“Todos os estágios têm de ser remunerados, porque trabalho não remunerado é uma forma de escravatura moderna”
Miguel Costa Matos foi reeleito este mês para o seu segundo mandato à frente da Juventude Socialista. Nesta edição do “Política com Palavra”, o Secretário-Geral da JS faz o balanço das iniciativas que promoveu e anuncia os objetivos para os próximos anos: refundar o diálogo á esquerda, avançar com o referendo à regionalização, acabar com os estágios não remunerados.
NSL: Bom dia e bem-vindos a mais uma edição do Podcast Política com Palavra. Realizou-se este mês o Congresso da JS. É o momento certo para ouvirmos o Secretário-Geral falar sobre o seu primeiro mandato à frente das Juventude Socialista e os objetivos para os anos que se seguem. Miguel Costa Matos, muito obrigada por ter aceitado o nosso convite.
NSL: Está à frente de uma estrutura do PS que sempre se classificou como uma das forças motoras para a mudança dentro do PS. Quais foram os resultados deste seu primeiro mandato?
MCM: Em primeiro lugar, muito obrigado pelo convite. Nós tivemos um mandato com muitos sucessos legislativos. Nós podemos encarar que cada um nos momentos decisivos, ao longo dos últimos dois anos, da propositura do Partido Socialista, a Juventude Socialista esteve lá, esteve na linha da frente na defesa dessas propostas. É o caso da Lei de Bases do clima, que nos assegura uma arquitetura rigorosa e exigente para a ação climática. É o caso do direito ao esquecimento, que é importante para assegurarmos que os sobreviventes de cancro e os doentes crónicos não são discriminados no acesso aos seguros, no acesso ao crédito à habitação. Foi assim no direito ao desligar, na regulamentação do teletrabalho, na agenda do trabalho digno e, agora mais recentemente, conseguimos que a ACT, a força inspetiva que assegura que os direitos laborais são cumpridos tem poderes reforçados. Isso também foi uma das propostas da Juventude Socialista. Nós conseguimos que os estudantes tivessem acesso prioritário à vacinação. Ainda na área da saúde, conseguimos também assegurar que a dádiva de sangue por parte dos homens que fazem sexo com homens não é discriminada, não é proibida. Portanto, também tivemos aí importantes avanços. E nos orçamentos do Estado temos tido importantes avanços também, onde destacava o reforço da ação social no ensino superior. Nós acreditamos num ensino superior em que as barreiras económicas não afetem a capacidade dos estudantes em aceder ao ensino superior e perseguir os seus sonhos. E é por isso que foi importante termos conseguido congelar as propinas em cada um destes anos. Queremos conseguir que a propina volte a baixar, rumo à propina zero. Mas a par da propina, nós temos que encarar o que são os outros custos do ensino superior, nomeadamente as residências universitárias, onde nós conseguimos que o Governo reforçasse a verba e, em vez de como foi feito, por exemplo, no Governo de Cavaco Silva, as verbas para construir as residências fossem empréstimos, nós conseguimos que fossem a fundo perdido. Isso é muito importante. Além disso, quando não há residências, o Estado dá um complemento de alojamento aos estudantes bolseiros que são deslocados e ele era de 130€, em 2019, e agora, no próximo ano, será de 260€. E, portanto, conseguimos, ao longo destes dois anos, a duplicação deste valor, que também foi alargado de cerca de 13.000 estudantes para 28.000 estudantes e conseguimos criar, a par disto, um complemento de deslocação de 250€ anuais para apoiar os estudantes deslocados e, portanto, na área do ensino superior, a nossa propositura foi forte e teve sucesso. Na área do trabalho, como já falámos, também estamos a conseguir realizar o acordo de rendimentos, que tem incluído no seu propósito uma proposta essencial da JS, que é metade dos aumentos salariais relevantes, ou seja, acima dos 5% que estão definidos, tem uma comparticipação de 50% da parte do Estado. É um poderosíssimo incentivo a subir os salários dos jovens. E o melhor antídoto contra as ideias liberais é, de facto, dizer que não é desregulamentando os mercados que nós conseguimos melhorar os rendimentos das pessoas, é mesmo dando um incentivo do Estado para que as empresas façam aquilo que devem fazer, que é melhorar o rendimento das pessoas, apostar na inovação e qualificarem-se. E, portanto, ensino superior, trabalho, clima, saúde nas mais variadas áreas, a JS tem estado na linha da frente daquela que é a ação do PS para transformar a sociedade.
