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‘Politica Com Palavra’ com Bruno Gonçalves

‘Politica Com Palavra’ com Bruno Gonçalves


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Hoje continua a fazer sentido a defesa integral do cidadão e dos mais jovens a terem uma vida plena e realizada

Num momento em que uma nova ordem mundial se desenha, a defesa dos Direitos Humanos pela Europa é ainda mais determinante. Essa é a mensagem que Bruno Gonçalves nos traz quando faz o balanço do seu mandato à frente da União Internacional de Juventudes Socialistas. Ao longo dos últimos anos tem dedicado muito do seu tempo e deslocações no apoio à concretização desses princípios não só na Suazilândia, Nicarágua e Venezuela, mas também na Hungria e Polónia. Para assim se evitarem os erros cometidos no século XX.

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Nuno Sá Lourenço: Bom dia e bem-vindos a mais uma edição do Podcast Política com Palavra. Esta semana temos connosco Bruno Gonçalves. É o secretário geral da União Internacional de Juventudes Socialistas (IUSY), uma entidade que integra 148 organizações de 107 países diferentes. Entre as suas iniciativas, tem como objetivo promover o debate e propostas e iniciativas que possibilitem o progresso, solidariedade e os direitos humanos no mundo. Bruno Gonçalves, muito obrigado por ter aceitado o nosso convite. Para que é que serve a União Internacional de Juventudes Socialistas?

Bruno Gonçalves: Antes de mais, muito obrigado pelo convite, acaba por ser sempre bom voltar a casa, voltar ao Partido Socialista, esta casa onde já tive vários momentos, tanto com a Juventude Socialista como com o Partido. A União Internacional de Juventude Socialistas é a maior organização política de juventude do mundo e também a mais antiga, sem interrupção. Nós celebramos este ano os 115 anos da organização. Serve, sobretudo, para expandir os horizontes da solidariedade e para nós entendermos aquilo que é o socialismo e o socialismo democrático desde a sua génese. Nós hoje percebemos, infelizmente, uma vez mais, que o mundo é um mundo globalizado, é um mundo sem fronteiras, apesar das fronteiras estarem cada vez mais presentes no protecionismo. Mas nós não podemos encarar o futuro sem termos bem presente aquilo que são os nossos valores e os valores fundacionais da nossa ideologia, do nosso partido e dos nossos movimentos. E, portanto, hoje faz ainda mais sentido ter movimentos internacionais como a IUSY, como a Internacional Socialista. Aliás, a primeira fundação da IUSY, em 1907, é precisamente como os jovens da Internacional Socialista. Nós hoje fazemos parte também da Internacional, voltámos a fazer a parte Internacional depois de um interregno, de um período difícil que atravessou. Eu, aliás, estou no Presidium também na Internacional, como Vice-Presidente para a Juventude. E eu acho que hoje faz ainda mais sentido - não diria mais sentido do que nunca, porque esta é uma organização que já atravessou duas grandes guerras, uma organização que lutou contra várias ditaduras, em solidariedade não apenas com os direitos humanos em abstrato, mas com pessoas na realidade em diferentes partes do mundo - e hoje continua a fazer sentido não apenas pelo que falamos do combate à guerra, mas pela promoção de um mundo mais sustentável, de justiça e daquilo que nós falamos muitas vezes que deve ser indivisível, mas que nem sempre o é, que é a defesa integral dos Direitos do Homem, dos Direitos da Mulher, também dos direitos do cidadão e também dos direitos dos mais jovens a ter uma vida plena e realizada. Algo que, infelizmente, se encontra até do ponto de vista doutrinário, cada vez mais distante, quando vemos um mundo que globaliza tudo, globaliza produtos, globaliza serviços, mas cada vez mais demora em globalizar a solidariedade, justiça, igualdade e a fraternidade que vem dos tempos da Revolução Francesa.

NSL: O que é que um português traz de diferente à liderança da IUSY?

BG: Essa é uma pergunta difícil para alguém que é não apenas secretário-geral de uma organização internacional, mas é um internacionalista convicto. Eu não tenho a certeza que um português traga por inerência do seu passaporte ou da sua nacionalidade, algo distinto. Mas se puder entrar nessa boa provocação, eu diria que um português traz a bagagem de construir pontes, que é diferente. Eu acho que nós temos um entendimento, desde logo cimentado em muitos anos da nossa história, que se reflete no eu do presente, mas também no eu do passado, no homem das suas circunstâncias, que no final do dia acaba por integrar um conjunto de espaços.

