“O setor dos serviços e produtos digitais já vale uma Autoeuropa”
A vinda da Web Summit para Portugal resultou no florescimento de um novo cluster económico em Portugal. Mas só resultou porque o investimento e o apoio público à economia não se limitaram a financiar o evento: foi suportado, entre outras medidas, em políticas de apoio ao empreendedorismo, a incubadoras e à captação de capital de risco. Resultados? Portugal tem hoje mais unicórnios do que todos os países do Sul da Europa juntos. Empresas que, em 2015, valiam 2 mil milhões, valem agora 38 mil milhões. Um setor que em 2015 empregava 5 mil pessoas, emprega agora mais de 60 mil. O setor dos serviços e produtos digitais já vale uma Autoeuropa.
Nuno Sá Lourenço: Bom dia e bem-vindos a mais uma edição do Política com Palavra. Arrancou esta semana mais uma edição da Web Summit, uma iniciativa cuja localização em Lisboa só foi possível graças ao investimento e ao empenho do Governo português. Um bom pretexto para falarmos sobre políticas públicas de apoio à economia. Para tal temos connosco o professor e ex-Ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral. Professor, obrigado por ter aceitado o nosso convite para estar aqui connosco. O apoio do Estado português à economia funciona.
Manuel Caldeira Cabral: Funciona e vê se que funciona em várias áreas. Ou seja, a ideia é que só as empresas criam riqueza. É uma ideia que nas economias modernas e nas economias e sociedades avançadas se revela uma ideia incompleta. Ou seja, a riqueza é criada nas empresas, sim, mas é criada num contexto em que instituições públicas e instituições privadas agem de uma forma que é produtiva e que cria mais riqueza. Ou, pelo contrário, se as instituições públicas falham, as privadas também não conseguem funcionar. E, portanto, o que cria riqueza são políticas públicas bem concebidas, que permitem às empresas privadas conseguir o máximo dos recursos que têm, por terem incentivos em investir, em fazer investigação e melhorarem os seus produtos e, com isso, aumentarem a produtividade. As políticas públicas de que estamos aqui a falar são políticas de instituições públicas que funcionam bem, que são políticas públicas de infraestruturas, mas são também políticas públicas de formação e de recursos humanos e de apoio e de incentivos às empresas que sejam corretos. Em que áreas? Por exemplo, na área da inovação, em que é um tipo de políticas que existe em todos os países, desde os Estados Unidos, países tidos como mais liberais e menos intervencionistas do Estado. Por exemplo, na área da ciência e da inovação. Se não houver esta base, não pode haver o desenvolvimento e inovação feita por empresas privadas. E, nesse sentido, a inovação é um bom exemplo de que, com políticas públicas bem desenhadas, apoios e incentivos e também a criação de instituições que criam um ecossistema que diminua o risco para os empresários e potencie mais os seus investimentos, se pode conseguir fazer crescer mais o país, criar maior produtividade, criar empresas que crescem mais rapidamente e, com isso, avançar o crescimento económico. No contrário, quando se desinveste em inovação, não só o desinvestimento público acaba por desalavancar também investimento privado. Em toda a Europa, nos países desenvolvidos, cerca de 30% de investimento em inovação e desenvolvimento é feito por fundos públicos. E é bom lembrar que quando se investe 50/50 quando se dá incentivos públicos, há sempre o investimento privado. Os outros 50 poderiam não acontecer se não houvesse um incentivo público. Portanto, os incentivos públicos são mais ou menos um terço do gasto, mas normalmente influenciam mais de dois terços dos gastos em inovação e influenciam no sentido positivo de, com essa alavancagem pública, estimularem mais investimento privado.
...a inovação é um bom exemplo de que, com políticas públicas bem desenhadas, apoios e incentivos e também a criação de instituições que criam um ecossistema que diminua o risco para os empresários e potencie mais os seus investimentos, se pode conseguir fazer crescer mais o país, criar maior produtividade.
NSL: Na Europa já temos muitos anos de políticas europeias de apoio europeu, como é o caso dos fundos comunitários. Existem estudos académicos sobre o efetivo impacto que um Estado pode ter quando apoia uma economia?