NSL: Na área do clima, quais é que foram as vossas propostas em concreto?
MCM: A Lei de Bases do Clima é um instrumento que não só proporciona uma arquitetura importante e nós quisemos aqui ser muito rigorosos, na medida em que estabelecemos uma entidade independente, que é o Conselho da Ação Climática e que inclui um jovem ativista para as alterações climáticas para poder dizer, com conhecimento científico, se está ou não está a ser feita a descarbonização. Eu recordo que entre 2005 e 2010, Portugal conseguiu descarbonizar. Entre 2010 e 2015 essa descarbonização parou. Apenas conseguimos baixar emissões quando o nosso PIB diminuiu e, desde 2017, temos vindo, outra vez, a conseguir descarbonizar. Portanto, para não termos este pára-arranca, criámos este mecanismo independente de avaliação e que também dá um parecer em cada instrumento de planeamento, em cada estratégia nacional a nível climático, para assegurar que era uma estratégia ambiciosa. Ajudámos na transversalidade. E o que é que isso significa? Nas áreas das políticas financeiras do Estado, o Orçamento do Estado já este ano incluiu um capítulo de orçamentação verde. As políticas financeiras das empresas vão ter de ter regras de informação sobre o que eles estão a fazer na área das alterações climáticas. Os bancos já foram obrigados agora fazer um stress teste climático, perceber como é que eles estão a incorporar as questões climáticas. Vai haver um relatório anual da exposição ao risco climático. E isto significa que, por exemplo, agora com as cheias, as seguradoras vão ter de ter uma noção de qual é o potencial risco e, portanto, começarem a contribuir a nível do setor financeiro para a transformação da economia como economia verde. Depois, temos objetivos muito concretos do ponto de vista da política climática, o que também foi uma inovação porque uma Lei de Bases raramente tem coisas concretas, mas esta teve. E, por exemplo, assegurámos o fim da produção com carvão a partir de 2023. O Governo pôde antecipar. No gás, está previsto acabar em 2024 a produção elétrica a partir do gás. Conseguimos que os carros ligeiros de passageiros movidos exclusivamente a combustíveis fósseis acabassem a partir de 2035. A possibilidade de prospeção e exploração de gás natural ou de petróleo em Portugal está proibida, completamente. E é importante recordar quando o PS entrou para o Governo, em 2015, havia 3 concessões ativas para extrair do nosso solo e do nosso mar gás natural e petróleo e, portanto, são medidas muito concretas, a par de outras. A proibição de combustíveis sintéticos a partir de óleo de palma, a regulação da produção de eletricidade a partir de biomassa, para que a madeira de qualidade não seja queimada, assegurámos uma regulamentação de uma remuneração dos ecossistemas. Há várias propostas aqui que nós implementámos que fazem com que esta Lei de Bases esteja já a ser discutida a nível internacional como uma das mais ambiciosas e consequentes do mundo. E isso, felizmente, deve-se à ambição da Juventude Socialista, mas também é importante reconhecer, deve-se a um grupo parlamentar do Partido Socialista que soube ouvir os jovens e incluir as suas propostas naquilo que foi a construção desta lei.
NSL: A regionalização também foi um dos temas que abordaram nestes anos. Em que pé é que está essa batalha da JS?