Eu acho que nós, um país pequeno, temos sabido - ainda ontem o dizia - ao longo de muitos anos, num espaço multilateral, agigantar-se do ponto de vista dos quadros que produz. O Partido Socialista é um exemplo disso. Seria expectável para alguém que o primeiro Secretário-Geral das Nações Unidas a ter de enfrentar quase uma nova Grande Guerra, ser português, que proviesse da família progressista, fosse um político nato e que conseguisse agigantar-se. Nesse ponto de vista, eu acho que era difícil para muitos pensarem, há alguns anos. Mas nós tivemos também outros portugueses, noutros campos, no campo da cultura, no campo da literatura, a saber criar pontes.

Há dois grandes momentos que nos distinguem, eu diria que o primeiro foi a forma como nós tivemos uma revolução em Portugal, mais do que pacífica, do ponto de vista da luta da resistência armada, foi um exemplo para o mundo sobre como uma sociedade, apesar de tarde, conseguiu reerguer-se em prol de valores, mas sobretudo num espírito de união e de coesão.

Isso revela, apesar de do ponto de vista da República, sermos pouco maduros, do ponto de vista da coesão social, isso revela alguma maturidade. E depois a segunda forma também, como ainda hoje nós encaramos a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, sejam os PALOP ou não. E acho que isso mostra muito algo que Portugal aprendeu com muitos anos que é não vale a pena sermos só e sozinhos. Aliás, o tempo do fascismo, dizia o orgulhosamente sós. Eu acho que nós hoje encaramos a democracia, tanto no Partido Socialista, como noutros partidos do espectro democrático em Portugal, que Portugal deve ser um país enquadrado no mundo, bem representado, ciente das suas limitações, mas sempre disponível a contribuir para o diálogo. E se eu puder fazê-lo, nessa perspetiva de contribuir para o diálogo como português, seria algo que, apesar de internacionalista, já me sentiria bem feliz.

NSL: E tem utilizado o seu mandato para avançar que iniciativas políticas?

BG: Bem, nós hoje temos (acho que é impossível não falar disso) bem presente aquilo que se passa no mundo do ponto de vista geopolítico. Nós temos um mundo em constante mudança, mas eu diria que mais acelerada ao longo destes últimos dois anos, não só porque tivemos de enfrentar face à pandemia, e nós aí deixámos bem claro algumas das nossas prioridades, tentamos junto da Organização Mundial de Saúde, a criação de uma Organização mundial para a Saúde Mental. Nós temos lutado sobretudo no campo dos direitos humanos, ao lado dos nossos camaradas jovens que lutam permanentemente pela liberdade e pela democracia, em países como a Suazilândia. Devo dizer que na Suazilândia, onde nós temos a juventude do Podemos, no ano passado mais de 60 dos nossos camaradas foram mortos simplesmente por lutarem pela liberdade. Hoje, o presidente dessa organização, o presidente da Juventude Socialista da Suazilândia está na prisão e nós temos feito vários apelos. Conseguimos que no ano passado fossem libertados mais de 10 presos políticos. Fizemo-lo também na Nicarágua, onde aliás foram libertados cerca de 50 presos, entre os quais a líder do partido Unamos, que tem sido uma das caras da resistência, que, aliás, nos deixou palavras bem simpáticas, porque a pressão internacional efetivamente isolou o regime e obrigou a que o regime, apesar de depois de retirar a nacionalidade injustamente a essas pessoas, as tivesse libertado. E depois eu acho que há casos também mais óbvios onde temos sido mais dominantes, tanto mediaticamente como na agenda política.

