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Entrevista de Ana Catarina Mendes – Renascença/Público

Entrevista de Ana Catarina Mendes – Renascença/Público

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Ana Catarina Mendes. “Gostaria de ver Centeno num próximo Governo do PS” 

in Renascença/Público por Eunice Lourenço (Renascença) e David Dinis (Público)

Ninguém perdeu identidade neste dois anos e meio de maioria de esquerda, nem o PCP, garante a número dois do PS, Ana Catarina Mendes. E promete “a mesma solução governativa”, mesmo que o PS tenha maioria em 2019. Mas Centeno é para segurar: “Nunca tivemos um ministro das Finanças tão bem aceite pelos portugueses”.

 

António Costa já tem temas para a próxima legislatura: clima, relações laborais na era digital, demografia e desigualdades. São esses os temas da moção que vai levar ao congresso de maio e que será feita por Mariana Vieira da Silva, atual secretária de Estado adjunta do primeiro-ministro, como avança Ana Catarina Mendes em entrevista à Renascença e ao Público.

O congresso do PS está à porta, as legislativas já se aproximam. Já sabem quem vai coordenar o programa eleitoral?

Antes, quem vai coordenar a moção de António Costa ao congresso será Mariana Vieira da Silva. Este tem que ser um congresso programático e a olhar para o futuro. O que significa hoje saber quais são os problemas essenciais com que a sociedade portuguesa, a Europa e o mundo se confrontam. Desde logo, depois dos incêndios deste Verão, ficámos mais sensibilizados ainda para o problema das alterações climáticas, não apenas porque dependemos muito da energia externa, mas também porque é preciso voltar a pensar na nossa organização em sociedade e de estar na vida. Temos, por outro lado, a sociedade digital: estamos confrontados com profissões que vão desaparecer a curto prazo e com profissões que ainda não conhecemos.

… E mudanças substanciais na forma como trabalhamos…

As relações laborais são ser alteradas, como é evidente. Hoje já não é possível olharmos para o mundo do trabalho da mesma forma como olhávamos, não digo há 20 anos, mas há cinco anos.

E da forma como os seus parceiros de esquerda olham, não?

Talvez, mas eu quero dar-lhe a visão do PS: a nossa organização em sociedade vai ter grandes mudanças. E essas grandes mudanças estão firmadas numa sociedade digital, nas alterações climáticas, também na questão demográfica. Nós não podemos continuar a falar dela só na perspetiva da natalidade, porque isso é demasiado redutor. Quando falamos no despovoamento, na desertificação, nas assimetrias, temos que perceber que a montante de tudo está um problema demográfico. Por último, está no património genético do PS o combate às desigualdades – e as esse será também um tema a abordar no congresso.

O PS conta com Mário Centeno para voltar a fazer o quadro macro-económico que dará base ao novo programa eleitoral?

Contamos com Mário Centeno para continuar a conduzir o país nos bons resultados financeiros e económicos que temos tido, na nossa credibilidade externa. Seguramente será um ativo muito importante no futuro do PS e nas próximas eleições.

Como avalia o desempenho dele?

De uma forma absolutamente positiva. Não é por acaso que temos hoje Mário Centeno como presidente do Eurogrupo. Há dois anos muitos não acreditaram que cumprir este défice seria também voltar a ter a economia a crescer. Hoje podemos dizer que é o maior crescimento desde que entrámos no euro. Nunca tivemos um ministro das Finanças tão bem aceite pelos portugueses.

Gostaria de o ver num próximo Governo do PS?
Gostaria de o ver num próximo Governo do PS. Mas isso depende da sua vontade – e do PS ganhar as próximas eleições.

O Governo conseguiu um défice de 0,9% (fora o efeito CGD). Este ano, o Governo deve ser mais exigente do que a meta de 1% fixada ou deve aproveitar alguma margem para acorrer aos problemas nos serviços públicos e investimento?

Temos demonstrado que o caminho que estamos a seguir é um caminho para recuperar o que foi desmantelado nos serviços públicos, para recuperar as condições de vida das pessoas, para recuperar emprego. Acredito que o próximo Programa de Estabilidade vá ao encontro deste caminho. Que permite uma consolidação das contas públicas, mas em que essa consolidação possa ter um espelho na vida das pessoas. Não escondemos que há problemas graves nos serviços públicos. E que decorrem de uma austeridade a que fomos sujeitos e levaram a que hoje seja preciso mais dinheiro…

Há notícias todas as semanas a falar da falta de médicos…

É verdade, mas também é verdade que não temos nenhum médico desempregado em Portugal, que criámos um incentivo de 40% nos salários para que os médicos pudessem deslocar-se para zonas mais deprimidas – e a verdade que é esse concurso ficou com uma pessoa. É uma sensibilização que todos temos que fazer, a demografia é de facto um problema.

