“Já estamos a utilizar Inteligência Artificial na Administração Pública”
Mário Campolargo foi, durante 30 anos, um quadro superior da Comissão Europeia até ao início deste ano, quando decidiu assumir a pasta de Secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa. Ao longo desta entrevista faz a revisão destes primeiros meses de governação. Começa pelas medidas em execução para garantir o número máximo de cidadãos com competências digitais, passa pelas iniciativas para assegurar a segurança e confiança nos serviços digitais, até chegar aos exemplos concretos, implementados a partir do Programa Simplex, de como a Inteligência Artificial já está a ser utilizada na Administração Pública e onde poderá aplicar-se no futuro.
Nuno Sá Lourenço: O mês de outubro foi o mês das competências digitais. Novembro é o mês da Web Summit. É o momento ideal para falarmos com o Secretário de Estado da Digitalização e da Modernização Administrativa. Mário Campolargo começou como engenheiro eletrotécnico e chegou a diretor-geral da Direção-Geral de Informática da Comissão Europeia. Senhor Secretário de Estado, muito obrigado ter aceitado o nosso convite. Esteve 32 anos nos altos quadros da Comissão Europeia. Este ano decidiu aceitar o desafio de ser secretário de Estado. Qual é a diferença entre enfrentar o “red tape” em Bruxelas e enfrentar a burocracia portuguesa?
Mário Campolargo: Olá, bom dia, Nuno, bom dia a todos. É um exercício superinteressante. De facto, depois de 33 anos passados em Bruxelas, com uma lógica de uma estratégia mais ao nível europeu, uma estratégia que tem um prazo mais longo, que passa pela integração de quadros políticos, regulamentares, culturais diferentes, voltar ao nosso país e ter esta responsabilidade em relação direta com seu Primeiro-Ministro, avançar na digitalização e na modernização administrativa com um foco muito mais pragmático, muito mais imediato, reagindo também à dimensão comunicacional e de imprensa. E implementando, na prática, uma estratégia que já vem de trás, mas que precisa ser revigorada a cada momento, porque esta questão digital leva-nos sempre a um nível superior, um nível mais ambicioso, e é sempre uma atividade em que o desafio é constante e as exigências que o nosso cidadão, cada vez mais digital, e as nossas empresas cada vez mais digitais, nos põem.
NSL: E não se arrependeu ainda de regressado?
MC: Antes pelo contrário, é um prazer estar aqui (risos). É um prazer voltar a Portugal e ter este privilégio, que é de facto um privilégio e uma missão, de trabalhar para servir Portugal. Aquele país onde eu nasci e que me deu esta oportunidade também de passar lá por fora e de agora trazer todo o conhecimento que adquiri lá fora e aplicá-lo aqui.
NSL: E tendo em conta a sua experiência, como é que fica Portugal quando comparado com os outros países europeus?
MC: Mas isso é que é um privilégio. Eu acabei de vir na semana passada da Coreia.
“Nós fazemos parte de um grupo que se chama “Digital Nation”, que são as dez nações mais avançadas ao nível mundial em termos de serviços de governo digital.”
Isto é um privilégio. É um privilégio estar lado a lado com a Nova Zelândia, estar lado a lado com o Reino Unido, com o Canadá ou com a Coreia, que são países obviamente reconhecidos como países líderes. E mais do que estar lado a lado. é perceber, a partir das conversas com os nossos homólogos, que algumas das nossas soluções, algumas das nossas perspetivas em termos de digitalização da sociedade e, em particular, da administração pública são, de facto, pioneiras.
NSL: Em que é que somos pioneiros?
MC: Por exemplo, temos uma carteira digital com os nossos documentos. Temos uma desmaterialização completa do nosso cartão de cidadão. Podermos viajar em Portugal hoje apenas com o nosso telemóvel, onde temos o nosso cartão de cidadão, a nossa carta de condução, por exemplo. Para mais, sendo que a implementação do Cartão de Cidadão desmaterializado é reconhecido como estando em linha com os regulamentos europeus e, portanto, reconhecido mutuamente por muitos outros Estados. Mas também na área da saúde temos a nossa App, SNS24, onde temos os resultados dos exames complementares de saúde. Isto é absolutamente pioneiro ao nível europeu e é evidente que é muito importante para o cidadão ter acesso aos seus, porque são os seus, os seus dados, na sua carteira digital ou na sua App. Mas mais importante é perceber a eficácia que isso traz ao Serviço Nacional de Saúde. É que os dados que os laboratórios geram e que são transmitidos de uma forma inteligível para os cidadãos, são também passados de uma forma estruturada para o médico, que, portanto, pode analisar de uma forma imediata. E isso é que é trabalhar para ter impacto no cidadão e para ter eficácia na Administração Pública. Isso é particularmente interessante.