O primeiro, no caso da União Europeia. Nós tivemos uma petição em menos de 40 horas com mais de 2000 jovens dos Balcãs, a pedir a adesão rápida aos processos de negociação da Albânia e da Macedónia do Norte, porque entendemos que esse processo de integração, como foi para Portugal, é melhor para as novas gerações desses países. Algo que aconteceu há menos de um mês, no último ano. E continuamos a lutar para que, no Estado da Palestina, haja um reconhecimento internacional deste Estado, porque aquilo que nós vemos já não é mais digno da tolerância ou da inoperância de qualquer Estado. Aquilo que nós achamos é que hoje os palestinianos vivem num regime de apartheid. Nós estivemos lá, nós vimos muros da dimensão que não tinham os muros de Berlim. Nós vimos uma permanente agressão, uma permanente opressão e repressão sobre palestinianos que vivem nas suas próprias casas, que não podem aceder sequer a uma rua que é palestiniana pelo seu próprio passaporte. E nós achamos que é também hora da comunidade internacional. A ONU tem dado vários passos nesse sentido, mas a verdade é que a ONU nada pode fazer sem que os Estados avancem primeiro. E nós ficamos muito contentes que haja já Estados nórdicos que o reconheçam. Mas é o momento da comunidade internacional, no seu todo, mas também dos Estados individualmente, dizerem que basta dessa agressão e, sobretudo, lutarem pelo reconhecimento do Estado palestiniano e pela paz entre dois Estados. E é isso que nós temos tentado fazer também com as organizações de juventude israelitas e palestinianos no terreno.

NSL: E de que forma é que uma organização como a IUSY consegue trazer Estados e Governos para uma posição que encaixe nessas vossas posições?

BG: Acho que às vezes até os próprios Estados têm dificuldade em convencer outros Estados, no espaço da União, por exemplo. Nós vemos isso várias vezes em reuniões do Conselho. Para nós tem sido, sobretudo, em duas matérias. A primeira através da luta permanente do lobby que nós conseguimos fazer nos espaços onde estamos representados, seja nas Nações Unidas, com o Estado consultivo, seja através dos Estados com que temos relações. Nós reunimos, aliás, na última visita à Palestina e Israel, tanto com o Primeiro-Ministro palestiniano, como com membros do Governo israelita, e tentamos passar a nossa mensagem através da utilização dos partidos políticos aos quais as juventudes partidárias fazem parte. Porque eles são parte fundamental integrante do sistema político-partidário dos diferentes países. E depois, eu diria também, através dos nossos veteranos. Nós temos, na IUSY, veteranos como o atual chanceler da Alemanha, Olaf Scholz, que foi Vice-Presidente da IUSY, o atual Secretário-Geral da NATO, que foi Vice-Presidente da IUSY, a Anna Lindh, que já não está entre nós, mas que foi uma das grandes apaixonadas enquanto ministra das Relações Exteriores da Suécia, por exemplo, por causa do Sahara Ocidental e da realização do referendo, a Federica Mogherini, que foi a Alta Comissária para as Relações Exteriores da União Europeia. E, portanto, nós temos aí também um leque de pessoas que gostamos pontualmente de ativar, tanto para debates como para exercer pressões positivas. Obviamente, nós sabemos que elas são sempre muito complexas, porque quando falamos de direitos humanos, a não ser que vivamos momentos como os que vivemos hoje, em que essa luta pelos direitos humanos representa também algo direto na nossa vida, seja uma melhoria ou um agravamento daquilo que é a nossa qualidade de vida,

em momentos mais abstratos, em momentos de paz ou em momentos de continuidade de um regime, aquilo a que nós assistimos é que, infelizmente, os direitos humanos não são um ponto de agenda para que os partidos vençam eleições.

Falar do conflito israelo-palestiniano pode não ser algo que choca as pessoas ou que, mesmo que choque, pode não ser algo que leva imediatamente as pessoas a protestar. Mas isso revela ainda mais que nós temos muito que fazer pela causa internacional. E, sobretudo nesta questão de globalização de direitos e na globalização da solidariedade, entender que nós não podemos alcançar o nosso bem-estar se não o alcançarmos numa comunidade global.

NSL: Mesmo até porque dentro da esfera europeia, nos últimos anos temos tido problemas com Estados que não tratam os direitos humanos como seria expectável na esfera da União Europeia. Mas temos problemas mesmo dentro da União Europeia. Não sei se é uma preocupação da IUSY a atuação da Hungria?