O BE e o PCP olham para os resultados do ano passado e dizem ser a prova de que não era preciso apertar tanto o cinto. O PS acha que basta manter o objetivo de 2018 (e ganhar margem para investir) ou que se deve aproveitar este tempo para manter o ritmo da consolidação?

Acho que temos que ter a perceção de que não é possível fazer tudo ao mesmo tempo. E não é possível tentar uma consolidação de contas públicas que possa ser artificial e revelar-se num descalabro a seguir. É preciso fazer poupanças e, ao mesmo tempo, dar resposta às nossas necessidades. Nós temos investido mais na Cultura, na Educação, na Proteção Social…

Não ficamos com a sensação de que é sempre mais um bocadinho?

Ouça, na minha casa eu também gostaria de ter um bocadinho mais. Mas tenho que conseguir que o equilíbrio e a educação dos meus filhos seja garantida com uma sustentabilidade das minhas contas públicas. Se continuarmos este caminho, a pouco e pouco, teremos resultados ainda melhores. Não nos devemos desviar daquilo que estamos a fazer. O investimento público aumentou em 2017 25%. Isto diz bem do esforço… dir-me-á: “Mas é pouco”. Eu digo que estamos a fazer um esforço. Se perguntar: “Não acha que há uma folga?” Mas sempre que há uma folga é preciso canalizá-la para o que é essencial.

Estava a citar o BE, o PCP e também o porta-voz do PS, João Galamba, que numa entrevista dizia que, face a estes resultados, em 2018 e 2019 “já não precisamos de fazer um brilharete” nas contas. Mesmo no PS sente-se uma tensão sobre continuidade ou alívio.

O que lhe posso dizer é que espero que, nas próximas legislativas, com o caminho que estamos a seguir, o PS tenha uma grande vitória. Para permitir que os alívios que não se possam fazer agora possam vir a fazer-se na próxima legislatura. Não é possível olhar para estes quatro anos esquecendo o que foram os últimos quatro anos da direita. Sendo que situações como as da banca e do sistema financeiro foram bombas-relógio para este governo. Nós não estamos a fazer brilharetes com as contas públicas, estamos a ser rigorosos. Quando olhamos para Rui Rio, apesar das vozes críticas dentro do PSD, dizer que este caminho de consolidação é positivo, eu creio que nós podemos dizer que não estamos em festa, nem em brilharetes, mas que estamos a fazer um trabalho de rigor.

Quando pede um grande resultado para o PS, está a pedir uma maioria absoluta?

Não. Estou a pedir que o PS seja merecedor da confiança dos portugueses.

E se não tiver essa maioria, o PS admite governar em minoria? Acha que há condições para repetir esta solução?

Os resultados são de tal forma positivos e reconhecidos, que há todas as condições, com maioria absoluta, sem maioria absoluta, para repetir esta solução governativa. Porque a democracia ficou a ganhar muito. Porque se quebrou a ideia de que só a direita é que se aliava; e porque a direita se aliou para empobrecer, a esquerda conseguiu unir-se para ter o melhor défice da democracia, para ter o melhor crescimento das últimas décadas, para criarmos empregos…

Em minoria, o PS não governará?

Se estiver em minoria, o PS tentará encontrar a solução. Desejavelmente a que encontrámos em 2015.

Olhando para os temas da moção de António Costa, como as relações laborais, acredita que há margem para um novo programa comum com o PCP?

Em cada momento terão que estar as cartas em cima da mesa – e saber quais são os pontos de convergência. Há uma coisa que esta solução demonstrou: ninguém perdeu a sua identidade.

Acha que o PCP não perdeu?

Acho que o PCP não perdeu identidade.

Nas questões laborais não me parece ir tão bem encaminhado.

Algumas das questões que estão a ser colocadas em cima da mesa não constam dos acordos celebrados. A questão é se estamos ou não todos convocados para o combate à precariedade. É inadmissível que 25% dos contratos sejam precários. E que atinja os jovens até aos 35 anos. O PCP está connosco neste combate.

