Os 5 milhões de portugueses que estão no estrangeiro são um potencial estratégico que o nosso país deve aproveitar.
Na semana em que se celebra o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, Paulo Cafôfo passa em revista as políticas de direcionadas aos portugueses que residem no estrangeiro. Regressos, apoio social, ensino da Língua Portuguesa, mas também novas plataformas de atendimento – como o Consulado Virtual – destinadas a simplificar a relação com os cidadãos.
Nuno Sá Lourenço:
Bom dia e bem-vindos a mais uma edição do Podcast Política com Palavra. Nesta semana em que celebramos o 10 de Junho, temos connosco o Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas. Paulo Cafôfo é o interlocutor governamental com os portugueses que vivem pelo mundo. Paulo Cafôfo, muito obrigado por ter aceitado o nosso convite. Quantos imigrantes portugueses é que nós temos espalhados pelo mundo?
Paulo Cafôfo:
Antes de mais, muito obrigado pelo convite, tenho todo o gosto em aqui estar, nomeadamente, numa altura em que comemoramos o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Nós somos 10 milhões de habitantes aqui no território nacional, mas o nosso país não é limitado às suas fronteiras geográficas, seja no Continente, seja nas regiões autónomas. O nosso país estende-se até onde existe um português e temos portugueses nos cinco continentes do Mundo. Temos registados com o Cartão de Cidadão português cerca de 2 milhões e 100 mil portugueses. Mas, como digo, os portugueses são mais do que esse número. A nossa estimativa é que sejam cerca de 5 milhões, entre portugueses e luso-descendentes. É uma enorme diáspora, e aquilo a que nós temos assistido, é que tem havido uma corrida à nacionalidade portuguesa. Ou seja, nós temos os nossos compatriotas que, tendo já nascido no estrangeiro, e nunca se tendo preocupado com o passaporte português ou nacionalidade portuguesa, agora, temos assistido a este interesse por Portugal, em ter o passaporte português.
NSL: E porque é que isso tem acontecido? Essa tendência de aumento de procura?
PC: Eu considero que tem a ver muito com o facto de Portugal, nos últimos anos, ter tido uma projeção que faz com que esteja na moda.
Aliás, nós vemos isso até pelo turismo. Há um dado interessante, que sustenta que um em cada quatro dos turistas vem a Portugal, porque tem contacto com portugueses e portuguesas que residem no estrangeiro.
Portanto, a nossa diáspora também acaba por ser promotora…
NSL: Faz marketing?
PC: Promove o nosso país. O nosso país modernizou-se, o nosso país tem impacto em termos internacionais e esta ligação acaba por aprofundar-se com a imagem moderna que temos. Nós falamos numa diáspora mas temos de falar no plural, porque temos diversas diásporas. Nós temos uma diáspora composta por aqueles nossos compatriotas da primeira geração que saíram do país, mas que nasceram aqui em Portugal. Temos depois uma outra diáspora que já nasceu no estrangeiro, que sendo portugueses, acabam por estar numa simbiose perfeita e uma integração plena nas sociedades e nos países onde residem.
Muitos deles não falam português, outros falam português, mas independentemente de falarem ou não a língua portuguesa, têm uma ligação muito forte com Portugal. Depois temos um tipo diáspora, mais recente, em que falamos de pessoas mais jovens, que neste mundo global acabam por estar no mundo, mas de uma forma diferente das primeiras gerações que emigraram. Falo de pessoas ligadas à ciência, à investigação, à consultoria de empresas, que estão um ou dois anos num país, mais de dois ou três anos noutro, regressam a Portugal e, portanto, andam neste movimento. E nós temos de dar resposta a estas diferentes diásporas. Esta diversidade implica também uma diversidade de políticas adequadas àquilo que estes nossos compatriotas necessitam.
NSL: Essa última diáspora que falou é notícia por causa da saída de pessoal altamente qualificado. Existe um esforço para tentar ajudar esses cidadãos portugueses a regressar a Portugal?
