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Venda agora e pague (muito) depois

Venda agora e pague (muito) depois

Debate Resíduos Sólidos Urbanos

Logo que tomou posse, o Governo decidiu começar da pior forma o processo de privatizações do sector da energia: para além de decidir alienar contra a lei a REN – Redes Energéticas Nacionais (adjudicando a uma mesma entidade mais de 10% daquela da empresa), decidiu ainda vender a quase totalidade da sua participação na EDP – Electricidade Portugal, sem salvaguardar minimamente os interesses dos consumidores. Querendo vender uma EDP “gorda” de direitos e “leve” de obrigações, o Governo alienou, dessa forma, um conjunto de direitos e de “rendas” que se estão a repercutir na nossa fatura energética atual e na dos próximos anos, através do crescente deficit tarifário (estima-se que este ano supere largamente os 4000 milhões).

Recordo estas privatizações, não só porque estamos e estaremos a pagar (e muito) pela forma errada como foram feitas, mas também para alertar e denunciar que o Governo prepara um processo semelhante com a anunciada privatização da EGF (Empresa Geral de Fomento), uma sub-holding da Águas de Portugal e acionista de mais 14 empresas, distribuídas pelo país, e que operam na resolução ambiental dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU).  
Em primeiro lugar, é de destacar a falta de oportunidade e forma pouco rigorosa e transparente como a Parpública selecionou os assessores do Governo na avaliação da empresa e na preparação dos procedimentos para a privatização. Mais uma vez, foi uma escolha opaca e desconhecida dos cidadãos, dos consumidores e das autarquias, que, nesta questão, são um parceiro fundamental. Importa recordar que o que está neste momento em causa, com a venda da participação que o Estado tem no sector da gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos, corresponde à alienação da componente mais rentável da “ainda” maior empresa portuguesa de capitais totalmente públicos (a Águas de Portugal).

Por isso, a primeira preocupação vai para a necessidade de ser assegurado que este processo não corresponda a uma perda (incluindo as garantias e as condições atuais dos empréstimos internacionais que esta empresa contraiu para investimentos na rede de água, em alta, no nosso país) de valor do remanescente Grupo das Águas de Portugal, e com a agravante acrescida se o resultante da privatização não corresponder a um encaixe financeiro direto para a própria empresa. Por outro lado, e sendo esta uma atividade regulada, é de registar, com estranheza, ou talvez não, que a maioria parlamentar “congelou” desde há meses, na Assembleia da República, o diploma que dará ao regulador, a ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos), uma verdadeira natureza independente e uma capacidade operativa para acompanhar todo o caderno de encargos e todas as ligações contratuais com os municípios e, não menos importante que isso, a possibilidade de defesa dos direitos dos consumidores, em particular quanto à política tarifária e aos custos.

Será que o Governo se prepara, tal como fez com a privatização da EDP, para garantir, neste processo de privatização (repito: opaco e pouco transparente), aos concorrentes que o preço de pagamento da energia produzida nas incineradoras de resíduos vai continuar com as mesmas tarifas? E por quanto tempo? E qual o deficit que esta operação vai gerar? E, no caso de serem construídas novas incineradoras, qual o valor da energia e qual a tarifa bonificada? E, na questão dos resíduos, será que o Governo se prepara para garantir taxas de rentabilidade leoninas para os concorrentes?

São respostas que os consumidores devem exigir para que os erros colossais do processo de privatização da EDP e da REN se não repitam. É que, com este Governo, já sabemos que são sempre os mesmos a pagar, hoje e também para o futuro.

Jorge Seguro Sanches

Secretário Nacional do Partido Socialista