MCM: A regionalização é a simples expressão de que nós não vamos conseguir resolver os problemas do interior e da coesão territorial, achando que será a partir de um gabinete em Lisboa que são construídas políticas públicas para ter iguais oportunidades no interior. E é dando voz política, dando um reforço do poder político ao interior que nós, de facto, conseguimos assegura esse caminho. No último Congresso Nacional do Partido Socialista, o ano passado, apresentámos uma moção setorial sobre a coesão territorial e que tinha como grande proposta conseguirmos fazer um referendo à regionalização em 2024. António Costa gostou tanto da ideia que incluiu na sua moção global estratégica e incluiu no programa eleitoral do Partido Socialista. E, de facto, com o anterior líder do PSD, parecia que tínhamos um consenso nacional para fazermos um referendo. É certo que não ia ser pera doce. Íamos ter de vencer o referendo. E é natural que muitos à direita, incluindo o Presidente da República, que é, sabidamente, opositor da regionalização, diriam que isto seria apenas para aumentar o número de cargos políticos. Não é de todo essa a nossa intenção. A nossa intenção é assegurar que o interior tem uma capacidade de superar as barreiras administrativas dos municípios e superar a distância também da administração central.
NSL: Dá maior capacidade reivindicativa.
MCM: Maior capacidade reivindicativa e coerência no pensamento, na organização de qual é que é a especialização económica que deve ter, os equipamentos culturais, desportivos e económicos que deve procurar infraestruturar e, portanto, seria um caminho lógico. Nós, com o clima, conseguimos uma vitória no Congresso Nacional, que já está em prática. Na moção que fizemos sobre o clima, pedimos a antecipação da meta de neutralidade carbónica para 2045, isto é, a meta de quando Portugal vai emitir tão poucas emissões como aquelas que absorve na sua floresta. Isso António Costa anunciou na última COP que Portugal ia fazer, dando uma grande vitória à JS. Esperamos agora que, com a regionalização, possamos também alcançar esta vitória. Falta apenas um ano e pouco para 2024,
precisamos de pôr o pé no acelerador se queremos realmente marcar e vencer este referendo.
NSL: Porque é que para a JS é tão importante o tema da regionalização? É um tema que, habitualmente, não encaixa tanto nos tópicos que uma juventude costuma levantar?
MCM: Sim, nós somos uma geração que está cada vez mais globalizada, tem mais capacidade de mobilidade para outros países, para outras regiões. Agora, aquilo que é uma grande preocupação dos nossos militantes é que, de facto, há aqui uma questão de liberdade. Um jovem hoje não é livre de crescer, de trabalhar, de estudar, no sítio que deseja. Muitas vezes os jovens chegam aos 18 anos, veem-se obrigados a sair da sua terra para irem estudar e, depois, já não voltam. E têm as suas famílias nessas terras. Têm muitos amigos que ficaram lá porque não foram, depois, para o ensino superior. Têm lá as suas raízes, também afetivas. Obrigar as pessoas a desenraizarem-se para uma outra cidade… se for uma escolha, tudo muito bem, mas ser uma obrigação é algo que nós não podemos tolerar. E também há uma consciência de que o nosso país é tanto mais fraco quanto uma grande faixa do nosso território está desaproveitada.
Nós não alinhamos numa conversa do interior como os coitadinhos. Nós entendemos é que isto é uma enorme oportunidade perdida para o país de aproveitar o potencial económico desses territórios, dessas gentes.
E, portanto, nós não acreditamos apenas numa lógica, por exemplo, de economia do teletrabalho, em que as pessoas têm os seus trabalhos no litoral, mas estão deslocadas no interior, porque é-lhes permitindo o teletrabalho. Nós queremos realmente é fixar as empresas no interior e temos claros exemplos disso. Na Aeronáutica, em Évora, com a Mecachrome, com a Embraer. Temos o caso disso também em outras áreas do interior, com a indústria automóvel, com componentes que depois vão alimentar as grandes indústrias automóveis de Espanha. E, portanto, nós precisamos de pensar quais é que são essas possíveis ligações, fortalecer as ligações transfronteiriças e dar oportunidades ao interior.