NSL: O mês de outubro foi o mês das competências digitais. Durante este mês, qual foi o maior desafio que identificou para país e para a Administração Pública?
MC: Primeiro, porque precisamos, no nosso país, de um mês das competências digitais? Pela mesma razão que a União Europeia dedica o próximo ano ao ano das competências digitais. E nós antecipámo-nos uma forma, aliás, independente, mas alinhada nessa lógica. E porquê? Porque, por mais serviços digitais que tenhamos, quer serviços públicos, quer serviços privados, se a nossa população não os souber utilizar, de nada vale. Portanto, uma coisa vai a par com a outra. E Portugal é reconhecido, no indicador DESI, que é o indicador europeu para a sociedade de informação - em que, aliás, subimos mais um degrau e estamos, neste momento, em 15.º no conjunto dos 27 países - e esse reconhecimento é muito interessante, primeiro porque baseia-se num conjunto alargado de fatores. Um deles é precisamente o fornecimento de serviços digitais, onde nós estamos acima da média europeia, ou muito alinhados com a média europeia. Mas, no número de pessoas que utiliza a Internet no dia-a-dia, estamos ainda com 15% da nossa população que não utiliza. Portanto, é fundamental que nós dediquemos toda a nossa energia a garantir: primeiro, competências básicas e depois competências cada vez mais acrescidas ao nível do emprego, ao nível das pessoas que trabalham como independentes.
“Anunciámos uma nova fase do UpSkill, um programa muito importante que permite a reconversão de pessoas que estão desempregadas na área das TIC.”
E é por isso que neste nível das competências digitais, nós tivemos uma campanha alargada para promover a cidadania digital com as competências mais básicas. Ou seja, trazermos pessoas que não estão ainda no domínio do digital para esse domínio. Muitos dos jovens nascem já como nativos digitais e estes são os novos digitais, as pessoas que acima de 45 anos não têm estas competências, não conseguem utilizar a internet para pesquisar informação, que quando estão desempregados não conseguem aceder aos sites do IEFP ou para que tenham acesso aos serviços digitais que nós, da administração central, mas também da administração local, lhes damos ou possam fazer compras online, isso foi importante durante a pandemia. Mas também depois que possamos escalar este nível de competências. Foi por isso que anunciámos uma nova fase do UpSkill, que é um programa muito importante, que é um programa que permite a reconversão de pessoas que estão desempregadas na área das TIC. E que tem, além do mais, um compromisso não só da Administração Pública, mas também das Universidades na formação, mas acima de tudo, nas empresas que se comprometem depois a receber essas pessoas que estão mais qualificadas. Mas também anunciámos o Programa Emprego + Digital 2025 que tem, aliás, um conjunto de ações muito importantes, porque permite a formação das pessoas no ambiente laboral, na sua fileira económica e em conjunto, através da formação dada pelas entidades empresariais, pelas confederações, etc. Permite também fazermos uma formação específica para os líderes, os líderes nas nossas empresas para que os próprios entendam e apliquem na prática esta liderança digital. Permite também a autoformação e permite também que nós trabalhemos com os formadores para que os próprios sejam formadores mais digitais. E é importante que este conjunto de ações – este é um pacote [verbas inscritas no PPR para a área das competências digitais] de 94 milhões - é complementado também pela Academia, Portugal Digital, na qual nós temos cursos grátis, mas mais do que isso, podemos fazer um diagnóstico das nossas competências digitais, e baseado nesse diagnóstico, é-nos dado um plano de formação para nós podermos, de uma forma gratuita, avançarmos.
NSL: E entre esses dois programas que têm metas definidas em termos de quantidade de pessoas que pretender formar?
MC: Sim, é muito concreto, temos um objetivo de 200.000 pessoas formadas no contexto do emprego mais digital, que é efetivamente um número muito significativo.