BG: Muito em concreto relativamente à Hungria, e eu acrescentava também a Polónia, nós temos sido muito vocais, sobretudo numa matéria. A questão da Hungria, eu diria mais extensa, nós estivemos, na semana anterior às eleições, com os partidos de esquerda da Hungria. Aquilo a que assistimos na Hungria não é só uma deterioração dos direitos humanos, dos direitos das minorias, da comunidade LGBT, dos direitos queer e do ataque permanente de que são alvo. Há uma segregação desta comunidade simplesmente para obtenção de resultados eleitorais, para uma criação de uma narrativa mais do que conservadora, ultraconservadora e bem discriminatória. Mas na questão da Hungria há mesmo uma ausência total de poderes de controlo do ponto de vista da imprensa livre, que praticamente não existe, do ponto de vista da fiscalização do Parlamento ao próprio Governo, ainda mais difícil quando temos uma maioria de 2/3 que põe e dispõe tanto as autoridades reguladoras como da própria Constituição. E depois, no caso da Polónia, também muito assente naquilo que tem que ver com os direitos das minorias, nós vimos que no caso da Polónia, o próprio Tribunal Constitucional acabou por dizer que o artigo dois do Tratado da União não se aplicaria, ou pelo menos, era incompatível com a Constituição da Polónia. A Comissão entendeu e bem remeter esta matéria para o Tribunal de Justiça da União Europeia. Agora, abstraindo-nos do ponto de vista jurídico, mas focando-nos no ponto de vista político, eu acho que nós só podemos ter na União aqueles que verdadeiramente se constroem permanentemente e que aceitam aquilo que ratificaram, desde logo os tratados. Portanto, sermos benévolos com países que não respeitam os direitos humanos, que, por diferentes fins, acabam por não respeitar aquilo que nós queremos construir no espaço de uma união progressista, tolerante, tem que merecer não só a nossa total condenação, mas tem que merecer também alguma consequência.

Aquilo que o Parlamento Europeu avançou, na última semana, como recomendação à Comissão de congelar os fundos europeus para a Hungria, parece-me uma decisão bem assertiva e ajustada. Agora, parece-me que nós precisamos de fazer ainda mais. Tanto do ponto de vista das sanções, que devem ser eficazes contra o regime, não contra as pessoas. É sempre uma dificuldade que nós temos do ponto de vista global, mas depois também de termos a certeza que a Hungria volta ao espaço da União e isso só se faz com a promoção da educação política e a formação de quadros políticos na Hungria que possam voltar a apaixonar os húngaros por uma nova ideia de Hungria, mais tolerante, mais social, relevante, obviamente, no seu espaço geográfico, porque a Hungria tem uma posição geográfica por excelência com os Balcãs, com a relação que tem com os países de Leste. Mas não podemos ter uma Hungria que à segunda e quarta pertença à União Europeia e que nos outros dias da semana e do fim de semana prefere alianças com Moscovo ou com aqueles que não toleram ou não respeitam os direitos humanos simplesmente por conveniência.

NSL: E nesses países, para além dos problemas que já identificou, existem também problemas dos partidos mais à esquerda no relacionamento com o Estado e com os governos?

BG: Terei de dissecar essa pergunta em duas partes. A primeira tem que ver com a própria matriz dos partidos de esquerda. Não podemos esquecer que no Leste Europeu nós temos uma matriz de esquerda de muitos desses partidos, sejam eles dos Balcãs - sejam eles pertencentes a países que faziam parte da União Soviética - de um socialismo marxista. E, portanto, a social democracia não é sempre o caminho óbvio ou pelo menos maioritário dentro das diferentes sensibilidades dos partidos. E há um entendimento histórico daquilo que devem ser as relações dos próprios países. Portanto, aqui nós precisamos de entender o contexto geográfico e o contexto histórico dos partidos. Falamos do caso da Hungria, mas podíamos falar, por exemplo, do caso da Bulgária, que, apesar de tudo, não é muito distinto no que toca à posição de partidos de esquerda, até sobre a questão dos direitos de minorias e que deve também merecer a nossa condenação. Relativamente à posição entre esses partidos e o Estado, eu acho que é mais ou menos aquele que lhe transmitia, que os poderes de regulação que devem regular o espaço mediático, mas também o espaço político, acabam por influenciar diretamente as eleições e, a partir do momento que influenciam o sistema eleitoral, afetam obviamente o partido, afetam a sua missão. E eu devo dizer, por exemplo, o partido, o Partido Socialista na Hungria, que há 15 anos estaria no poder, hoje enfrenta diversas dificuldades, não só do ponto de vista estrutural e orgânico, mas do ponto de vista de comunicação da sua mensagem, porque não tem canais nem tem algum regulador a que possa recorrer com justiça para fazer, para fazer passar aquilo que acha que devem ser as melhores formas de luta. Nós tivemos, aliás, na Hungria, um candidato único de toda ala anti-governo unida nas últimas eleições, com socialistas, com liberais, com alguns conservadores, com sociais-democratas e mesmo assim aquilo a que nós assistimos foi um tremendo falhanço, porque os controlos do regime, os controlos do Estado estão completamente viciados.

