Nesta semana, conversámos com João Pedro Matos Fernandes, Ministro com as pastas do Ambiente, da Transição Energética e da Ação Climática, durante mais de 6 anos de governação. Matos Fernandes recorda o legado desses anos e as medidas que puseram o “país a crescer”. Sobre o atual momento, acredita que o país continua num “rumo de crescimento” e que o Governo tem demonstrado que maioria absoluta e capacidade negocial são duas faces da mesma moeda. Matos Fernandes defende ainda, que a responsabilidade da ascensão da extrema-direita deve ser partilhada por todos os partidos. Mas é, sobretudo, ao PSD que atribui essa obrigação e que, diz, “não está preparado para ser Governo” porque “não conhece os assuntos” para estruturar um Programa alternativo.
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Nuno Sá Lourenço: Durante seis anos foi ministro do Ambiente e da Transição Energética. Atualmente, divide seu tempo entre as funções de professor universitário e consultor. João Pedro Matos Fernandes, obrigado por ter aceitado o convite. O Partido Socialista assinala por estes dias o sétimo aniversário da tomada de posse do primeiro Governo liderado por António Costa. Que balanço faz destes anos de governação do PS?
Matos Fernandes: Eu faço um balanço muito positivo e começo por me situar há sete anos. Era o tempo da desesperança, e até para muito de desespero, em face àquilo que era a política de direita do corte de rendimentos, do corte dos benefícios sociais, do incentivo à emigração. É, assim, a imagem mais forte que eu lembro daquilo foi a nossa herança. E, de facto, não tendo ganho as primeiras eleições, mas tendo conseguido construir com a esquerda, com o Bloco de Esquerda e, particularmente, com o PCP uma aliança muito sólida, o Partido Socialista governou, à sua responsabilidade, porque o acordo com os outros partidos foi apenas um acordo de incidência parlamentar, governou o país de maneira a pô-lo a crescer mais do que a União Europeia, devolvendo rendimentos às famílias e criando um clima de novo investimento que já não tínhamos memória. Foram tempos muito complexos. É sempre complexo governar um país, mas nunca nos podemos esquecer do que foi a Pandemia e a forma como o Partido Socialista e o Governo a combateram. Eu não tenho dúvidas que uma das principais razões da atual maioria absoluta tem a ver com a forma como os portugueses reconheceram a forma como o Governo combateu a Pandemia, em períodos extraordinariamente complicados para o país. Períodos esses que parecem não acabar, porque depois a bárbara invasão da Ucrânia pela Rússia trouxe uma enorme à convulsão ao Mundo, à Europa e a Portugal. Por isso, foram tempos complexos. Foram tempos em que as políticas foram claras no sentido de reforçar o Estado Social, com inúmeras medidas de que não vale a pena começar a dizer, até porque me vou esquecer de muitas, mas de reforço do Estado Social e de pôr a economia a crescer, e de afirmar, indo agora para as minhas áreas se me permitem, um claro compromisso em relação à neutralidade carbónica. Portugal foi e será sempre o primeiro país que, no Mundo, disse ‘Vamos ser neutros em carbono em 2050’. Isso foi dito por António Costa em 2016 em Marraquexe. E, em África, ele costuma ter, de facto, estes momentos altos das suas próprias COP, ainda há meia-dúzia de dias em Sharm El-Sheik disse ‘2050 que parecia uma aventura quando o dissemos já lá vão quase 6 anos, afinal, até é possível ou muito provável que consigamos ser em 2045’. Isto é essencial para o papel de destaque de Portugal no Mundo. Isto é essencial para pôr a economia a crescer da forma certa. Isto é, uma economia que não usa combustíveis fósseis, que regenera recursos, mas que cria riqueza a partir do investimento na sustentabilidade.
“Fim da produção de eletricidade a partir do carvão em Portugal foi um momento simbólico do meu mandato e o Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos foi uma grande revolução. “
NSL: E que de que forma é que essa aposta em novas energias pode transformar o nosso país num país de ponta que faz a diferença na ordem internacional?