MCC: Existem estudos sobre apoios públicos, por exemplo, na área da inovação, que em geral, o que concluem é que a inovação ou o apoio à inovação dado pelo Estado gera mais investimento privado. Ou seja, os privados se iam investir, por exemplo, 30 e recebem outros 30 do Estado, em vez de investirem em 30, investem 40 ou 50. E como recebem uma contraparte do Estado que alavancou o seu próprio investimento, isso significa que qual aumento do investimento, a inovação e a investigação e desenvolvimento é, em geral, maior do que só o incentivo não acrescenta só alavanca e torna mais investimento. Há claramente muita literatura de crescimento económico que mostra a importância da inovação para o crescimento económico. E há também muita literatura que demonstra as falhas de mercado que existem na inovação, que têm a ver com o risco, com incerteza, tem a ver com a distância de tempo ao mercado que desincentivam e que fazem com que, se a inovação não tiver incentivos públicos, benefícios fiscais ou incentivos como são os nossos fundos comunitários, acabará por ter um nível de investimento em inovação que é sub-ótimo. Ou seja, enquanto os mercados para produzirem os bens normais tendem a criar uma situação em que produzem um nível ótimo de bens para maximizar o bem-estar, no caso da inovação, como é um setor em que há muito risco, muita incerteza, informação assimétrica, etc, tenderá a haver um investimento sub-ótimo se não houver este género de incentivos. O caso da Web Summit é um bom exemplo. Ao trazer para cá este grande evento, acabámos por contribuir para o crescimento do evento, mas acabámos também por contribuir para dar notoriedade a Portugal na área tecnológica e por atrair investidores que depois vieram investir nas nossas empresas.
NSL: Criar um ecossistema como agora se diz.
MCC: Exatamente. E se uma pessoa for ver o que aconteceu ao ecossistema desde 2015 - a primeira Web Summit é em 2016 - mas as políticas de apoio às start-ups que começámos, o programa Start-Up Portugal, por exemplo, em 2016, estes apoios tiveram um efeito no ecossistema a diferentes níveis. O que se fez foi, não criar uma ou outra medida, mas criar um conjunto de medidas. Um conjunto de medidas que incluiu a promoção do empreendedorismo, que incluiu apoios aos empreendedores, como por exemplo, o start up Voucher, que incluiu o reforço do capital de risco. E, de facto, houve um grande reforço do capital de risco. Só naqueles três, quatro anos foram quase mais 1000 milhões de capital de risco alavancados pelo Estado, o que significa que depois o investimento privado que o acompanha dá mais do dobro. Tudo isto junto atuou de uma maneira que fez com que surgissem mais projetos empreendedores, porque havia apoios ao empreendedorismo, mas fez com que esses projetos de empreendedores, que depois morriam na praia, tivessem também mais acesso a capital de risco e pudessem crescer. E o que aconteceu, foi que em 2015, Portugal não tinha nenhum unicórnio, hoje tem sete, ou seja, tem mais unicórnios do que todos os outros países do sul da Europa juntos. Os outros países do sul da Europa incluem Espanha e Itália, que são economias bastante maiores do que a nossa. E o valor dessas empresas tecnológicas não ultrapassaria os 2 mil milhões €, todas juntas, em 2015 ou início de 2016. Atualmente chega aos 38 mil milhões. Estamos a falar de 18% do PIB. O emprego criado nestas empresas tecnológicas portuguesas ou com fundadores portugueses passou de qualquer coisa como 5.000 para mais de 60.000. Estamos quase a atingir as 70.000 pessoas a trabalhar nestas start ups e empresas aceleradas e empresas que se tornaram unicórnios. E isto, de facto, foi uma revolução muito grande. É um novo setor exportador, é um novo setor criador de emprego e de emprego de qualidade, com salários muito acima da média e que emprega especialmente jovens, que teve um contributo grande para o crescimento económico, mas também para evitar que alguns destes jovens que têm talento e que o que estavam a fazer era sair do país, pudessem encontrar oportunidades com carreiras interessantes no nosso país. E o que estamos a falar é de uma criação de um ecossistema, com uma rede nacional de incubadoras que criámos e que pôs as