PC: Esta questão dos jovens a sair do país não é uma questão exclusiva de Portugal. Nós temos de entender que a geração dos meus filhos tem outra perspetiva, seja nas questões da empregabilidade, seja nas questões da mobilidade e, portanto, para eles faz sentido, independentemente do país. Às vezes focamos na questão do rendimento e do salário e essa é uma realidade. Mas Portugal também tem outros atrativos que também permitem que estrangeiros venham viver para Portugal. Os nómadas digitais são um exemplo claro da atratividade do nosso país. Agora, Portugal tem aqui um interesse em que estes portugueses e estas portuguesas de uma geração mais jovem, possam regressar ao nosso país. Nós temos o programa Regressar e se analisarmos os resultados do programa - que do ponto de vista político tem um simbolismo grande porque, ao contrário de outros governos, nomeadamente do PSD, se convidou estes jovens a emigrar, nós aqui convidamo-los a regressar. O programa Regressar tem mais de metade dos jovens que têm regressado - digo jovens porque se estamos a falar entre os 25 e os 44 anos - esses jovens que têm regressado são aqueles que saíram entre 2011 e 2015, precisamente. E isso é um fator político de relevância, porque nós queremos que eles saibam que, embora em determinadas circunstâncias possam ter saído, o nosso país está sempre de portas abertas para todos, porque somos um país, na verdade, inclusivo e que integra na sua multiculturalidade cidadãos de diversas nacionalidades. Mas damos aqui um especial relevo e uma especial importância a estes portugueses e estas portuguesas. E isso, efetivamente, tem acontecido. O programa Regressar é um programa do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social, ao qual obviamente, nós nos associamos e promovemos, tem dado bons resultados.
NSL: Tem uma ideia de quantas pessoas estamos a falar?
PC: Estamos a falar de mais de 18.000 pessoas que têm regressado ao nosso país. Mas nós falamos do regresso mas é importante também perceber que estão a sair menos pessoas. Nós realizámos o Relatório Anual da Emigração, através do Observatório de Emigração. E os resultados de 2021, o último relatório foi apresentado em 2022, indica que em 2021 saíram metade dos portugueses que emigraram em 2013. Saíram cerca de 60.000 portugueses de Portugal. Mas para atingir esses números, nós temos de recuar até 2003. Isto quer dizer o quê? Que estamos a conseguir que haja uma diminuição, uma tendência de quebra de saída…
NSL: Acha que vai continuar nos próximos anos?
PC: Eu acredito que Portugal tem todas as condições para isso. O nosso país no primeiro trimestre, na zona euro, foi o que teve um maior crescimento. Temos condições de estabilidade, de segurança, temos qualidade de vida e eu penso que esses também são fatores - os números do desemprego assim o dizem, estamos com níveis historicamente baixos - isso obviamente leva a que as pessoas fiquem no nosso país. Agora, o facto de serem menos não significa que não devemos olhar com todo o cuidado e toda a atenção para aqueles que estão, neste momento, a residir no estrangeiro, e eu diria que há aí um potencial estratégico. Se falamos em 5 milhões de portugueses que estão no estrangeiro, esse é um potencial estratégico que o nosso país, que tem uma pequena dimensão territorial, deve aproveitar. E deve aproveitar a vários níveis. Um dos níveis que me parece absolutamente importante é a afirmação internacional do nosso país. Em cada português teremos um embaixador ou uma embaixadora. E isto reflete-se na nossa cultura, na nossa identidade. Porque neste mundo global, em que parece que é tudo igual, nós na verdade, temos que nos afirmar. Um país de pequena dimensão, mas que se afirma pela sua forte identidade cultural e também pela língua portuguesa. E aqui a língua portuguesa como uma língua global e internacional. E a língua portuguesa acaba por ser muito mais do que uma língua. Encerra a história de um povo, e uma cultura por trás. Acaba por ser uma língua também que tem valores democráticos, valores de participação cívica, valores ligados aos negócios, ligados à ciência. E, portanto, nós temos aqui uma língua que é um valor ativo e que importa expandir.