MF: Já está a transformar! Quando nós vemos que no meio da dramática crise energética que vivemos em 2021, o último ano que temos números completos, a eletricidade em Portugal subiu 10%, em Espanha [subiu] 35% e na Zona Euro [subiu] 32%, isso já mostra de forma clara que a aposta das energias renováveis tem enormes ganhos ambientais, enormes ganhos na balança comercial portuguesa, porque o que mais desequilibra a nossa balança comercial, é a importação de energia, isto é, do petróleo e seus derivados, e tem grandes implicações também no preço. Isto é, eu não arrisco dizer que temos eletricidade barata, mas se de facto temos eletricidade muito mais barata que os nossos congéneres europeus e se no caso da eletricidade para a indústria somos mesmo os países com eletricidade mais barato em toda a Europa, isso deve-se à aposta que fizemos, estamos e continuaremos a fazer, assim estimo, nas energias renováveis e, particularmente, na produção de eletricidade a partir de fontes renováveis. Descarbonização não é sinónimo de eletrificação, sendo verdade que o país descarbonizado é um país mais eletrificado, nós temos que apostar na produção de gases renováveis. São um complemento à eletrificação que nos levará à descarbonização. E aqui o biometano e, particularmente, o hidrogénio verde, são essenciais. Portugal está mesmo em condições de, num número de anos que se contam por uma mão, deixar de ser um eterno importador de energia para poder passar a ser um exportador de energia. E, de facto, é uma reforma estrutural grande dimensão.
NSL: Existe uma estimativa de qual é que seria a dimensão para as exportações portuguesas desse novo Cluster de Energia que está a ser criado em Sines?
MF: Eu sei que os projetos, já depois de eu ter deixado a responsabilidade política se têm multiplicado. A produção de hidrogénio verde, na altura, estimava-se em 2 Gigawatt e neste momento já se fala em 5 Gigawatt. Eu dou-lhe um número: se nós substituirmos apenas 5% do gás natural que importamos, da nossa rede, por hidrogénio verde, vamos poupar 200 milhões de euros à nossa balança comercial. E, portanto, é uma aposta da maior relevância. A Pandemia e a crise energética ensinaram-nos que – devendo Portugal ser uma economia aberta – nós não podemos depender de cadeias logísticas muito longas. Isto fragiliza-nos, fragiliza qualquer país, fragiliza, obviamente, Portugal. E aqui a questão não é mudar de fornecedor. Não é porque a Rússia fez o que fez e coloca em risco a sua própria capacidade de exportação de gás, não é a mudar para a Nigéria que nós vamos ser mais felizes… Isso é sempre muito contingente e nunca pode ser mais do que durante um período curto. Aquilo que nós temos que fazer é ser independentes do ponto de vista da produção de eletricidade, até porque conseguimos sê-lo. Ainda que com menos água, nós temos água, sol e vento para produzir 100% da eletricidade que consumimos e por isso, não é mais do que um saudosismo serôdio andar a falar em carvão, gás e petróleo.
NSL: É essa a lição que se pode tirar da crise energética provocada pela guerra da Ucrânia? Soberania ou independência energética?
MF: Uma soberania que não é conquistada por novos regulamentos. Uma soberania que é conquistada por novos investimentos que permitam, de facto, esta independência energética. E nem todos os países o conseguirão ser. Não consigo imaginar o Luxemburgo a poder sê-lo, por exemplo, e podia dar outros exemplos menos óbvios. Mas Portugal tem essa possibilidade, e uma grande possibilidade de exportar eletricidade para lugares do mar. Nos últimos sete anos, Portugal duplicou por dez a sua capacidade de produção de eletricidade a partir de fonte solar. Mas ainda hoje a capacidade instalada de produção de eletricidade de fonte solar em Portugal é inferior à da Bélgica. Há aqui um enorme caminho a percorrer, caminho esse que, manifestamente, foi percorrido durante estes sete anos enquanto António Costa foi Primeiro-Ministro.
NSL: Enquanto ministro do Ambiente durante estes seis anos, qual é que é o momento que retém como a sua maior conquista nas suas funções de ministro?