incubadoras trabalhar umas com as outras, com vistos especiais para as start-ups - o Start-Up Visa - todas estas medidas atuaram no mesmo sentido, e foram também alavancadas pela Web Summit, que ajudou com estas medidas e com o crescimento do empreendedorismo que estava a acontecer, a que viessem investidores estrangeiros e a verdade é que se tivéssemos feito só a Web Summit e não tivéssemos feito esta parte de medidas de incentivo ao empreendedorismo, de apoio ao capital de risco, de incentivos também fiscais, de criação de uma rede de incubadoras, se não tivéssemos feito tudo isto, a Web Summit tinha acontecido cá, as pessoas vinham cá, os investidores diziam que Portugal era um país fantástico, com um clima muito bom, com vinho ótimo e iam-se embora. E o que aconteceu foi que eles vieram e como viram o que estava a acontecer também investimento nas empresas, divulgação das empresas, etc, quiseram ver as empresas portuguesas e alguns, no primeiro ano, diziam que era uma pena só terem dois dias e só terem contactado com empresas aqui, mas que para o ano e ficar mais tempo. No segundo ano, muitos já fizeram rondas por todo o país. Nós também fizemos contactos, nós aproveitamos muito bem a Web Summit. Fizemos um programa que era o Road to Web Summit, em que pegámos em cerca de 100, 150 empresas, no total, mais de 300 empresas, que treinávamos para a Web Summit durante seis meses, participavam em seminários, em colóquios, para que, quando chegassem à Web Summit, saberem falar com os investidores, terem um negócio mais definido, etc. E isto criou uma ideia nos investidores internacionais de que havia coisas acontecerem em Portugal. Claro que só criámos esta ideia porque havia coisas acontecer em Portugal, mas se não tivéssemos o alavancado e se tivessem a acontecer coisas, mas coisas que morressem na praia porque não tinham capital de risco, que era um pouco o que estava a acontecer anteriormente, nada tinha acontecido. Nos quatro anos anteriores a 2015, o investimento médio de capital de risco por ano em Portugal tinha sido à volta de 30 milhões €. em 2016/2017 aumentou e em 2018 passámos de uma média de 30 milhões para já 500 milhões. Em 2021 atingimos os 1100 milhões. Em 2022, só no primeiro semestre já estávamos a ultrapassar os 700 milhões. Ou seja, estamos a ter neste momento um volume de investimento em empresas tecnológicas em Portugal muito elevado, um crescimento do ecossistema que se pode dizer - bem as empresas tecnológicas estão a crescer em todo o lado - o que é verdade, mas cresceram muito mais em Portugal do que na generalidade dos outros países do sul da Europa ou mesmo do que os países de Leste, com que as pessoas gostam de nos comparar e tirando talvez a Estónia, e Portugal passou a aparecer de repente como um país especialmente bom para fundar e para fazer crescer uma start up ou uma empresa tecnológica. E, de repente, temos nas 20 melhores cidades para criar e crescer uma start up, duas portuguesas, quando na Europa só temos dois ou três países que têm isso. A maior parte dos países tem uma cidade ou não tem nenhuma entre as 20 melhores cidades para crescer uma certa. Isto foi um resultado dos nossos empreendedores, do talento que já cá tínhamos, mas a verdade é que o talento já cá estava antes e em muitos casos, o que estava a fazer era emigrar. Noutros casos, o que estava a fazer era fundar empresas, mas como não tinha condições, morriam na praia, e noutros casos estavam a fazer outras coisas e a desistir, porque de facto não estavam a conseguir e de repente passámos de estas empresas valerem 2 mil milhões para 38 mil milhões, um crescimento de facto exponencial.
O emprego criado nestas empresas tecnológicas portuguesas ou com fundadores portugueses passou de qualquer coisa como 5.000 para mais de 60.000.
NSL: Outra coisa que eu também queria abordar tem que ver com o que acontece depois, se é que é um depois, ou seja, temos estas políticas de apoio e de investimento de dinheiro público. Mas há de haver uma altura, o que deixa de fazer sentido ou que é deixa de haver a possibilidade de apoiar. Este é um tipo de investimento que no longo prazo fica no país. Tem resultados perenes ou é algo que morre quando acaba o apoio de um Estado?
