerar já dá qualquer coisa como mais de 200 milhões € de retorno face ao preço de mercado.

Nós não estávamos a ver o benefício porque não conhecíamos o preço que teríamos se nós não tivéssemos o mecanismo. Entretanto, o regulador já veio corrigir isso e vai começar a ser visível nas faturas o benefício do mecanismo ibérico.

Agora, a Europa sabe. Os setores industriais sabem que poupar 18%, mesmo num contexto em que o preço aumenta muito, é significativo e, portanto, foi por isso que a Europa agora adotou medidas semelhantes.

Portugal e Espanha neste campo foram realmente pioneiros e eu estou convencido que aquilo que nós fizemos acabará por marcar, eventualmente, o mercado da eletricidade a nível europeu.

É uma medida muito importante, mas, volto a dizer, avançámos com várias outras medidas que, quando comparamos com o resto da Europa, significa que nós nos antecipámos.

Também sabemos que muitos setores industriais e muitos setores económicos ainda vivem em dificuldades porque não beneficiam da tarifa regulada ou porque os 18% acabam por não ser tão significativos num contexto de aumento muito significativo dos preços. Mas estamos a trabalhar para agora em sede de Orçamento do Estado, reforçar as respostas para além de todas aquelas nós já desenvolvemos.

NSL: Há pouco falou no pacote de medidas de poupança de energia que o Governo anunciou. A minha dúvida é, antes de mais, tentar perceber se este pacote de medidas de poupança é para ajudar a Europa, que viveu acima das suas possibilidades, ou se é para nos ajudar a nós próprios?

DC: As duas coisas. Por um lado, faz sentido no atual contexto de incerteza e de dificuldade, nomeadamente no setor de energia, sermos prudentes. Neste caso, há que ter um comportamento preventivo de procurar reduzir os consumos de energia que nós identificamos como não sendo necessários. Ainda ontem apareceram dados de poupança de Portugal. Nós temos tido poupanças de redução de 15% em gás, apesar de estarmos a viver uma circunstância difícil, que é termos menos água nas nossas barragens e sermos obrigados a produzir mais eletricidade com gás. Portugal tem poupado ao nível do gás e, portanto, a poupança é relevante. São medidas que são importantes nós internalizarmos na nossa vida, nas empresas, no Estado e nas autarquias.

E depois nós, obviamente, também temos bem noção que nós não estamos no norte da Europa, nós não somos como esses países que necessitam de gás para o aquecimento das nossas casas. O nosso consumo de gás está muito condicionado pela produção de energia elétrica pela indústria. No entanto, se nós todos somarmos as pequenas poupanças que nós procuramos introduzir com os planos que temos vindo a apresentar e que têm sido muito bem aceites por parte dos vários setores económicos - inclusivamente, temos algumas associações empresariais que não só estão disponíveis para assumir esse compromisso como para além daquilo que nós propusemos e nós propomos atingir.

Ao mesmo tempo, estamos a ser solidários e, portanto, é importante que se perceba, não tendo nós as mesmas dificuldades de outros países nós, reduzindo aquilo que é o gás que estamos a consumir, também estamos a criar menos pressão no mercado internacional do gás e, portanto, com isso estamos obviamente também a ajudar.

 

“Há vários estudos que nos dizem que a pluviosidade pode reduzir até cerca de 25% e, portanto, nós temos que nos preparar para viver com menos água.”

Fotografias: José António Rodrigues / PS
 

NSL: Já falou na seca, mais do que uma vez, como um problema estrutural. Há 30 anos atrás, provavelmente uma seca era uma questão conjuntural no nosso país. Com o passar dos anos, percebemos que é um problema, que veio para ficar. Que medidas estruturais o Governo está a pensar implementar para enfrentar este problema?