MF: Espero, que possa dizer mais do que um. Se eu tiver de dizer só um, pelo seu simbolismo, foi o dia 30 de novembro de 2021, o dia em que acabarmos com a produção de eletricidade a partir do carvão em Portugal. Mas tenho bem consciência que quando lançámos o PART (Programa de Apoio à Redução Tarifária nos Transportes Públicos) em que, por exemplo, na Área Metropolitana de Lisboa, tínhamos passes que custavam mais de 150 euros e que passaram a ter um teto de 40 euros. Esse dia foi um dia excecional. Foi uma grande revolução. Podemos dizer que onde a oferta - em nenhum caso uma deslocação por automóvel é mais barata do que o transporte coletivo. E, portanto, eu direi que as conquistas foram muitas. O meu ministério foi um ministério que cresceu bastante ao longo do tempo. Mas atribuir à STCP e a Carris à gestão de Municipal, termos lançado a utilização das águas residuais tratadas nas ETAR para a rega e, oxalá, para muitas mais atividades. Termos construído o Roteiro para a Neutralidade Carbónica, com o que implicou em todo o novo processo social, termos conseguido dois recordes do mundo consecutivos de baixo preço nos leilões do solar, são conquistas de que muito me orgulho. Não fiz nada sozinho, havia um Primeiro-Ministro que sempre concordou e nos empurrou a fazer melhor, e tinha uma grande equipa com um conjunto de vários Secretários de Estado e as suas equipas técnicas e a própria administração do domínio do Ambiente, deu um contributo decisivo.
NSL: E como é que foi a experiência de ser ministro?
MF: Eu sempre encarei todos os desafios como desafios profissionais. Começa com uma grande surpresa, não estava rigorosamente nada à espera de ser convidado para ser ministro. O meu ministério foi crescendo, já nasceu maior do que é comum no Ambiente, nasceu com os transportes públicos urbanos, depois passou a ser da Transição Energética, quando passámos a ter a Energia. E, depois, passou a ser da Ação Climática quando juntamos, se quiser, o tripé que resulta do Acordo de Paris: mitigar, que quer dizer reduzir emissões, adaptar, a gestão do litoral e dos outros recursos, sequestrar carbono e que a floresta é essencial. Foi um Ministério que se transformou, de facto, num Ministério chave na ação política em Portugal, por vontade, obviamente, de quem governava, mas também por imposição social, porque esta é cada vez mais uma questão candente e, infelizmente, os portugueses aprenderam de forma dramática aquilo que podem ser as consequências das alterações climáticas na vida de cada um de nós no território, com os grandes incêndios de 2017. Em face disso, temos, necessariamente, que atalhar caminho. E fizemo-lo. Repito: a minha experiência foi, sobretudo, uma experiência profissional. A questão da comunicação é uma questão muito diferente de tudo aquilo que eu tinha feito da vida. Mas eu confesso que há um advérbio de modo que eu verbero particularmente, que é o advérbio politicamente. Esqueçam esse advérbio de modo, que não acrescenta nada à própria discussão política. A atividade política é uma atividade racional, tem de ser racional, obviamente pensada para as pessoas. Temos sempre um público muito diverso, não existe a média, na média não está ninguém e, portanto, o esforço que temos que fazer é, de acordo com as nossas convicções, de acordo com aquilo que sentimos ser mais importante para o país, ele próprio e na sua relação com os outros, num mundo tão aberto e tão global, ir tentando, obviamente, proteger aqueles que têm mais dificuldade em acompanhar esta mudança.
NSL: E qual é que foi a grande diferença que notou entre aquilo que esperava que iria ser ministro e aquilo que na realidade, depois, viveu no seu dia a dia?
MF: Eu não tinha nenhuma projeção. Eu acabei por ter uma vida muito normal, tanto quanto se consegue. Não me queixo de nada. Houve, de facto, algumas coisas que me deixaram aborrecido, mas depressa passaram. Levo muito a sério aquilo que faço, mas, confesso, chegar ao final da final da noite e sorrir de mim, acho que é a melhor maneira de estar a vida.
“A maioria absoluta traduz o reconhecimento dos portugueses pelo papel muito relevante que o governo do PS teve no combate à pandemia.”
NSL: Enquanto foi ministro, os governos de que fez parte tiveram uma conjuntura muito específica, como aliás já referiu, que foi ter que negociar e consensualizar as suas propostas no Parlamento. O momento do atual governo é muito diferente. Como é que avalia esta situação de maioria absoluta do novo Governo do PS? É uma mais-valia?