NSL: A concretização desse objetivo é uma das uma das tarefas, digamos assim, para este próximo ano. Para o resto do seu segundo mandato como secretário-geral da JS, quais é que são os outros temas e tópicos que quer colocar em cima da mesa?
MCM: Nós queremos continuar a afirmar um Portugal progressista e, neste sentido, queremos combater a violência sexual que tem vindo a ser denunciada nas nossas universidades, nos nossos clubes desportivos e que achamos que é algo alarmante. Queremos combater o racismo que tem vindo, por um lado, a ser normalizado pelo Chega, mas também o PSD a dizer que ele não existe e, portanto, achamos que é importante reforçar as políticas de integração. Até porque Portugal é um país líder na integração de migrantes. Mas começa a notar-se algumas rachas nessas políticas que é preciso colmatar. Naturalmente, queremos aprofundar o caminho na legalização da cannabis e da prostituição. Nós, ao contrário dos últimos 20 anos, já temos uma proposta muito concreta para o conseguir concretizar e achamos que estamos na reta final para a meta de conseguirmos atingir esses objetivos. E achamos também que se olharmos, por exemplo, para a Alemanha, que está a legalizar a cannabis, que há um consenso cada vez maior para que isso aconteça. Queremos promover a emancipação jovem. Neste sentido, queremos ser uma espécie de sindicato de todos os jovens portugueses e, portanto, na área do trabalho temos, além das questões de salário que já temos vindo a falar, assegurar a proibição dos estágios não remunerados e assegurar o pagamento das horas extraordinárias, porque os jovens portugueses são dos jovens com mais horas de trabalho ao nível da Europa e quando não lhes pagam essas horas, é uma grande falha no seu salário.
NSL: Tem uma ideia de que universo é que estamos a falar em termos de estágios não remunerados em Portugal para os jovens?
MCM: Temos três tipos de estágios não remunerados. Os das ordens profissionais, onde já temos uma proposta em vias finais de ser concretizada. É na lei-quadro das ordens profissionais, a obrigação da remuneração dos estágios. Algumas ordens já o fazem, por exemplo, como a ordem dos psicólogos, mas por exemplo, na Ordem dos Advogados não é assim. Nós exigimos esse princípio que, depois, vai assegurar que as horas profissionais, naquela que é a sua regulamentação dos estágios que exigem, assegurem que eles são remunerados. Temos, depois, os estágios curriculares que são frequência obrigatória para acabar um curso e nós não podemos permitir que um estudante se desloque da sua instituição de ensino superior, vai fazer um estágio e não recebe qualquer tipo de apoio.
NSL: Nesse estágio curricular, a vossa proposta é que haja alguma compensação pela deslocação?
MCM: Nos Açores, no ano passado, foi aprovada uma proposta da Juventude Socialista no sentido de criar esse apoio. E nós, neste Orçamento do Estado, apresentámos essa mesma proposta e, portanto, isso passa para uma primeira fase, neste momento, de caraterização do universo dos tais gastos médios dos estudantes para podermos formular essa política de apoios da melhor maneira. E temos um terceiro tipo de estágio, que são aqueles que não se enquadram nas ordens, mas que são de natureza profissional. E nós temos apenas que estabelecer uma regra muito clara, já em 2011 tentámos estabelecê-la, mas também acionar a capacidade da ACT para travá-las. Todos os estágios têm de ser remunerados, porque trabalho não remunerado é uma forma de escravatura moderna que nós não podemos aceitar. Depois, uma preocupação com a política da habitação, onde achamos quem para além de construção de habitação pública, é preciso intervirmos no mercado privado de habitação, onde 60% das casas estão para comprar, não estão para arrendar e, portanto, não nos basta. O Porta 65 Jovem tem sido expandido na mesma linha que nós temos vindo a defender. Mas é preciso políticas de apoio à compra da primeira habitação, porque muitas vezes é mais barato do que arrendar
NSL: Por exemplo?