NSL: 200 mil no próximo ano?
MC: Durante o período do PRR, para o Programa Emprego + Digital. Para o UpSkill vamos tentar chegar a 3000 pessoas com esta nova fase. Há um interesse muito grande. Numa primeira fase conseguimos ter 400 e tal pessoas, se a memória não me falha, vamos avançando por aqui. Mas o que verificamos é que sempre que abrimos o UpSkill temos milhares de pessoas interessadas e as pessoas dão um testemunho vívido, muito interessante de como o UpSkill transformou a vida delas. Temos aqui uma lógica de competências digitais para toda a gente, trabalhar na requalificação dos empregados, dos dirigentes e depois temos algumas áreas que também particularmente importantes. A área de cibersegurança, que é uma área absolutamente fundamental para garantirmos que as pessoas sintam a confiança no ambiente digital que têm no ambiente físico - e felizmente, em Portugal é um país reconhecido por dar confiança no ambiente físico - temos uma proposta de formação muito alargada para os quadros das empresas, da Administração Pública, que visa chegarmos na ordem de 9.800 10.000 pessoas formadas em competências cibersegurança. E uma vez mais, é importante porque não o fazemos de uma forma desintegrada. Chamamos os politécnicos, chamamos as universidades para cooperarem connosco, para darem uma oferta formativa de 44 cursos espalhados, aliás, por todo o país, onde as pessoas que tenham interesse nesta área se podem formar por módulos e ter uma formação muito avançada na área de cibersegurança
NSL: Isso não só para a Administração Pública, mas também para o setor privado?
MC: Exatamente.
NSL: Durante a vigência do PRR?
MC: Sim, os 9.800 são focados sempre durante a vigência do PRR. Portanto, este mês das competências digitais teve outros detalhes que me parecem particularmente interessantes que são, por exemplo, as escolas abriram-se aos pais, avós, vizinhos e são jovens que dão a formação básica de competências. As próprias GNR e PSP, fizemos acordos, protocolámos com a ANAFRE, a Associação Nacional de Freguesias. Com o IPDJ, fizemos também trabalho para que a partir de janeiro possamos ter uma boa movimentação muito alargada neste processo. Portanto, o Governo tem esta lógica, uma perspetiva de envolvimento de todas as pessoas. Cada um de nós tem de ser um ator na formação das competências básicas de toda a população para que nós coletivamente evoluamos para um país ainda mais digital.
NSL: E qual é o objetivo em termos de metas de erradicação dessa iliteracia digital que ainda vão subsiste?
“Os objetivos ao nível europeu são que pelo menos 80% das pessoas utilizem internet no dia-a-dia. E nós já estamos mais ou menos a esses níveis. Mas a ambição do Governo é muito maior, é que não deixemos ninguém para trás. E isso enquadra-se muito nesta lógica de que a Administração Pública tem de disponibilizar, aos cidadãos e às empresas, cada vez mais serviços digitais.
MC: Mas disponibilizar serviços digitais pressupõe que as pessoas o possam utilizar. Quando as pessoas não os podem utilizar, temos dois ou três aspetos muito importantes. Primeiro, darmos formação, ajudarmos as pessoas a fazer a sua jornada para uma digitalização e para um conhecimento básico da digitalização. Garantirmos que a conectividade ao nível do país não deixe zonas completamente brancas [sem acesso] e garantirmos, enquanto para, além do fornecimento de serviços digitais, temos uma lógica Omni canal. Ou seja, pomos lado a lado o fornecimento de um serviço digital em que o Nuno, eu próprio, a maior parte da nossa população pode estar em casa e tratar dos seus assuntos com a Administração Pública através do canal digital, mas também termos uma lógica presencial e também termos uma lógica por canal telefónico e de também termos uma lógica por canal videochamada. E é esta lógica Omni canal que vai permitir que nós satisfaçamos os interesses do cidadão e das empresas, sem deixar ninguém para trás.
NSL: Uma das bandeiras da Modernização Administrativa do Estado português sempre foram as Lojas do Cidadão. No entanto, nos últimos anos têm existido situações complicadas com filas de espera. nas lojas, decisão. Apesar do sucesso do programa em si, há coisas que podem ser melhoradas.