MCC: Não, estes investimentos ficam no país. Há exemplos de grandes investimentos, como por exemplo, a Autoeuropa, que vieram para Portugal também por terem incentivos ao investimento, incentivos à inovação e que estão cá já há muitos anos e têm vindo a ficar porque depois criam todo um cluster de empresas de fornecimento, etc.
NSL: Desculpe interrompê-lo, mas o facto de no início ter havido esses apoios do Estado depois não tem um efeito pernicioso que tem que ver com essas empresas e essas áreas da economia acabarem por exigir esse tipo de apoios para permanecerem no país?
MCC: Não, no sentido em que as empresas, quando vêm, não vêm apenas pelos apoios, embora os apoios sejam um aspeto importante. Dou-lhe o exemplo, da Bosch, em Braga. Foi um projeto com um nível de financiamento principalmente alavancado por fundos estruturais, um nível financiamento grande, porque era um projeto de desenvolvimento não apenas de capacidade industrial, mas de capacidade de investigação e desenvolvimento feita em Portugal, que Bosch trouxe para Braga, em conjunto com a Universidade do Minho e criou 400 empregos na Universidade do Minho, com pessoas a fazer investigação, e com mais de 1000 empregos na própria Bosch. Isto foi a primeira fase. Entretanto, a Bosch já foi fazendo outros projetos e funcionou em investigação em rede, com a Universidade do Minho, que foi transferindo mais e mais produção. Portanto, os 1000 empregos iniciais que o projeto ia criar, se for ver, a Bosch em Portugal já criou mais de 2000 empregos. O aumento de exportações também era mais ou menos de 1000 milhões que se previa. Já vai também em bastante mais do que isso. E, portanto, estes projetos muitas vezes precisam de apoio inicial para arrancar, para ligar as diferentes partes. Mas depois fazem o seu caminho. Há áreas em que é diferente disso. Quer dizer, as empresas precisam de infraestruturas, é preciso fazer uma autoestrada, não é preciso estar sempre a fazer mais autoestradas. O que era preciso era uma ligação ou uma linha ferroviária para ligar ao porto. Isso está feito, fica feito. Há outras áreas, como a inovação. Não se faz hoje e por fica-se a viver da inovação durante dez anos, não. Se durante esses dez anos não fizermos a inovação, rapidamente vamos decair. E, portanto, o apoio à inovação deve continuar. Estes apoios tiveram alterações estruturais muito fortes e algumas ficaram. Estas empresas tecnológicas portuguesas surgiram da iniciativa, das ideias dos empreendedores, cresceram em Portugal porque havia de facto, mais capital de risco em Portugal, apoios, incentivos ou que o ecossistema funcionasse melhor que as ajudaram a crescer em Portugal. Mas a maior parte deles agora crescem por si, se precisam de capital, vão buscar capital aos mercados internacionais. A maior parte delas quer dizer as que já tiveram a fase de aceleração, mas continua a haver muitas novas a nascer. E se dissermos não vamos dar apoio a estes porque já temos unicórnios que cheguem, já temos empresas tecnológicas que cheguem, o que significava é que ficávamos com estas empresas que se calhar continuavam a crescer, mas não tínhamos novas a crescer. E, principalmente, estas cresceram em áreas que na altura eram as que faziam sentido. As novas estão a crescer em novas áreas e isto não é uma coisa a substituir as outras. Ou seja, é preciso continuar a manter apoios nesta área de inovação, os apoios agora são para outras empresas. No caso da internacionalização é a mesma coisa. Os apoios à internacionalização, principalmente, das pequenas e médias empresas, têm um efeito muito importante para as empresas começarem a exportar. Porque há com um custo fixo de ir para mercados, para as empresas alargarem e diversificarem os seus mercados. Mas em muitos casos, depois, quando essas empresas têm grande sucesso nos mercados internacionais e crescem, ficam muito menos dependentes e precisam muito menos de ter apoios à internacionalização para crescer, porque já crescem por si e muitas vezes deixam de ser PME, portanto deixam sequer ser elegíveis…
NSL: E isso já uma realidade em empresas portuguesas que tiveram um apoio na sua internalização em anos anteriores?