MCM: É muito simples. Os jovens não conseguem comprar habitação porque não tem os 20% de capital de entrada. E se nós olharmos para o panorama europeu, da OCDE, a maior parte dos países tem uma política que nós em Portugal também já temos para as empresas e para os jovens que querem frequentar o mestrado e não têm dinheiro para o fazer, que é a garantia mútua. Um empréstimo com garantia mútua. Em vez de emprestar em 80%, empresta 100% e o Estado garante aqueles 20%. Ao dar essa garantia, o banco sente-se confortável, sente-se à vontade para poder emprestar aos jovens. É uma política que custa pouco, que permite alavancar pouco dinheiro público para muito apoio à compra de habitação e que, de facto, tem uma vantagem, por exemplo, face àquilo que já existe para as empresas. É que a taxa de incumprimento dos empréstimos para as empresas é várias vezes maior do que a taxa de incumprimento para o crédito à habitação e, portanto, seria um investimento também seguro da parte do Estado. Por fim, sinalizaria algumas causas emergentes que nós temos vindo a afirmar. A causa do clima, de que já falarmos, a causa da saúde mental, em que um em cada quatro jovens já pensou ou tentou o suicídio, um em cada quatro jovens já se auto mutilou para lidar com problemas de saúde mental. E o tema da coesão territorial também já falámos. E algumas narrativas que nós queremos contrariar, nomeadamente na área do crescimento económico. Queremos afirmar uma política socialista para crescermos mais.
O PS já conseguiu multiplicar por dez o crescimento económico e queremos dizer aos jovens que não é a Iniciativa Liberal que tem o segredo do crescimento económico, é mesmo o PS.
Queremos afirmar uma política de renovação democrática também nossa e queremos assegurar uma reforma da escola pública, porque não é aceitável termos o modelo que temos, neste momento, que é expositivo, em vez de ser um modelo que envolve estudantes. Nós temos, hoje, redes sociais em que as pessoas estão sempre em conversa uns com os outros e, portanto, não podemos ter aulas de 45 minutos e, depois, um exame a debitar tudo. Isso já não é um modelo que funcione e vimos, recentemente, Portugal, outros países da Europa, com menor satisfação na escola. Isto, no final do dia, vai gerar menos resultados educativos e nós não podemos aceitar isso.
NSL: E se tivesse de começar essa reforma educativa, por onde é que começava? Por essa tentativa de mudar a maneira como se dão as aulas e como os alunos interagem com a escola?
MCM: Isto é mexer numa estrutura muito complexa. É natural que vamos precisar de mais formação para os professores. É natural que nos próximos dez anos se vão formar muitos professores e temos que assegurar que a nova fornada de professores, por assim dizer, está pronta para fazer esta mudança. Mas nós, sobretudo, apontamos para questões de estrutura. Desde logo, em 2012, os jovens foram excluídos do conselho pedagógico. Achamos que, pelo contrário, é preciso dar um sinal de inclusão dos jovens nos órgãos de decisão das escolas para que, enfim, eles possam participar nesta reorganização da escola. Por outro lado, a própria organização curricular deve procurar ser um bocadinho diferente. O PS começou a introduzir isto com projetos de inovação pedagógica, poder dar aulas de várias disciplinas em conjunto. Por exemplo, em vez de termos uma aula de Matemática, Português e de Físico-Química, termos um momento dedicado às alterações climáticas, em que se tem exercícios de Matemática, exercícios de físico-química, lê-se textos de português e faz-se a interpretação dos textos. Poderem ensinar matéria à volta de temas que interessem, que cativem os jovens, que puxem por eles e, portanto, seja a puxar pela inovação do ponto de vista da estrutura do currículo, do ponto de vista da própria instituição da escola ser mais democrática e envolver os estudantes nesta reorganização, achamos que há muita coisa para fazer e que, naturalmente, não pode deixar aquela que é argamassa essencial de uma comunidade educativa que são os professores, que são o pilar mais importante e que temos que contar com eles e mobilizá-los para este desafio de poder ensinar de um modo que as novas gerações se sintam cativadas por isso.