MC: Sempre. Vamos olhar isto sob duas perspetivas. As Lojas do Cidadão são, no fundo, One Stop Shops: Trouxemos as entidades para o mesmo sítio físico e isso teve um papel revolucionário importante. Foi, aliás, integrado na lógica de outros países. Foi reconhecido internacionalmente como como um paladino destas soluções. Mas temos que evoluir e a evolução passa por termos a capacidade de perceber e de antecipar, por exemplo, esses picos que, em determinado momento, favorecem a criação de filas – não na Loja do Cidadão, mas às vezes num serviço específico daquela Loja do Cidadão. E há alguma degradação, aliás a loja das Laranjeiras, que foi a primeira e icónica, está neste momento em profunda remodelação. Mas temos outras lojas no país, como Viseu, Aveiro ePorto, onde estão a ser sujeitas feitas remodelações. Mas, acima de tudo, queremos pensar que as novas Lojas do Cidadão podem representar um novo modelo de interação com o cidadão.
NSL: O que o que é que esse novo modelo representa em termos de mudança?
MC: Neste momento, quando o cidadão vai a uma Loja do Cidadão, ainda tem de perceber muito bem qual é a estrutura orgânica da Administração Pública, porque quando entra numa Loja do Cidadão não pode exprimir na forma fácil que vai renovar o cartão de cidadão ou que vai pedir este ou aquele serviço. Tem que traduzir essa lógica numa estrutura que não é a fundamental. Eu quero é satisfazer a necessidade do cidadão. Se o cidadão tiver que tratar de mais do que um assunto, ele vai ter que ir a um e a outro balcão. Portanto, esta lógica de um balcão multisserviços que, aliás, já está implementado no Espaço Cidadão, em que nós temos um mediador que é uma face humana da Administração Pública, que se apresenta perante o cidadão, perante o empresário e lhe pergunta o que é que quer hoje tratar.
NSL: A mudança seria, independentemente, da mesa em que a pessoa se senta, poder tratar seja que assunto for?
MC: Exatamente. Haverá sempre limites. Estas transições não se fazem de um momento para o outro. Nos espaços cidadãos que estão, aliás, em muitas Juntas de Freguesia, que têm uma capilaridade muito grande, devo dizer, temos mais de 800 Espaços Cidadão e vamos fazer mais 300 Espaços Cidadão. Portanto, esta noção do Espaço Cidadão já está a fazer o seu percurso e ela consubstancia esta lógica. Que é ter o mediador que faz a interação entre o cidadão e de facto, na verdade, entre canal digital, porque hoje ele pode funcionar a partir dos serviços que o cidadão quer. Mas haverá casos um pouco mais rebuscados em que aquele mediador não se sente preparado. Com certeza, e passaremos a uma lógica de segunda linha, que é uma lógica de que quando eu não conseguir resolver através daquele balcão multisserviços o meu desafio, o meu problema, então eu serei convidado a passar a uma interação mais específica, aí sim com a Segurança Social, com a Autoridade Tributária, com outros departamentos.
NSL: E quando é que acha que essa nova forma estará implementada?
MC: É um processo evolutivo. Nas novas Lojas de Cidadão, elas não vão começar necessariamente com essa lógica, porque foram pensadas na lógica mais tradicional. Mas vão evoluindo lentamente.
NSL: Um dos problemas recorrentes que ouvimos falar quando falamos de Modernização Administrativa tem que ver com a captação e retenção desse tipo de pessoal qualificado. O que é que está a ser feito para enfrentar esse problema?
MC: Primeiro, estamos a fazer algum Reskilling, requalificação em termos da lógica digital. Estamos também a fazê-lo na Administração Pública, com o INA e com programas específicos. Aliás, também na componente C19, digamos, do PRR, também temos formação específica, mas este é um processo em que as entradas também de novas pessoas na Administração Pública trarão uma aproximação diferente do passado, porque as próprias pessoas já nasceram numa época digital. Portanto, vai ser também um processo como a própria sociedade evolui, adquire conhecimentos e afirma familiaridade com o digital. A administração pública também vai fazer. A lógica passará, contudo, pelos líderes da Administração Pública e por nós, enquanto Governo, passarmos claramente esta mensagem que a Administração Pública fornece serviços digitais, entra no mundo digital com a segurança, com a inclusão, com a acessibilidade e com a usabilidade, que permitem dizer que nós estamos verdadeiramente centrados no cidadão.