MF: É sem dúvida uma mais-valia. E é uma mais-valia que foi dada pelos próprios portugueses. Esta é uma opção dos portugueses quando reconheceram um papel muito relevante que o governo do PS teve no combate à pandemia. E, olhando para o programa e olhando para as pessoas à sua frente, entenderam que o António Costa seria o melhor Primeiro-Ministro e o Partido Socialista seria o partido que estaria em melhores condições de dar estabilidade e um rumo país, que é, certamente, um rumo de crescimento. Mas que não deixa der um rumo também de combate diário com as surpresas com que nos confrontamos. Esta invasão da Ucrânia por parte da Rússia, além de ser… enfim, nem quero adjetivar. Ter uma maioria absoluta corresponde a uma maior responsabilidade, tem que haver uma responsabilidade absoluta sobre aquilo que se faz. De facto, hoje, o Partido Socialista é, para o bem ou para o mal, o motor da mudança. É para o bem ou para o mal, o responsável pelas coisas correrem menos bem. O Governo, muito particularmente depois do verão, tem mostrado muito bem o que é, de facto, ter maioria absoluta e ter capacidade negocial: o acordo com os patrões, o Orçamento, excecionalmente bem explicado, o acordo da concertação social. Infelizmente, a CGTP não assinou, mas acho que nunca assinou na vida. O acordo com Espanha e França para a construção do gasoduto pode vir a ser crucial para exportação do hidrogénio verde. São quatro exemplos, que cito de cor e sem preparação, daquilo que tem sido governar em maioria absoluta, mas em diálogo com os parceiros sociais, em diálogo também com o Parlamento. É normal, mais ainda em maioria absoluta, que outros não queiram apoiar o Orçamento. E também com os nossos parceiros geográficos mais diretos e membros da União Europeia, Espanha e França.
NSL: Este acordo que referiu entre Portugal, Espanha e França pode chegar onde? Anteriores acordos não chegaram, porque a verdade é que já houve assinaturas anteriores. O que é que acha que este traz diferente?
MF: O acordo anterior, do ponto de vista do gasoduto, existia. Mas os franceses recusaram e repudiaram. Aliás, num determinado momento, tanto os espanhóis como os franceses. Depois, os espanhóis vieram à liça e reconheceram que a nossa intenção era a mais reta e a mais justa e, portanto, encontrou-se um outro trajeto. Por razões, que não vou agora especular sobre elas, a França não queria a travessia dos Pirinéus e encontrou-se outra solução, que não prejudica rigorosamente nada Portugal, é absolutamente indiferente. E não menos importante que o gasoduto são as ligações elétricas e essas ligações elétricas resolveram ser asseguradas, quer em Portugal e Espanha, quer sobretudo entre Espanha e França, quem é onde o estrangulamento existe.
“O PSD não está, de facto, nada preparado para poder ser governo e, não estando nada preparado para ser governo, não conhece os assuntos por forma a poder estruturar ideias novas e, portanto, a oposição que o PSD tem feito é uma oposição de discutir um caso aqui, um caso ali.”
NSL: Curiosamente, esse assunto que é determinante não só para Portugal, mas para toda a Europa, foi um assunto que foi altamente criticado pelo principal partido da oposição, o PSD. Como é que avalia a maneira como esta nova liderança do PSD tem agido na arena política sobre este assunto?
MF: Neste caso, foi um tiro de pólvora seca. Acho. Disseram umas coisas e, rapidamente, deixaram de dizê-las. Lembro-me bem do Dr. Paulo Rangel vir dizer com aquele seu jeitinho inflamado que Espanha e França tinham recuado em tudo nas ligações elétricas e, nesse mesmo dia ou no dia a seguir, apareceram as ministras espanhola e francesa a dizer que havia um engano muito grande e que nos comprometemos a andar mais depressa. Como isso não é novidade, achamos que valia a pena fazer essa notícia. O PSD tem um papel muito relevante na política portuguesa, que é o de perceber que tem de gerar uma alternativa democrática ao governo. Uma alternativa que será, naturalmente, à direita do Partido Socialista. E cabe ao PSD ser capaz de evitar o crescimento da extrema-direita. Todos temos essa responsabilidade, mas se pensar nos partidos políticos, é, sobretudo, ao PSD, que atribuo mesmo essa responsabilidade e, por isso, espero que o PSD construa um programa alternativo, informado naquilo que são os seus valores de sempre e que são, manifestamente, de um partido comprometido com a Democracia e que rejeite, em absoluto, a possibilidade de, sequer, depender do Chega para o quer que seja, se um dia vier a ser governo. E é isso que eu espero do PSD, quer seja com esta liderança, quer seja com outra. Não é o meu partido, é como me perguntar quem é que eu acho que deve ser o treinador do Sporting ou do Benfica. Não me interessa.
NSL: Mas acha que é isso que o PSD tem feito desde que há uma nova liderança?