NSL: Essa mudança, essa reforma quase estrutural na Educação resulta do vosso estudo sobre o que foi feito noutros países?
MCM: Sim, há excelentes boas práticas que nós temos vindo a catalogar e a analisar nos últimos anos. Agora, temos a certeza de uma coisa, que é que a escola é um assunto demasiado sério, demasiado complexo para nós darmos por terminado o nosso estudo e, por isso, nós entendemos que isto é uma prioridade para o próximo mandato, mas é uma prioridade que, naturalmente, exigirá mais debate, mais análise, mais estudo e, portanto, a JS também sabe reconhecer que não é a dona da razão. E que ainda há um processo de ouvirmos a sociedade para construirmos isto, até porque esta reforma não pode ser feita sem os professores, sem os diretores das escolas e, portanto, não vimos para aqui com uma postura de arrogância de sabemos tudo sobre o que queremos, mas sempre com uma postura de grande irreverência, de grande inconformismo em relação ao que está e da urgência de agirmos.
NSL: Já disse, mais do que uma vez, que os socialistas e a JS, em particular, são o melhor aliado dos jovens. Mas há um eterno problema sempre que se fala neste universo de eleitores jovens, que é quebrar a barreira que existe entre os mais novos e a política. Como é que a JS pode ajudar nesse desafio?
MCM: Nós, se olharmos para os dados que recentemente foram apresentados pela Fundação Calouste Gulbenkian sobre a participação política dos jovens, nós vemos um dado muito interessante, que é os jovens portugueses não participam menos do que os jovens de outros países europeus e não participam menos que outras gerações no nosso país em relação a formas não formais de participação democrática. Participam menos é no voto e no contacto com os partidos políticos e, portanto, nós não podemos encarar um afastamento dos jovens da política, temos de encarar é que os partidos não estão a conseguir aproximar-se dos jovens. E quando a Fundação Calouste Gulbenkian aprofundou um bocadinho o porquê disto, nos seus estudos, indicou duas áreas fundamentais. Por um lado, a literacia. Nós podemos partilhar com os jovens e onde os jovens estão, o que é que nós estamos a fazer na política, o que é que é isto de fazer política. Nós vamos ter de, nos próximos dois anos, como Juventude Socialista, tentar aproximar-nos das escolas e tentar ter este programa de dizer “isto não é apenas um conjunto de 230 deputados lá em Lisboa a decidirem as coisas”. Isto não é apenas uns peritos na televisão a falarem coisas muito complexas. Isto tem a ver com o teu dia-a-dia e tu podes opinar sobre política, ter uma opinião e a tua opinião é tão válida como a de qualquer outra pessoa, porque tu és um perito naquilo que te acontece no teu dia-a-dia. E, portanto, democratizar a discussão política é muito importante e nós estamos a lançar um desafio a outras juventudes partidárias no sentido de desenvolvermos em conjunto um programa de literacia política nas escolas. Porque isto não é sobre endoutrinar ninguém, nós queremos é assegurar que os jovens se sentem à vontade para ter uma participação política. Mas o segundo dado mais importante desta Fundação Calouste Gulbenkian é que os jovens participam quando sentem que a sua participação é consequente, porque, senão enfim, têm outras coisas para fazer: namorar, jogar à bola, verem séries na Netflix, estudarem, trabalharem... Aquilo que é a minha grande missão e o que me fez escolher como mote da nossa candidatura Tempo de agir, no nosso Congresso Transformar o mundo por nossas mãos, é mesmo transmitir que nós na JS não fazemos apenas o diagnóstico dos problemas, não nos estamos sempre a queixar, a falar dos problemas dos olivais, como o meu homólogo da JSD, mas perante os problemas, pensamos nas soluções e, depois, redigimos as perguntas, os projetos de lei, vamos falar com os presidentes de câmara e vamos fazer o que for preciso para que estas ideias se transformem uma realidade. Eu nunca me vou esquecer de um jovem que veio ter comigo numa sessão da JS e que me disse ‘Miguel, eu não sei se vou poder ir para o ensino superior porque eu não posso esperar três, quatro, cinco meses para saber se vou ter uma bolsa. A minha família não tem condições económicas para isso.’ Eu recebi a ação social escolar no ensino secundário, porque é que eu não recebo automaticamente no ensino superior’? E acendeu-nos uma luz: isto devia ser óbvio. Pusemos isso na nossa moção global, apresentámos no Orçamento de Estado. Começou por ser apenas o primeiro escalão da Ação Social Escolar, que teve esta transição automática, e já neste ano letivo o Governo alargou a todos os escalões da Ação Social Escolar. Não só aquele militante viu realizado o seu propósito de participar politicamente, como mudou a vida de dezenas de milhares de jovens. Foi isso que conseguimos no direito ao esquecimento, foi isso que conseguimos em tantas outras questões e é isso que eu quero transmitir aos jovens. Na JS têm uma casa aberta, uma casa comum para transformarem a sociedade, para os vossos problemas terem uma resposta. E é isso que nós, como socialistas, temos de fazer: pôr a maioria nas mãos dos jovens.
NSL: Outro dos problemas é explicar ou ter uma postura pedagógica em relação ao Estado e aos benefícios que os impostos trazem a todos nós. Como é que se explica aos jovens e a quem está a começar a sua vida profissional que a presença do Estado e os impostos servem para alguma coisa na vida deles?
MCM: Nós temos, de facto, que assegurar que os serviços públicos são serviços que respondem ao conjunto da população. Nós passámos por um período agora de reinvestir nos serviços públicos, que estavam muito depauperados, e dirigimo-los naturalmente também a quem sentia mais desigualdades sociais e estava em situações de maior pobreza. E o combate à pobreza é um desígnio fundamental dos socialistas. Nós temos de assegurar que a classe média também tem acesso aos serviços públicos e também beneficia deles. É por isso que foi importante os manuais escolares serem gratuitos para todos. É por isso que foi importante os 125 € terem sido para todos os salários até aos 2.700€, é por isso que é importante as creches gratuitas serem para todos e, portanto, há aqui um trabalho de alargar a base social do Estado Social. Há também um trabalho do ponto de vista da desburocratização. Em vez de sermos um Estado transacional, temos um Estado relacional e isso tem sido alcançado de duas maneiras. Por um lado, com a aplicação automática das prestações sociais, foi assim com a tarifa social da eletricidade e a JS disse ‘se isso funcionou com a tarifa social da eletricidade, vamos aplicar a outras prestações sociais’. E o Ministério do Trabalho, entretanto, anunciou que ia dar seguimento a esta proposta da JS para começar a aplicar automaticamente, com a informação que já tinha dos rendimentos das pessoas, as prestações sociais, sem ser necessário um requerimento, um pedido para aceder a essas prestações sociais. As pessoas estão a trabalhar, não têm tempo para irem à Segurança Social, muitas vezes, pedir este tipo de apoios. Além disto, é preciso naturalmente ter uma conversa sobre o modelo de sociedade que nós queremos. Nós queremos ter um modelo de sociedade em que, perante a doença, apenas se possa ir tratar quem tinha dinheiro ou, enfim, se tivermos um modelo de cheque ensino ou de cheque saúde, em que haja hospitais de primeira para quem consegue pagar o extra com o cheque saúde e o cheque ensino não cobrem e, depois hospitais e escolas de segunda, para quem não tem essa capacidade. Essa estratificação social não é algo que nós desejamos. Achamos que realmente, perante a doença, perante a educação, é preciso termos instituições públicas de qualidade. E se há lacunas, que existem nas instituições, são humanas e, portanto, há sempre falhas, o nosso empenho tem de ser alocar mais recursos e atenção e melhorá-las e não as esvaziar para as instituições privadas. Mas sem dúvida que isto é um grande desafio desta governação socialista. Terminarmos estes 11 anos de governação com os serviços públicos de maneira que as pessoas se possam rever no seu valor e na sua qualidade.
