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Van Dunem & Caldeira Cabral: “Credores vão receber mais e mais depressa” | Entrevista ao Dinheiro Vivo e TSF

Van Dunem & Caldeira Cabral: “Credores vão receber mais e mais depressa” | Entrevista ao Dinheiro Vivo e TSF

Acelerar a reestruturação de empresas e insolvências é o objetivo do pacote de medidas que foi aprovado nesta semana em Conselho de Ministros. Trata-se de um dos eixos de atuação do programa Capitalizar. Numa entrevista conjunta, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, e o ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral, explicam o que está em causa.

O que é que muda com este programa em relação a todas as outras tentativas para desburocratizar a economia portuguesa?

Manuel Caldeira Cabral (M.C.C.): Estamos a lançar as medidas de reestruturação empresarial, ou seja, um dos cincos eixos do programa Capitalizar. Já lançámos uma série de medidas ao nível fiscal, muitas foram concretizadas no Orçamento do Estado, mas também há medidas de financiamento e as linhas Capitalizar estão já disponíveis nos bancos, onde todos os dias os empresários podem aceder a elas – e, de facto, estão a procurá-las. É um programa que procura facilitar o financiamento das empresas, mas percebeu-se que o problema das empresas não era só no acesso ao financiamento, mas o facto de este estar excessivamente centrado no sistema bancário. Daí que as medidas fiscais procuram incentivar as empresas a financiarem-se mais com capitais próprios e menos por crédito bancário. Neste momento há um outro tipo de empresas, que estão em dificuldades, e há muitas nesta situação, porque tivemos uma crise que se prolongou muitos anos e com uma ajustamento bastante difícil. São empresas que fizeram investimentos que, em 2008 ou 2009, lhes pareciam interessantes, mas que quando esses investimento entraram no mercado e deveriam dar rendimento, encontraram um mercado em queda, uma economia estagnada, e tiveram problemas por ficar com dívidas sem o retorno esperado. O que se torna importante neste programa é pensar que muitas destas empresas são economicamente viáveis, que estão a operar e conseguem gerar margens brutas razoáveis. O seu problema é que como têm um endividamento muito grande não conseguem pagar todos os juros. Nesta situação, interessa ter credores e devedores que se entendam. Pretendemos com este programa atuar mais cedo e salvar mais valor económico. Nas empresas com modelos de negócio que não são viáveis, não vale a pena estar a reestruturar, mas naquelas que geram valor económico positivo, descontando aqui o peso do endividamento, torna-se interessante salvá-las, reestruturando a dívida, alargando os prazos, abatendo uma parte da dívida. É essa negociação com os credores que esta nova legislação quer facilitar. Facilitar para que as empresas mais rapidamente resolvam o problema, em vez de o arrastar até à insolvência, quer ainda incentivando as empresas a recorrer mais cedo a mecanismos de resolução dos problemas para que não o façam tarde demais, havendo perda de valor, criando um problema para os credores que acabam por recuperar apenas uma parte muito pequena dos créditos, bem como um problema social, de desemprego

A Justiça é muitas vezes acusada de ser obstáculo ao crescimento económico. Este eixo entre o Ministério da Justiça e o Ministério da Economia poderá ser uma forma de alterar esse processo pesado e burocrático de que os empresários tanto se queixam?

Francisca Van Dunem (FVD): No fundo, o que se procura é melhorar aquilo que existe e não fazer uma revolução, é avançar no sentido de abandonar as soluções que se provaram não ser boas e melhorar e reforçar aquilo que funcionava. É verdade que, quer a literatura económica, quer até as instituições que apoiaram Portugal no programa de resgate apontam a lentidão da Justiça como um fator de entrave ao crescimento da economia e de erosão da confiança dos investidores. A verdade é que, do lado da Justiça, a perceção que têm os agentes de Justiça, é de que são as dificuldades da economia que lhe gera maiores problemas, porque os problemas da Justiça estão muito concentrados nas áreas da justiça económica, como a área dos processos de execução, insolvências e contencioso administrativo.