NSL: E de que forma é que o empenho da União Europeia na invasão russa na Ucrânia afetou o que se pode fazer junto desses países, como a Hungria e como a Polónia? Às vezes a realpolitik afeta este tipo de preocupações.

BG: Eu acho que no caso da Polónia afeta, até porque a Polónia tem sabido gerir a crise migratória de uma forma muito diferente. A Polónia hoje é o país com mais refugiados, mais migrantes recebe. Mas refugiados da Ucrânia, então, é óbvio. Portanto, a Polónia tem também aqui - eu não diria uma vantagem nessa parte da realpolitik, porque não quero sequer encará-la como uma vantagem - mas tem um argumento que pode utilizar em diferentes reuniões do Conselho.

Eu acho, ainda assim, que nós podemos aprender com a história. Nós não podemos fazer pausa. Nós não podemos deixar processos de accountability, processos de consequência daquilo que são as violações dos Tratados simplesmente de lado, porque algo igualmente grave, ou mais grave está a acontecer.

Nós temos de ser claros, nós condenamos veementemente aquilo que é a invasão dos territórios ucranianos pela Rússia. Fazemo-lo uma vez mais, não só no interesse estratégico da Europa, mas sobretudo por algo que não é do interesse, é algo que é dos direitos, que é violação dos direitos humanos. Como eu quero acreditar que a União Europeia faria em qualquer parte do mundo. Falamos aqui da Nicarágua, falamos da Palestina, falamos do Mianmar, falamos da Suazilândia. Desta vez acontece às portas da União. Eu acho que uma coisa tem de ir com a outra. Ou seja, no caso da Hungria e da Polónia, estes países devem ser sancionados ou devem ser pelo menos advertidos veementemente. E deve ser construída uma alternativa, porque também não adianta sancionar sem construir alternativas. Nós já vimos diversos casos, o caso da Venezuela, onde assistimos a sanções que empobreceram o povo da Venezuela, mas nem sempre vimos as elites serem empobrecidas. Aliás, vemos um ressurgimento à escala global do país sem uma grande condenação da ditadura com que os venezuelanos têm de viver a todo o momento. E, ao mesmo tempo, eu acho que temos também de trazer estes países para a solidariedade com a Ucrânia. Se por um lado, a Polónia o tem feito, nós tivemos a visita do presidente Joe Biden à Polónia muito recentemente, talvez seja a hora de encontrarmos mecanismos para trazer a Hungria também para a mesa do apoio inequívoco à Ucrânia. No caso da Bulgária, a Bulgária é um país que tem sofrido bastante, o caso da Áustria, o caso da Alemanha, países que têm economicamente sofrido bastante com a guerra, mas são países que continuam na linha da frente. O caso da Áustria, então, é claro, com a saída de um espírito de neutralidade para apoiar a União, nós precisamos de uma Europa mais coesa também nesta matéria. E qualquer mecanismo, no meu entendimento, de sancionamento da Hungria, tem também de respeitar os direitos humanos. Uma vez mais, se os condenamos pela violação dos direitos humanos dentro da Hungria, também nos devemos condenar pela falta de solidariedade relativamente aos direitos humanos, que, infelizmente, são hoje muito atacados na Ucrânia por uma invasão que é bárbara e por uma invasão que pode ser uma primeira visão daquilo que é um novo conjunto de países que se alinha com uma nova ordem multipolar e que pode ter consequências imediatas não só para a União, mas que pode ter consequências imediatas numa nova formação do mundo. E aqui o que eu mais gostaria é que a União Europeia, o eixo transatlântico, as sociedades democráticas pudessem entender que um dos momentos fulcrais para a democracia no mundo é precisamente este. E é precisamente neste momento que nós, mais do que tudo, precisamos lutar pelos nossos valores, lutar pela democracia, lutar pela paz e não deixar de lutar nunca pelos direitos humanos, apesar de parecer sempre muito abstrato. É preciso dizer que no final do dia, são pessoas reais que sofrem. São pessoas que no Uganda são criminalizadas por serem homossexuais. São pessoas que todos os dias são presas na Suazilândia por lutarem pela democracia. E estas pessoas merecem todo o empenho dos países da União.

NSL: Quando fala nessa nova ordem que se está a desenhar, o que é que a IUSY vê como risco para o futuro do século XXI?