Não concorda com a taxa, por exemplo.

Está no seu direito, de não concordar. Mas sejamos claros: a democracia enriquece com a divergência de opinião. por isso o PS não se consome pelo BE ou pelo PCP, nem o PCP, BE se vão consumir pelo PS. O PS é um partido europeísta, os nossos parceiros não concordam com a Europa. Não vem nenhum mal ao mundo, sabe porquê? Porque também provámos que esta solução de governo não nos inibiu se cumprimos os nossos compromissos.

Na questão laboral, sem acordo à esquerda, como é que o Governo tenciona fazer? Falando com o PSD?
O BE e PCP estão muito mais próximos do PS em matéria laboral do que alguma vez o PS estará do PSD.

 

A número dois do PS é contra a proposta do BE de criar um organismo para vigiar rendimentos dos políticos: “Auto-flagelos só diminuem a força dos partidos”, avisa.

 

É preciso resistir ao populismo e fortalecer os partidos, diz Ana Catarina Mendes em entrevista à Renascença e ao Público, garantindo que há um problema por resolver no financiamento dos partidos.

No Parlamento está em cima da mesa um pacote sobre transparência dos políticos. Já disse numa reunião do grupo parlamentar do PS que é preciso ter alguns cuidados nesta matéria, para não fragilizar os partidos. No que respeita a este pacote legislativo, no que é que concorda e no que é que tem dúvidas?

Há hoje na Europa, e felizmente Portugal tem resistido a isso, uma tendência para os partidos populistas e os mais radicais ganharem espaço. O Parlamento Europeu é hoje um dos exemplos onde o radicalismo e o fundamentalismo está a ganhar espaço. Eu sou formalmente contra estes fenómenos e acho que eles só se combatem se os partidos forem fortes. Ora, só são partidos fortes os que são transparentes, os que têm uma gestão democrática e que são escrutináveis com facilidade por todos os cidadãos. Por isso, toda a transparência que possa existir na vida política, sou favorável. O pacote de transparência foi o PS que lançou – e lançou bem. Está em discussão, estamos a aguardar as propostas que outros partidos (designadamente o PSD) farão, até lá não falarei.

Concorda com o diploma do BE que cria um organismo que será “polícia” para as remunerações dos políticos?

Não. Acho que vamos pelo mau caminho. A função de político é uma função de que me orgulho muito. Porque entendo a política como a possibilidade de tomar decisões que todos os dias melhoram a vida das pessoas. E ser político não é uma coisa menor na sociedade portuguesa. É aliás uma coisa de enorme responsabilidade, que nos convoca todos os dias a dúvidas, que nos coloca todos os dias perante dificuldades. Eu, se olhar ainda hoje para os números da pobreza tenho que dizer “sim, vale a pena ser política, para todos os dias combater essa pobreza”. [Impôr] Polícias aos políticos é um mau princípio. Porque parte do princípio da suspeita sobre cada um dos políticos. E eu considero que as pessoas me devem escrutinar, mas não me considero sob suspeita.

Essa é uma posição da Ana Catarina Mendes ou a do PS?

É a minha posição.

O PS já tem posição oficial sobre essa proposta do BE?

O PS lançou a discussão, fez umas jornadas sobre o tema, vamos agora ver como decorre a discussão no Parlamento. Só posso dizer o seguinte: auto-flagelos só diminuem a força dos partidos.

Como estão as contas do PS?

As contas do PS são um problema há muito tempo. Desde que iniciamos funções conseguimos baixar a dívida aos fornecedores em 78% e a dívida aos bancos em 25%.

Houve perdão de dívida dos bancos?
Não. Houve renegociação dos empréstimos, dos prazos. Mas 25% em dois anos é obra, para a dívida que herdámos no PS.

Disse já que o PS devia encontrar outro método de financiamento, para além das quotas dos militantes. Já encontrou?

(Risos) Quando apresentámos uma proposta de alteração à lei do financiamento dos partidos, para retirar alguns dos obstáculos que a Autoridade Tributária (AT) coloca nas contas dos partidos, já tinha essa intenção. É óbvio que os partidos não conseguem viver apenas das quotas dos militantes, é impossível. Temos a subvenção – e por vezes temos donativos.