DC: Há vários estudos que nos dizem que a pluviosidade pode reduzir até cerca de 25% e, portanto, nós temos que nos preparar para viver com menos água. Isso passa por saber aproveitar melhor a água que temos. Isso significa, por um lado, sermos mais eficientes, ter menos perdas e ter sistemas de consumo mais eficiente. Nas nossas casas, mas também na utilização agrícola e industrial. Temos que trabalhar na eficiência. É um elemento central. Por outro lado, temos que aproveitar melhor a captação de água no nosso país. Temos de perceber que investimentos inteligentes nós podemos fazer para reforçar a capacidade de retenção da água. Por outro lado, temos que ter a capacidade de apostar na reutilização da água. Nós temos como objetivo que, até 2025, 10% da água das nossas ETAR seja reaproveitada num conjunto de domínios desde a agricultura até ao lavar das ruas. Ou seja, aproveitar melhor a água para utilização. Nós estamos inclusivamente agora com um processo de licenciamento ambiental para facilitar essa utilização. É um processo complexo e estamos a tentar simplificar. E por último, novas fontes, dessalinização. Nós temos neste momento no Algarve, talvez seja a região do país que nós temos identificada, no atual contexto que estamos a viver, uma seca que é muito importante. É o segundo pior ano desde 1931 e simultaneamente é quinto ano de seca consecutiva. Tudo isto coloca uma pressão enorme sobre o território que se tem sentido a todos os níveis e obriga-nos, por um lado, a responder no imediato. Desde fevereiro, tivemos a necessidade, inclusivamente, de restringir a utilização da água para um conjunto de domínios, desde logo para a produção de energia elétrica, como falámos há pouco. E nós não temos sido ligeiros na gestão da água para preservar a água que temos.

Que medidas estruturais é que estamos a pensar olhando para o território? Nós temos no Algarve um fundo em execução, que se traduz na execução do PRR de cerca de 200 milhões € de investimento, que passa pela combinação de soluções como as que referi há pouco. Passa por apostar na eficiência, passa por apostar na reutilização. Neste momento utilizamos mais ou menos 700 hectolitros cúbicos de água utilizada. Queremos duplicar até ao final do ano e depois duplicar outra vez até 2025.

Nós temos um investimento em curso de uma dessalinizadora no Algarve. Queremos concretizar o projeto de dessalinização no Algarve até ao final do período PRR.

Também estamos em processo de conclusão de um plano de eficiência hídrica para o Alentejo. Nós sabemos que no litoral alentejano vamos ter muitas pressões para o futuro. Vamos ter pressões turísticas, pressões industriais, pressões agrícolas. Isto exige, da nossa parte, a capacidade de mais uma vez, aplicar estes mesmos princípios neste território: eficiência hídrica, água para reutilização e, eventualmente, estudarmos uma decisão de uma dessalinizadora no litoral alentejano. Pode passar por investimento público e, eventualmente, investimento privado. Há vários interesses nesse sentido. A verdade é que existe ali uma combinação de pressões futuras com a escassez da água, que pode exigir também a necessidade de uma dessalinizadora.

E depois temos na zona do Tejo também uma zona de enorme pressão, stress hídrico. Aí temos que aproveitar de alguma maneira outros recursos que temos. Nós estamos a terminar a concessão da barragem de Cabril, termina no final do ano. Uma primeira decisão que nós queremos tomar é a possibilidade de eventualmente transformar a concessão da barragem do Cabril para fins múltiplos.

NSL: E quando é que isso aconteceria?

DC: Logo a partir do início do próximo ano. Olhar para aquilo que consome da barragem do Cabril e a partir da nova concessão da barragem do Cabril, alocar um conjunto de investimentos para o território do Tejo, que estão a ser estudados pela Agência Portuguesa do Ambiente e que nós queremos colocar em discussão até ao final do ano. Para nós não ficarmos tão dependentes do rio Tejo.

Depois temos um conjunto de municípios que nós identificámos - são cerca de 40 - que têm vivido com enormes dificuldades. São as zonas do país que têm menos água e tendo menos água, mais rapidamente entram numa situação de dificuldade de abastecimento. Estamos a falar do centro interior do país, do Norte, do Nordeste do país. Para estes nós temos que procurar soluções dedicadas. Há ali uma zona no centro, na zona de Viseu, onde se está a estudar a reabilitação da barragem de Fagilde aumentando a sua capacidade. Ao mesmo tempo, estamos a estudar neste território de Viseu a possibilidade de agregarem nas águas Douro e Paiva entre as duas soluções.

Este território também pode ficar coberto pelos dez municípios e, portanto, é por aqui que nós vamos procurando soluções de natureza estrutural.

É importante perceber que todas estas decisões têm por trás, necessariamente, fontes de financiamento e nós temos que também conjugar aquilo que são os vários instrumentos que temos ao nosso dispor, que passam por fundos comunitários ou por investimentos através da própria tarifa dos municípios que, conjugados, consigam de alguma maneira dar resposta a estes territórios.

NSL: A expectativa é que no final do mandato deste Governo já se possa dizer que o panorama mudou radicalmente comparativamente ao que estamos a viver agora. Senhor Ministro muito obrigado por ter aceitado o nosso convite. Terminamos assim mais uma edição do Política com Palavra. Regressamos na próxima semana com outro convidado. Até lá.