BG: Se aprendermos com a história da própria organização, há algo que teremos de fazer e entender os momentos pré e pós Primeira e Segunda Guerra Mundial. No campo da esquerda, eles resultaram numa cisão da família socialista, entre a família social-democrata, socialista democrática e a família comunista, que ainda hoje existe. E eu acho que nós hoje precisamos de redobrar esforços em dois sentidos. O primeiro é na luta pela democracia, na luta pelos direitos que nós fomos adquirindo nas sociedades democráticas e na luta pela liberdade que é comum, não pela liberdade que é apenas de cada um. E, segundo, e distinto, porque este é um binómio que é explosivo, mas com o qual devemos ser muito cautelosos - sempre que se mistura na narrativa mediática - que tem que ver com a questão da paz e da segurança. Nós temos hoje alianças militares distintas.

Nós temos hoje interesses geopolíticos distintos, mas a nossa intenção enquanto partido de esquerda deve ser sempre o interesse último da promoção da paz. Não deve ser um interesse último da promoção nem da guerra justa, nem da paz justa, nem da paz justificada. Deve ser a obtenção da paz. Podemos achar que há diferentes caminhos, mas o resultado deve ser sempre o mesmo. E, portanto, com estes dois binómios, aquilo que eu posso dizer, é que nós temos de encontrar caminhos de diálogo, mesmo com aqueles que nem sempre se compreendem dentro do nosso espaço político, apenas e só se o respeito pelos direitos humanos, o respeito pela Carta das Nações Unidas for cumprido. Porque quando isso não é, eu creio que nós devemos aprender muito com as lições da Segunda Guerra Mundial de que olhar para o lado simplesmente porque não acontece connosco não é uma solução. Porque quer dizer que já terá acontecido com alguém e viola o nosso princípio fundamental de ser socialista, de ser social-democrata, que é o princípio de solidariedade e o princípio de querer o melhor para todos que habitam neste planeta.

NSL: Há um outro ponto que eu também gostava de ouvir a sua opinião tem a ver com um problema que não tem passado tanto na agenda mediática que tem a ver com os migrantes e o Mediterrâneo.

BG: Eu falei disso ainda na última semana em Marrocos. Perguntavam-me, na altura, qual devia ser a postura do Reino de Marrocos face à questão migratória, quando nós sabemos precisamente que um dos últimos focos foi na fronteira entre Espanha e Marrocos. Fronteira essa que é marítima, e, portanto, qualquer questão migratória de que nós falamos na Europa, estamos a falar do Mediterrâneo. A Europa tem de se construir de uma forma diferente, não só a União, mas a Europa no seu todo. E tem de se construir entendendo que, primeiro, precisa de imigrantes e, portanto, precisa de construir uma Europa que demograficamente seja mais estável. A Europa precisa de ser solidária, como diz o artigo dois, e, portanto, não vale a pena nós condenarmos alguns países pelo desrespeito pelos direitos humanos, ao mesmo tempo que temos outros países que preferem deixar pessoas afogarem-se no Mediterrâneo, em vez de as salvarem. E terceiro, precisamos de construir uma Europa mais tolerante, mas sobretudo mais integrada. A Europa de segregação, onde alguns, dependendo da classe social, dependendo da etnia, podem ou não aceder a partes dos centros urbanos, a parte da sociedade, a diferentes eventos, à cultura, à arte. Essa é uma visão que tem de acabar. Nós precisamos de aprender, por exemplo, com países da América Latina ou até países da Ásia, aqueles que são mais inclusivos, que a Europa só tem um futuro económico pujante, de alguma relevância política e geoestratégica, se souber incluir estes migrantes. Até porque está visto que qualquer intervenção externa em países, sobretudo do Mediterrâneo, tem sido um absoluto desastre, tem resultado em catástrofes migratórias, tanto para as pessoas como depois para os países na União. E, portanto, eu acho que o fundamental é nós construímos uma nova visão do Mediterrâneo, uma visão de partilha, porque nós partilhamos fronteira. E, portanto, é muito importante que haja uma construção - de Marrocos até à Turquia - de uma nova comunidade que se integre economicamente, mas que se respeite e quem sabe, talvez até no futuro, tenhamos a livre circulação de pessoas e de bens entre países do Mediterrâneo, sejam eles africanos, sejam eles do quadro da União ou da Europa.

Fotografias: José António Rodrigues