MF: O PSD é hoje mais oposição, aos olhos do comum das pessoas, do que era no tempo do Dr. Rui Rio. O PSD não está, de facto, nada preparado para poder ser governo e, não estando nada preparado para ser governo, não conhece os assuntos por forma a poder estruturar ideias novas e, portanto, a oposição que o PSD tem feito é uma oposição de discutir um caso aqui, um caso ali. Não há nenhuma proposta alternativa. Não há nada de diferente e isso não vai conduzir a um resultado eleitoral para o PSD porque as pessoas votam nas propostas e nas pessoas que dão a cara por essas propostas e não por uma certa barganha de baixo nível. O caso do acordo entre Portugal, Espanha e França é, para mim, um caso muito claro. Mas acho que o próprio PSD pôs a mão na consciência e percebeu – não sei se foi o PSD, se foi o Dr. Paulo Rangel - que tinha dito asneira.
NSL: Essa ausência do PSD, acaba por prejudicar até a própria qualidade do debate e da decisão política?
MF: Sim, porque a Democracia não se faz pela discussão de factos. A democracia faz-se pela discussão das propostas com que podemos debater e discutir esses mesmos fatos. E, de facto, não encontro, nem sequer uma vontade de convergir sobre a avaliação dos problemas. E eu estou sinceramente convencido que o Partido Socialista faz uma avaliação correta dos problemas que o país tem dentro de si próprio, da relação com a Europa e com o Mundo. Mas sou o primeiro a dizer que há certamente outras formas de poder contrariar as coisas que correm menos bem e potenciar as que correm melhor. E isso é que é o essencial da discussão numa democracia e eu não vejo sequer o PSD a reconhecer os factos. O caso do Acordo é evidente: é um facto que o Partido Social Democrata rejeitou uma coisa positiva, sem sequer se tentar informar sobre o que ela era. E quando assim é, é muito difícil de encontrar soluções, quando nem sequer se sabe sobre o que é que se está a falar ou sequer intervir.
“A descentralização é da maior importância e acho que ela vai muito bem encaminhada. Lamento profundamente que a atual liderança do Partido Social Democrata – e não digo de propósito o PSD, porque é o primeiro partido que eu ouvi falar de Regionalização foi até o PSD, pela voz do Professor Valente de Oliveira - tenha rejeitado a existência de um Referendo que deveria levar, durante esta maioria absoluta, a um país com regiões.”
NSL: E para os próximos anos, quais é que acha que deviam ser as prioridades do atual governo?
MF: Muitas delas são o reforço daquilo que são as políticas que vêm de trás. Manifestamente no domínio do ambiente e de sustentabilidade. Pode-se, certamente, fazer melhor do que se fez no meu tempo, não tenho a mais pequena dúvida que o Duarte [Cordeiro] tem mais do que talento para isso. Mas eu direi que é continuar aquilo que é a nossa política de neutralidade. Ainda nesta área, eu reconheço que a valorização do território e o apurar da política de gestão florestal é essencial para o país. A descentralização é da maior importância e acho que ela vai muito bem encaminhada. Lamento profundamente que a atual liderança do Partido Social Democrata – e não digo de propósito o PSD, porque é o primeiro partido que eu ouvi falar de Regionalização foi até o PSD, pela voz do Professor Valente de Oliveira - tenha rejeitado a existência de um Referendo que deveria levar, durante esta maioria absoluta, a um país com regiões. Porque somos, praticamente, o único país da Europa que as não têm. E é essencial aproximar, até o ponto de vista geográfico, a decisão política do comum dos cidadãos, das empresas e até as entidades da administração pública.
NSL: E acha que medidas de descentralização é algo é possível do ponto de vista político, de acontecer ainda durante esta legislatura?
MF: Muitas delas estão aí e a aprovação recente de um Decreto-Lei que concentra nas CCDR a gestão daquilo que são os principais recursos da região e já agora deixando, e bem, de fora o recurso água porque esse não se gere por regiões administrativas, gere-se por regiões hidrográficas - a política pode mandar muito mais uma bacia hidrográfica começa sempre lá em cima e acaba cá em baixo – aí não há volta a dar, não há possibilidade de afeiçoar uma região hidrográfica a uma região administrativa. Mas em tudo mais, estes passos são os passos certos. Os passos de municipalização de um conjunto de políticas que os municípios fazem melhor. O meu exemplo enquanto ex-ator político, que foi a municipalização da STCP para os municípios da área do Porto e da Carris para cidade de Lisboa, porque 98% da atividade da Carris se centra na cidade e agora para as regiões ir construindo. Mas eu acho que esta construção de descentralização para as CCDR tem de ter um momento, que é o momento para assunção política de responsabilidades por parte das regiões. Isso só acontece com uma Regionalização e com a eleição por todos os cidadãos dos seus líderes regionais. Projeto que fazia parte do Programa Eleitoral do PS, deste Governo, mas que o PSD se pôs de fora e, como sabem, é muito difícil que isso se possa concretizar na ausência do PSD
NSL: Pondera ter mais alguma experiência política no seu futuro?
