O PS não vai viabilizar o orçamento pelas suas qualidades. Nenhuma voz na Comissão Política Nacional defendeu a bondade deste orçamento. Nem o fará convencido de que o Governo de Luís Montenegro tenha competência para continuar o que estava a correr bem ou corrigir o que precisava de ser melhorado do ciclo político anterior. Nenhuma voz na reunião de ontem à noite se mostrou distraída da incompetência evidenciada pelos membros do governo que tenham mexido uma palha, nem da insustentabilidade do rumo que está a ser traçado. A razão é simples: a equipa de Montenegro é apenas uma comissão eleitoral em hiperatividade de curto prazo, sem visão de futuro que não seja a ideologia dos chavões velhos da direita lusa. No governo desta AD não resta nenhum traço de ideal reformista a pensar no futuro sustentável dos portugueses que vivem do seu trabalho.
Sem poder perscrutar todas as razões que levaram ao voto de cada comissário político do PS a favor da abstenção no OE, acredito que uma razão ponderosa nos assistiu a todos. Essa razão é: a distorção dos mecanismos constitucionais, operada pelo atual Presidente da República, confunde a votação do orçamento anual com uma moção de censura ou uma moção de confiança. A aprovação da primeira ou a rejeição da segunda implica a queda do governo – mas a rejeição de uma proposta de OE não tem essa implicação. Digo: não o implica no texto constitucional; implica-o na avariada leitura política de um PR que, pelos vistos, se dispunha a dissolver pela terceira vez o Parlamento no decurso dos seus mandatos. Em vez de aplicar a Constituição da República Portuguesa, que, sabiamente, prevê mecanismos diferenciados para ultrapassar situações distintas, dando espaço institucional para que funcione a escolha política no espaço democrático, Marcelo Rebelo de Sousa introduziu uma prática presidencial que corresponde à chalaça “para quem só conhece martelos, tudo no mundo são pregos”. Passou a interpretar o regime como uma espécie de presidencialismo do primeiro-ministro e, repetidamente, afunila os seus próprios poderes, autolimitando por antecipação a sua intervenção, que parece agora reduzir-se à infinita repetição de dissoluções da Assembleia da República. Ou à repetição da respetiva ameaça.
Neste contexto, com Marcelo Rebelo de Sousa, de braço dado com Luís Montenegro, a prometer mais uma crise política fora de calendário, ameaçando com umas eleições poucos meses depois das anteriores, algo que seria incompreensível para a generalidade dos cidadãos e agravaria a desafeição do povo com a política, alguém tinha de ter um comportamento responsável. Coube ao PS, mais uma vez, esse papel.
Ser o adulto na sala pode exigir sacrifícios, mas, finalmente, é parte daquilo que uma oposição forte e responsável pode fazer pela democracia. Não temos pressa, porque sabemos para onde vamos. É um sacrifício deixar passar um mau orçamento, mas estamos conscientes de que o fazemos pela preservação das instituições democráticas. Reforçar o nosso trabalho de alternativa é outra face dessa ação democrática – e nisso nos concentramos.