MCC: Em vários destes casos, quer de atração de investimento estrangeiro, quer de empresas, cresceram bastante, nós não vamos dar apoio ao empreendedorismo, à Farfetch ou à Feedzai. Estamos a falar de empresas que recolhem internacionalmente centenas de milhões de investimento e que não precisam destes apoios. Mas algumas delas tiveram apoios - estas que são agora unicórnios - tiveram apoios nas fases de arranque, quer ligados aos apoios à investigação nas universidades, quer ligados aos apoios à angariação de capital, quando fizeram as primeiras rondas de investimento. E isso ajudou-as crescer. Depois, de facto, tiveram um sucesso tal que já não precisam de apoio nas fases seguintes. Há setores em que, por exemplo, os apoios são visíveis e consegue-se ver os resultados no crescimento das exportações. Em toda esta área de software, desde 2015, as exportações foram quase multiplicadas por quatro, o que significa que estamos a exportar mais dois mil e quinhentos milhões de euros. Estamos a exportar em serviços de software e digitais quase mais uma Autoeuropa e é interessante que se falava muito que o país devia atrair novas Autoeuropas. O país conseguiu crescer em exportações uma nova Autoeuropa que não foi toda na Autoeuropa, foi na Autoeuropa, mas foi no grupo PSA, foi nas componentes para exportar para Espanha, para as fábricas surgiram, mas foi todo o ecossistema de produção automóvel que cresceu brutalmente.
NSL: Nesse intervalo entre que 2015 e 2020?
MCC: Entre 2015 e 2019 - com a crise baixou um pouco - mas em 2022 já estamos outra vez com números que se calhar até superiores, vamos fechar o ano provavelmente com um número superior a 2019 dizer que, comparativamente com o setor de software, esse setor cresceu uma Autoeuropa. E isso é interessante porque de facto, nós vamos ter exportações este ano a atingirem um nível recorde absoluto de sempre, vamos ter o peso das exportações no PIB, que já desde 2005 está a aumentar e em grande parte quando se viu os setores que cresceram novos e que conseguiram prosperar, foi muito com investimentos, com apoios ao investimento e apoios à inovação, quer à inovação produtiva, quer à inovação colaborativa. A partir de 2015, com o Programa Interface, de facto, aceleramos muito a inovação colaborativa. Vamos ter, de facto, um aumento de exportações nesses setores…
NSL: Só para se perceber, a inovação colaborativa, é inovação que resulta da relação entre as empresas e a academia?
MCC: Exatamente. Estamos a falar de incentivos à inovação que, em vez de serem dados às empresas ou às universidades, quando os colocamos os incentivos no meio e dizemos às universidades e às empresas para trabalharem em conjunto. E foi isso que fizemos muito com o programa Interface que lançámos em 2016. Foi criar incentivos no meio e isso, de facto, fez com que as empresas, em conjunto com as universidades e com os centros tecnológicos e de inovação, desenvolvessem soluções que dessem, não pequenos passos incrementais, mas passos um pouco maiores. E isso de facto nota-se, por exemplo, no registo de patentes que cresceu muito. Nota-se no tipo dos setores exportadores que cresceram também bastante a reboque disso. Mas estes apoios à inovação não foram importantes apenas nos setores mais sofisticados do software ou, por exemplo, na indústria farmacêutica, onde tiveram, de facto, um impacto importante. Por exemplo, no setor do calçado, Portugal conseguiu passar, numa década, de um setor que tinha o 14.º calçado mais caro do mundo e era caro demais e as exportações estavam a cair e o emprego estava a cair no setor porque não era competitivo e passou a ter o segundo calçado mais caro do mundo e a não ser caro demais e a exportar. Como é que se foi do 14.º para o 2.º mais caro? Isto é, como é que as coisas ficaram mais caras e venderam mais? É, de facto, inovação, é aumento da qualidade, é design. De facto, o calçado que era só preço e baseado no custo da mão de obra, não conseguiu sobreviver. Mas muitas empresas de calçado com programas que nós fizemos na indústria e programas feitos com o governo, com apoios de fundos comunitários, a indústria do calçado conseguiu, de facto, reafirmar-se como uma indústria, não de produção em massa e de custos baratos, mas sim de alta qualidade. E, de facto, ainda hoje aí está para contar a história. E é uma história já completamente diferente, de facto, de um país associado a alta qualidade de produção, associado ao design e que com isso tem conseguido avançar. Mas isso só foi conseguido com dois tipos de apoios: apoios às empresas para formação, para investirem em design, para investirem em marca, para investirem maior qualidade do seu processo produtivo, etc. E apoio também às associações empresariais. Neste caso, a Associação Empresarial do Calçado teve um papel determinante, que conseguiu fazer campanhas de imagem, conseguiu fazer programas muito interessantes,
É muito difícil dizer qual é a nova área de empresas inovadoras e criativas onde vale a pena apostar.