Há outro fator também muito importante: a economia. Eu tenho encontrado empresários e empreendedores absolutamente extraordinários por esse mundo fora. São portugueses, são homens e mulheres de sucesso que têm criado riqueza, que têm conseguido nos países onde residem singrar num contexto que não é o nosso e são pessoas de extremo valor que importa, não só dar destaque, mas nós queremos também que possam investir em Portugal. Há uma afetividade destas pessoas às suas raízes. Nós temos um programa nacional de apoio ao investimento da diáspora, que procura captar investimento estrangeiro e que tem acontecido. Neste momento, temos já 260 portugueses com estatuto de investidor da diáspora. Estamos a falar de um potencial de mais de 153 milhões de euros. Temos uma rede de apoio ao investimento da diáspora com mais de 300 entidades e este investimento acontece particularmente no interior do país ou nas regiões de baixa densidade, o que significa que estamos a contribuir também para a coesão do nosso território com este investimento. Muitas vezes falamos demasiado na questão das remessas. As remessas têm, na verdade, batido recordes. No último ano tivemos 3,9 mil milhões de euros em remessas. Foi um aumento de quase 5% de aumento relativamente ao ano transato. Mas mais do que as remessas, nós queremos que haja um investimento de caráter reprodutivo, que se estabeleça cá, que criem empregos, que criem riqueza.
NSL: E que tipo de investimento maioritariamente é que esse tipo de investidores da diáspora fazem em Portugal?
PC: São investimentos diversificados. Desde investimentos na área do turismo, investimentos no imobiliário, mas investimentos também na área das indústrias, da construção civil, da metalomecânica. Temos uma diversidade de negócios. Aquilo que desejamos é que esta diversidade de negócios possa aumentar exponencialmente com os benefícios e com o acompanhamento que nós damos através deste programa nacional. E aqui abro um parêntese para dizer que investimento não é só dinheiro, é também o conhecimento e a experiência de como fazer e ser bem sucedidos aqui para o nosso país.
São pessoas que tiveram de sair do país, mas que não estão de costas voltadas para Portugal. Eu tenho encontrado, na esmagadora maioria destas nossas comunidades, portugueses que valorizam mais Portugal do que nós que aqui residimos. Há um sentimento, uma emoção que é indescritível. E é neste sentimento que nós devemos usar como alicerce, para nós construirmos políticas certas. Porque, é preciso dizer também, que nem todos são bem-sucedidos. Neste contexto mundial em que vivemos, a nossa comunidade, por vezes, sente algumas dificuldades. Temos países como a África do Sul e a Venezuela, não só estes países, mas particularmente estes, aos quais estamos a dar alguma atenção. O Governo tem políticas públicas viradas para estas comunidades que estão ou envelhecidas ou empobrecidas.
NSL: Que tipo de apoio é que se dá a essas pessoas?
PC: Não é só para estes dois países, as políticas que temos são para todas as nossas comunidades. Obviamente que a atenção que estamos a dar a estes países têm que ver com as maiores necessidades que essas comunidades atravessam. Nós temos dois programas. Temos o Apoio Social a Idosos Carenciados, que é um complemento de reforma em países que muitas vezes não têm proteção social, ou tendo proteção social, não chega para o mínimo de dignidade das suas vidas e, portanto, nós atribuímos o complemento à reforma. E temos o Apoio Social aos Emigrantes Carenciados, que acaba por ser fundamental em questões de saúde, intervenções cirúrgicas, equipamento ortopédico, bens materiais que sejam necessários. E temos reforçado este apoio. Este ano temos para o apoio social cerca de 950.000 euros. E são verbas que são complementadas com outros programas. Por exemplo, na Venezuela nós temos uma rede médica. Tínhamos quatro médicos, aumentámos este ano, para seis médicos, precisamente para garantir consultas, testes e exames, diagnósticos são realizados por esta nossa rede, bem como o fornecimento de medicamentos. Na África do Sul, por exemplo, estamos agora a fazer um mapeamento social da nossa comunidade. Portanto, esta componente social, que não existia há alguns anos atrás, agora é prioritária para o Governo. Para termos uma ideia, desde que temos estes programas, na questão do apoio social, são já 5.300.000 euros investidos. É um investimento que obviamente queremos continuar a reforçar. A par da questão da língua portuguesa. Estamos num processo de transformação. A era digital chegou à diáspora e às comunidades portuguesas, seja na questão dos consulados, seja na questão do próprio ensino do português. Eu tenho estado muito envolvido no projeto de digitalização do ensino.
Nós estamos com mais de 23.000 tablets entregues, com conteúdos pedagógicos, conteúdos digitais, que através destes tablets que têm sido atribuídos aos alunos e alunas do ensino de português e nós temos na rede global do ensino no estrangeiro mais de 72.000 crianças e jovens, com um investimento de cerca de 30 milhões euros no ensino do português, a que acrescem 17 milhões nestes equipamentos.
