No espaço do debate parlamentar dedicado a pedidos de esclarecimento, o deputado do PS registou um aparente recuo na vontade do líder da AD, Luís Montenegro, em avançar para o exercício das funções a que se propôs na chefia do Governo recém-empossado.
Lembrando que o executivo da AD tomou posse em “condições absolutamente excecionais” deixadas pela governação socialista, Mendonça Mendes referiu o ciclo de crescimento económico e de excedente positivo nas finanças públicas, bem como os 16 mil milhões de euros em investimentos em curso através do PRR, para contrapor o facto de Luís Montenegro parecer já não querer governar, apostando numa nova crise política, pela qual pretende responsabilizar o PS.
“Depois de decidir ser primeiro-ministro, temos vindo a assistir que, afinal, já não quer sê-lo”, atirou, acusando Montenegro de, “a todo o momento querer criar um clima para ir a eleições o mais rápido possível”.
Numa forte crítica dirigida ao novo primeiro-ministro, por procurar “fazer crer que as condições para executar o Programa de Governo devem ser conferidas pelo Partido Socialista, que tem discordâncias profundas com o Programa de Governo da AD”, António Mendonça Mendes deixou claro que Montenegro “não tem desculpas para não governar e não tem desculpas para não cumprir as promessas que fez durante a campanha eleitoral”.
Lembrando que a AD apresentou um cenário macroeconómico subjacente ao seu programa eleitoral “altamente irrealista”, o deputado do PS exigiu saber “quais são as garantias que [Montenegro] pode dar de cumprimento daquilo que prometeu quando, sem condições de honrar compromissos, já decidiu não apresentar um programa de estabilidade”.
Rejeitar rejeição não é adesão
Na segunda ronda de questões ao primeiro-ministro, o deputado Pedro Delgado Alves afiançou que a não viabilização por parte do PS de uma moção de rejeição “não significa, não pode significar e nunca significou mais do que o Governo pode iniciar funções e desenvolver o trabalho que tem a fazer, encontrando soluções de compromisso, negociando, dialogando”.
Avançando com a clareza que, disse, se exige num debate sobre o Programa de Governo, mas que o primeiro-ministro “até ao momento não conseguiu trazer”, Pedro Delgado Alves fez questão de salientar que “rejeitar a rejeição não implica adesão”.
“Para o primeiro-ministro, aqueles partidos que recusem as rejeições ficam vinculados a levar o Governo até ao termo, a ele ficam amarrados”, pontualizou o parlamentar do PS, recusando liminarmente esta leitura e desafiando o chefe do executivo a apresentar um voto de confiança ao Parlamento.
“Se o Governo quer essa confiança, tem de a pedir à câmara e, não o fazendo, obviamente não pode tentar obter uma ilação diferente daquela que resulta da Constituição, da prática da natureza deste debate”, enfatizou, insistindo que seria bem-vinda uma clarificação por parte do executivo.
Diferenças na Habitação são irreconciliáveis
No capítulo da Habitação, a deputada socialista Maria Begonha sinalizou “a total encenação de diálogo e o desvio de recursos públicos para o setor privado que ficam bem demonstrados nas opções do Governo” vertidas no programa em apreço na Assembleia da República.
“Propõem a revogação do programa Mais Habitação e de um conjunto de conquistas com o objetivo muito concreto e definido” de, alertou, “de revogação em revogação, entregar totalmente e novamente a habitação às leis do mercado”.
Alertando que está em causa a destruição sistemática da Lei de Bases da Habitação, Maria Begonha disse que o executivo de Montenegro e seus parceiros à direita procuram voltar a um “passado de má memória”.
“Regressar à desregulação total do mercado de arrendamento, à reabertura da especulação que tira casas acessíveis para as pessoas, para as classes médias, para as famílias”, declarou a parlamentar socialista, sustentando de seguida que “o Governo, que se anuncia humilde e dialogante, sabe que nesta matéria não precisa mesmo de um esforço de diálogo, porque o diálogo teria de se fazer com a oposição à esquerda”.
O executivo, denunciou, “pode apresentar um programa de revogações e de liberalização porque já tem constituída a maioria de direita que concorda com a ideia de que a habitação é importante desde que não limite a iniciativa económica, desde que subordinada à ganância especulativa do lucro, que pretende mascarar de normal funcionamento do mercado”.
“Já tem os seus parceiros da iniciativa Liberal e do Chega para facilitar o despejo, revogar os tetos de renda”, disparou de seguida Maria Begonha, reafirmando que, para o PS, “a habitação digna e acessível é um direito, um pilar do Estado Social” e essa, frisou, “é diferença irreconciliável entre PS e PSD”.
A terminar, Begonha quis saber se Montenegro se sente preparado para “correr o risco de piorar a crise da habitação e isolar-se politicamente, totalmente do Partido Socialista”, isto porque, finalizou, “esse é um custo que suportará sozinho, com os seus parceiros de direita”.