NSL: Outro dos desafios que uma maioria absoluta representa sempre tem que ver com a ligação entre os partidos e o governo às pessoas. Qual é que acha que deve ser o papel da JS nesta legislatura?
MCM: O nosso papel é, por um lado, acrescentar causas, preocupações, acrescentar pessoas e, portanto, assegurarmos a ligação. Em vez de sermos a voz do PS nos jovens, sermos a voz dos jovens no PS e, portanto, também fortalecermos a nossa ligação ao associativismo juvenil, conseguirmos estar presente onde os jovens estão. Nós temos feito várias ações junto das escolas. Queremos agora alargar as nossas “actions weeks” para os locais de trabalho para conseguirmos assegurar uma melhor ligação aos jovens que já estão na fase da sua vida profissional. Achamos também que é importante assegurar que o PS mantém os seus horizontes abertos do ponto de vista do diálogo político. Ninguém é dono da razão. Numa democracia, o valor da democracia não é apenas fazermos eleições de quatro em quatro anos e podemos tirar de lá quem possa ter perdido a razão… também é muito sobre haver um valor no próprio processo de diálogo democrático.
NSL: Diálogo com quem?
MCM: Diálogo com a esquerda e com os partidos ecologistas, nomeadamente com o PAN. Achamos que é importante, além dos momentos do orçamento que nós temos de analisar as propostas e nós temos tido um papel nesse sentido. Fizemos pressão para que o ano passado a semana de quatro dias fosse aprovada. Este ano também tivemos aqui um conjunto de vitórias nesse sentido nas aprovações nas propostas de outros partidos. Achamos que é importante preparar as convergências nos próximos dez anos e, por isso, no ano passado, no Congresso Nacional do Partido Socialista, lancei o desafio de se organizar uma nova reunião da Aula Magna das esquerdas, tal como fizemos no período da troika, porque
o diálogo à esquerda não pode ser apenas para superarmos a austeridade, não pode ser apenas para revertermos aquilo que a direita fez de mal.
Tem de ser para termos uma visão de futuro, uma visão positiva para a sociedade. E se nós partilhamos os valores do Estado Social e do combate às desigualdades com estes partidos, então temos de conseguir ter uma base de diálogo e superar o trauma daquela que foi a desavença do último Orçamento do Estado. Porque aqui não estão em causa as nossas emoções, está em causa fazermos o bem pelas pessoas, mudarmos a vida das pessoas e isso exige de nós uma responsabilidade acrescida de conseguirmos dialogar com esses partidos.
NSL: E como é que está essa iniciativa de regressar à Aula Magna de uma forma mais habitual?
MCM: Nós temos feito este desafio aos jovens das outras forças políticas e neste novo mandato vamos voltar a fazê-lo. E esperamos que, desta vez, essa nossa sugestão mereça mais colhimento. E, independentemente das forças políticas estarem ou não disponíveis para esse efeito, vamos desafiar independentes de esquerda para isso, porque é importante que a sociedade saiba quem, nos vários partidos, e quem, na sociedade civil, está disponível para fazer este trabalho de diálogo, para que os eleitores saibam que, independentemente de haver ou não uma maioria absoluta do PS, sempre que houver uma maioria de esquerda nós vamos ter a capacidade de nos entendermos para podermos fazer melhorias na vida das pessoas.