O PCP acabou de colocar um processo em tribunal ao ministro das Finanças, por causa das divergências com a AT sobre a questão do IVA. Foi aliás uma das questões levantadas na alteração à lei de financiamento dos partidos. O PS fará o mesmo?

Primeiro, esta questão do financiamento dos partidos foi envolta num discurso que considero demasiado populista e pouco sério. Em segundo lugar há um problema com a norma atual – e que acabou por ficar na lei, porque há partidos que deram o dito por não dito, o que correu mal…

… o Bloco?

Por exemplo. O PSD mudou de liderança, o BE mudou de posição. Mas hoje temos um problema de interpretação da norma do IVA. O PS entende que devem ficar excluídas da devolução do IVA as despesas das campanhas eleitorais. A verdade é que essa norma já existe há 18 anos: não temos isenção do IVA, temos à devolução do IVA. Mas da forma como está escrita gera discricionariedade. E permite que a AT, ao PS diga que tem direito à devolução do IVA do tonner e ao PCP que não. É isto que é um absurdo. Por isso é que era preciso clarificar a norma. Não foi por aí que os partidos quiseram. Enquanto não conseguirmos falar seriamente do financiamento dos partidos… O sr. Presidente da República acha que o financiamento devia ser totalmente publico, o PS defende que seja misto.

O PS contestará em tribunal?

O PS tem algumas ações em tribunal, como sabe, por causa da devolução do IVA. Recentemente perdemos uma, de uma devolução de alguns milhões que fariam falta.

 

 

Ana Catarina Mendes. “Rui Rio está entre a espada e a parede”

 

O novo líder do PSD está “mais disponível” para o diálogo, reconhece Ana Catarina Mendes. “Mas não nos enganemos”, alerta a número dois de António Costa no PS, em entrevista à Renascença e ao Público.

Como é que olha para a nova liderança do PSD? Sente que é diferente?

Sinto que é o PSD, que nunca deixará de ter o seu cunho ideológico. Há é uma diferença na atitude: Rui Rio mostra-se muito mais disponível para o diálogo. Mas não nos enganemos muito. Qual é o diálogo que o PSD está neste momento disposto a ter com o PS? A descentralização, que é fundamental; e o Portugal 2030. Se há coisa que o Portugal 2020 nos mostrou é que foi um mau quadro comunitário, negociado para Portugal. Olhar para o Portugal 2030 significa olhar para uma geração que vai beneficiar dessa capacidade que o Governo e as várias forças políticas tiverem de negociar em Bruxelas um quadro comunitário.

Acha que Rui Rio só está, portanto, a ser pragmático?

Acho que Rui Rio está, neste momento, entre a espada e a parede, com uma oposição interna que não o deixa ser líder da oposição. Mas a vida é o que é – e eu espero que Rui Rio pelo menos nestes dois dossiês cumpra os sinais que já deu – e que são sinais muito positivos. E que também engrandecem a democracia: nós não temos que estar de costas uns para os outros.

Já falou aqui das divergências à esquerda sobre a UE. A proximidade das eleições europeias não pode ser um momento de dar uma rampa ideológica para mostrar mais a separação entre os três parceiros?

Acho que tem sido dada e sabemos bem as divergências. Aquilo em que estou focada é que o PS aumente a sua representação no Parlamento Europeu e ganhe as europeias.

O seu nome já foi falado: admite ser cabeça-de-lista nessas eleições?

Não. Sou secretária-geral adjunta do PS. Estou absolutamente focada em ganhar as europeias e legislativas.

Já agora, admite que se juntem as europeias e legislativas?
É uma questão que se coloca e que era preciso termos uma revisão constitucional para que acontecesse. Do ponto de vista até das pessoas – e do cansaço das pessoas com eleições -, europeias com legislativas não me chocava.

Sem uma revisão constitucional, faria sentido se o Presidente colocasse o cenário de acontecer ainda nestas europeias?

Acho difícil neste momento. Vamos ter eleições europeias em maio e legislativas em setembro ou outubro.

Já é um dado adquirido que Francisco Assis deixará de ser o cabeça-de-lista às europeias?

Falta um ano e pouco. O PS vai ter um congresso, havemos de ter a nossa convenção sobre Europa no início do próximo ano…

Vai deixar essa decisão para 2019?
… até lá há eurodeputados que estão a fazer o seu trabalho, um bom trabalho, no PE. Até lá não está em cima da mesa a lista às europeias