NSL: Os recursos, como o capital, seja o capital privado, como capital público, são escassos. Este tipo de apoio à economia não devia ser mais focado em setores em que nós podemos ter uma mais-valia comparativa em relação a outros países, em vez de disparar para todos os lados?
MCC: Investir e é caro. Investir na formação é caro. Não investir em capital e na formação é muito mais caro, porque leva, de facto, a que as empresas entram em decadência, e com os países é a mesma coisa. Mas é preciso pensar em termos de projetos e de clusters. E o que é preciso para o cluster funcionar é dar o passo seguinte. Em vez pensar em apoios separados, setor a setor. Nesse aspeto penso que, por exemplo, temos as agendas mobilizadoras para criar projetos que podem criar valor em novas áreas. Usar empresas de energia com empresas do setor químico para criar formas de produzir mais interessantes, com universidades que trazem conhecimentos de biotecnologia, etc. Mas podemos estar noutros casos a trabalhar em inovação em áreas de melhoria da produção ou da logística. Em que empresas do sector automóvel e de componentes e de moldes estão a trabalhar com empresas do digital. É importante haver foco nisso, mas também é importante haver apoios à inovação mais dispersos e, por exemplo, no caso das start-ups, é muito difícil antecipar o futuro e não se deve fazer isso. É muito difícil dizer qual é a nova área de empresas inovadoras e criativas onde vale a pena apostar. E em Portugal apareceram empresas que se tornaram unicórnios em áreas da saúde como a Sword e em áreas das plataformas de distribuição, como é a Farfetch, em áreas das Fintech, como é o caso da Feedzai. E há também o exemplo do turismo, que foi uma área em que as políticas públicas tiveram uma atuação muito forte e a atuação forte das políticas públicas permitiu que o turismo não só continuasse a crescer como vinha a crescer anteriormente, que era crescer em mais turistas - mas o gasto por turista estava muito estagnado - mas crescer mais em valor, com um aumento grande do gasto por turista, com o aumento do rendimento por quarto, com um crescimento também que foi mais equilibrado ao longo de todo o ano e ao longo de todo o território. Este crescimento do turismo é um crescimento que interessa, que não cria aquele stress sobre as zonas onde já há muito turismo e onde, às vezes, até as populações se queixam de haver turismo a mais. O que quisemos foi que os turistas gastassem mais, que valorizam mais, isso cria menos stress, cria mais valor para o país, pode permitir aumentos dos salários em quem trabalha nesse setor e significa que o país vai ganhar muito mais com o turismo. Mas aí o país também tem de investir num turismo de qualidade e um turismo de qualidade, faz-se com investimento nos hotéis, faz-se com formação dos trabalhadores, faz-se com uma promoção da imagem mais interessante. As pessoas têm uma ideia completamente errada do turismo, que o turismo é uma coisa dos países de pobres. Não, as maiores potências turísticas, são todos os países altamente desenvolvidos. É a França, a Itália, a Inglaterra. Estes países são os países que atraem mais turistas no mundo e que atraem mais turistas comparados com a sua população. As cidades que mais atraem turistas temos Nova Iorque, temos Londres, temos Paris. Não são cidades de países em vias de desenvolvimento. Porque estas cidades têm para oferecer ao turista qualidade urbana, que a pessoa anda na rua e não tropeça, a segurança que nós podemos oferecer, a gastronomia e todo um conjunto de serviços culturais, de museus, etc. Que é o que motiva o turista a ir para aquele sítio e que faz com que o turista, quando é chamado a pagar 200 € por um quarto de hotel, não ache que isso seja caro. Em Nova Iorque pagava 500 e que até tenha um clima mais favorável no inverno.