Não pondero. Tenho, de facto, vários desafios à minha frente que me preenchem por completo. Os que tenho e os que estou a construir para mim próprio. Eu vim para a política, utilizando a expressão da minha avó, assentando praça em general. Estreei-me como ministro na política. Ninguém me deve nenhum favor. Fiquei muito grato a quem me convidou, a oportunidade que me foi dada, a todos aqueles com quem trabalhei, mas, de fato, esta não é a vida e tenho muitos outros desafios à minha frente que estou a tentar concretizar. Também tenho outras dificuldades, mas, enfim, tenho a vantagem de estar longe do espaço público, que também é um conforto para mim, e sobretudo para os meus.
NSL: E com que desafios é que se tem entretido?
MF: Mais do que entretido, não sobram mais horas do que aquelas com sobravam quando era ministro. Quando muito posso fazer as coisas a um ritmo que é o meu e não o ritmo que me é imposto pela agenda pública e pela agenda mediática. Eu, de facto, sou consultor no Instituto do Conhecimento onde temos feito muita atividade relevante no sentido do engajamento das pessoas para as causas justas e a causa do combate às alterações climáticas é uma delas, com alguns trabalhos no domínio do território. E fui honrosamente convidado, confessou, como Professor Catedrático para a minha Alma Mater, a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, para a qual tenho um grande compromisso, que é ser muito melhor professor do que fui aluno. E, portanto, é, de fato, um desafio muito grande, o desafio de voltar a estudar para ensinar. Manifestamente, aquilo que nós sabemos melhor é aquilo que ensinamos, com alunos de muitas nacionalidades. Bom, para além de ter de dar aulas em Inglês, que tem sido uma dificuldade acrescida, é perceber que há culturas muito diferentes. E é extraordinariamente enriquecedora esta experiência. É este o meu projeto e enquanto eu estiver entusiasmado, como estou agora, não vou mesmo pensar em mais nada.
NSL: O ecossistema da universidade portuguesa mudou muito nos últimos anos da universidade portuguesa?
MF: Mudou imenso. E eu confesso que ainda estou a aprender. Ainda há muitas coisas que me ultrapassam. Mas basta dizer isto, não me recordo na faculdade inteira de haver… Bom, havia alunos estrangeiros, ainda que poucos, que vinham dos países que em África falavam o português, mas eram nem 1% dos alunos, e todos falavam português. E basta dizer que hoje, numa das cadeiras de mestrado, mais de metade dos meus alunos não são portugueses. Checos, franceses, holandeses, brasileiros e, portanto, isso muda tudo imenso. Há aqui um potencial de sermos felizes em conjunto, o que também germina na universidade e na academia.
NSL: E isso é o resultado do reconhecimento do prestígio da Academia e do conhecimento português lá fora?
MF: Isso manifestamente, é. Na minha escola, que é a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, é-o certamente. Deixe-me só dizer uma coisa sobre o valor da minha Escola. Eu fui dos que emigrei quando o ministro [Miguel] Relvas deu ordens para emigrar. Eu que sou, como já perceberam, um iconoclasta, fui muito institucional: emigrei no 10 de junho. E a minha geração de engenheiro civis – vou fazer 55 anos – teve um início de vida profissional muito facilitado, com inúmeras obras nas obras públicas, durante a década de 90, do século passado, e muitos de nós emigrámos. Eu recordo-me que quando foram os 25 anos de curso, imensos colegas meus estavam em 15 ou 20 países diferentes do Mundo. Mas manifestamente, se emigrámos com o custo pessoal que essas coisas têm, nós tínhamos uma formação excecional que nos permitia e permitiu trabalhar em qualquer país do Mundo, com aquilo que aprendemos na faculdade e isso tem, obviamente, um valor muito grande. O valor do conhecimento é sempre o que marca a diferença.
NSL: João Pedro Matos Fernandes muito obrigado pela sua participação no nosso Podcast.