NSL: Tem aumentado o número de alunos de Português lá fora?
PC: Tem, felizmente. Estamos numa fase de aumento do número de alunos, do número de professores, obviamente, acompanhando o aumento do número de alunos e do aumento de investimento. E acredito que este investimento que estamos a fazer na digitalização do ensino vem em primeiro lugar, garantir o acesso à língua portuguesa. Estamos também agora com dois projetos-piloto na área do ensino tutorial à distância. Há áreas, regiões ou cidades em que o número de alunos não possibilita a constituição de uma turma. Então, vamos ter um projeto em Estrasburgo e em Bordéus, com tablets, com professor, em regime de ensino tutorial à distância, para que esses alunos que não têm a possibilidade de estar integrados numa turma, possam na mesma ter aulas de português.
NSL: Já arrancou?
PC: Arrancará no próximo ano letivo. Os tablets estão já distribuídos. Este projeto piloto, que é complementar ao ensino presencial, arrancará só no próximo ano letivo.
PC: Nós temos previsto que sejam cerca de 1200 alunos neste dois projetos-piloto.
NSL: Ao mesmo tempo, é necessário reforçar a rede consular.
PC: Os consulados e a nossa rede consular são absolutamente determinantes.
Eu tenho esta visão estratégica de que estes consulados têm que ter uma proximidade muito grande com os nossos compatriotas, simplificar procedimentos e ser eficientes. Ao fim e ao cabo, as pessoas têm de sentir, quando vão ao consulado, que estão numa sala de estar de Portugal.
E temos feito um grande esforço no sentido de dotá-los da eficiência e eficácia em que queremos que respondam mais rapidamente e com mais entendimentos nesta nossa vasta rede consular. E para isso, o que é que temos feito? Temos proporcionado o acesso, por diversas formas, ao consulado. A pessoa pode deslocar-se presencialmente, temos uma plataforma de agendamentos online - agora há uma maior organização, um maior planeamento com este agendamento online - os consulados são abertos em situações de urgência, temos um centro de atendimento consular, através de e-mail, mensagem ou via telefónica. O Centro de Atendimento Consular está já em 11 países no mundo. Para ter uma ideia, desde que abrimos o Centro Atendendo Consular, entre chamadas, e-mails, mensagens, tivemos cerca de 2 milhões de atendimentos. No mês de abril, tivemos uma média de 2.300 atendimentos por dia. Ou seja, acaba por ser um call center, mas que responde às necessidades destas pessoas que não necessitam através desta chamada ou email de dirigir a um consulado.
Mas estamos numa evolução e a grande novidade para esta altura, em que celebramos o Dia de Portugal, será a primeira fase do Consulado Virtual. Através de um smartphone, do telefone ou ainda no computador, há determinados atos consulares que até agora exigiam a presença física e que agora poderão ser feitos através desta plataforma em qualquer parte do mundo, a qualquer hora do dia e em qualquer dia do ano, as pessoas poderão aceder a serviços consulares. Está numa primeira fase e, portanto, só alguns atos é que são disponibilizados. Este projeto estava previsto para 2026. Nós decidimos antecipá-lo para 2023. Não estará a funcionar na sua plenitude, mas desde a inscrição consular, ao cartão de cidadão, registos de nascimento, todos estes atos que não implicam pagamento, poderão ser realizados já a partir deste mês de junho e com as comemorações deste Dia de Portugal e, portanto, é um avanço que fazemos nesta simplificação, rapidez e eficiência dos nossos serviços. E portanto, valorizando os funcionários que temos, contratando mais funcionários e com a digitalização que estamos a imprimir na nossa rede consular, há aqui um impulso reformista, que terá efeitos muito positivos nesta modernização dos serviços do Estado. Estamos a fazer uma transformação nesta nossa rede, que não vou chamar de revolução, mas vou chamar de evolução, no atendimento e na proximidade que temos com estes portugueses e estas portuguesas.
“Antecipámos para junho deste ano a disponibilização do Consulado Virtual, através do qual será mais fácil aceder aos serviços do Consulado, ainda em fase de projeto piloto.”