“Os nomes das Empresas na Hora são gerados através de inteligência artificial.”
NSL: Gostava também de olhar para o futuro, para as novas tecnologias disruptivas que começam a aparecer. Quando é que vamos ter Inteligência Artificial na estrutura do Estado português?
NSL: Isso é superinteressante. Nós temos que reservar um foco particular para as tecnologias disruptivas e de termos estratégias nessa área. E, de facto, nós até já temos uma estratégia na área da inteligência artificial, mas que como esta tecnologia disruptiva avança tão rapidamente, temos de renovar, é o que vamos fazer. Mas eu queria também dar a ideia de que nós já estamos a utilizar Inteligência Artificial na Administração Pública.
NSL: Onde?
MC: Dou um exemplo: a criação da empresa na hora. a criação da empresa na hora passa para uma coisa que parece ser de somenos importância, mas que é absolutamente fundamental, que é termos um nome para a nossa empresa. Esse nome era gerado e era proposto às pessoas, através de um exercício muito interessante de inovador da Administração Pública, que era um conjunto de pessoas que geravam nomes. Ora, isso neste momento é feito - e foi anunciado como uma medida Simplex - através da inteligência artificial, que vai gerar nomes de uma forma lógica, enquadrados na área industrial ou comercial, verificando, ao mesmo tempo, se esse nome tem algum problema de ser confundido com outros. E este é um exemplo muito simples. Mas também ao longo dos últimos anos se lançaram processos em colaboração entre a Fundação para a Ciência e Tecnologia e a Modernização Administrativa para utilizar inteligência artificial numa série de outras áreas. São muito interessantes os projetos estão a ser feitos com a ASAE precisamente para garantir que os percursos de auditoria que a ASAE faz, sejam determinados através de um algoritmo de inteligência artificial. Mas isso não impede que nós tenhamos uma lógica mais virada para o futuro. Há um conjunto de tecnologias evolutivas: os dados, a blockchain, a inteligência artificial. Podemos selecionar também a estratégia para a computação avançada. São áreas que nos desafiam, mas elas têm que ser interligadas. Ou seja, a lógica de definir uma estratégia para a Inteligência Artificial não pode ser independente da lógica da estratégia para os dados, porque os dados são a essência sobre a qual a Inteligência Artificial trabalha. E não podemos ter em Portugal uma ilha de estratégias independentes do nível europeu, porque nós estamos ao mesmo tempo a influenciar o quadro europeu e a influenciar as estratégias de inteligência artificial. Temos colaborado intensamente, nos últimos meses, nessa lógica europeia. Estamos a falar de espaços de dados nos quais os espaços de dados de saúde são particularmente importantes. E, portanto, temos aqui duas lógicas quando falamos em estratégias: uma lógica transversal entre as várias tecnologias disruptivas, uma lógica de coerência ao nível europeu e, acima de tudo, que as estratégias não sejam meramente documentos conceptuais, mas associado um conjunto de ações que pode considerar-se como um plano de ação
NSL: Tendo em conta essas ações emblemáticas, onde é que consegue imaginar esse tipo de novas tecnologias a ser aplicadas na prática, no dia a dia dos cidadãos portugueses?
MC: Na saúde, por exemplo. O diagnóstico e, obviamente, a decisão é sempre do médico, a decisão é sempre da pessoa competente, mas o diagnóstico de muitas das doenças pode passar por uma contribuição exemplar da inteligência artificial. Acelerando até o processo e dando mais confiança ao médico para tomar de sua decisão. Porque os algoritmos de inteligência artificial podem comparar um conjunto muito mais alargado que alguma vez um médico na sua própria experiência possa ter. Este é um exemplo concreto, mas podemos mencionar muitos outros.
NSL: Como por exemplo?
MC: Vamos pensar em termos de segurança. Podemos assistir a comportamentos que não são facilmente identificáveis pelo olho humano e que a utilização de inteligência artificial com parâmetros em que os sistemas vão aprendendo e permitem fazer um apoio à decisão. Imagine-se na área dos aeroportos, onde por vezes temos chegadas de aviões com muitas pessoas em que temos que fazer um controlo mais apertado. Portanto, há todo um conjunto de situações concretas em que a Inteligência Artificial ou o tratamento de dados de uma forma mais alargada é particularmente importante.