Pelo volume de trabalho que acrescenta à justiça?

FVD: Pelo volume, sim. No final do ano passado, no total de um milhão e 300 mil processos, 790 mil eram execuções. As execuções representam 70% do total dos processos pendentes em Portugal e isso já dá uma ideia do esmagamento do sistema na parte das execuções. As insolvências são também importantes na medida em que são processos complexos e refletem o estilhaçar do tecido económico. Não temos dúvidas, que em primeiro lugar, há uma função a cumprir, quando as coisas chegam a esse ponto, e por outro lado, a falta de previsibilidade gera menor confiança relativamente ao sistema. Diz-me muitas vezes que um empresário que quer investir em Portugal pergunta primeiro ‘se tiver uma dívida quanto tempo demora a cobrá-la’, e é óbvio que esse é um aspeto que a Justiça não pode descurar.

Este novo eixo vai trazer essa previsibilidade à justiça?

FVD: Vai ajudar a essa previsibilidade. Há aqui um facto relevante e inédito que é este trabalho muito intenso entre a Justiça e a Economia. Trabalhamos no sentido de cada um dos setores perceber o que é que do seu lado estava a correr mal e o que poderia ser melhorado. Aquilo que a Justiça pensa é que, por um lado, estas medidas que têm a ver com a reestruturação das empresas, quer judicial quer extra judicial, esta lógica de prevenção, de intervenção precoce, para fazer com que as empresas se reestruturem enquanto podem ou então fazer com que sigam rapidamente para o processo de insolvência judicial, vai, obviamente, ajudar a clarificar aquilo que fica nos tribunais. Não tenhamos ilusões: estas questões das patologias da economia, acabam por gerar sempre um maior fluxo de processos e um maior nível de conflitualidade, desde logo pelas insolvências, pelas questões relacionadas com o mundo do trabalho, pois atiram para o desemprego grande número de pessoas, e para além disso gera dificuldades ao fornecedores que ficam com créditos não satisfeitos. E a partir daqui há um conjunto de quebras sistémicas e em catadupa. Porque se as pessoas deixam de ter rendimentos, deixam de cumprir as suas obrigações, do ponto de vista do consumo, e isso tem também repercussões nos tribunais.

Vamos saber quanto vamos poder receber do tribunal e uma previsão exata de tempo?

FVD: Já temos processos em relação aos quais existe previsibilidade. Na área criminal, por exemplo, e na área cível. O problema é a circunstância do tempo ser muito longo. Neste momento tenho a noção que para um processo de insolvência, a previsibilidade da sua conclusão será daqui a 40 meses.

Então a crítica da lentidão da justiça acaba por ser uma crítica justa?

FVD: Sim, é. Não tenho a menor dúvida. Agora estamos a trabalhar no sentido de reduzir os focos de lentidão. E se formos capazes de conter a montante o fluxo de processos – há aqui um facto importante: na sequência da crise as insolvências, que em 2007 tinham entrado cerca de 800 insolvências, em 2012 estavam a entrar 4.500. Tivemos, pois, um aumento exponencial de processos que têm que ver com tudo isto. A nossa perspetiva é a de que se formos capazes, do ponto de vista da economia, criar estruturas mais sãs, e dar algum apoio às empresas, no sentido de identificarem os primeiros sinais de crise e tomarem iniciativas, seguramente teremos mais capacidade para reestruturar e manter em bom estado ativos importantes das empresas.

Se uma empresa estiver à beira da insolvência, e recorrendo à nova legislação, a quem se dirige?

MCC: Se estiver numa situação económica difícil, com esta nova legislação vai poder abordar os credores e propor, por exemplo, a conversão de crédito em capital.

FVD: Pode também ir ao IAPMEI e arranjar um mediador de crédito que vai apoiá-lo na compreensão do estado da empresa e fazê-lo perceber que caminhos é que pode escolher para reestruturar. E só quando não já não tiver hipóteses de reestruturar sozinho, e o quiser fazer com apoio, pode avançar para o RERE [novo Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas], ou se não quiser, passa para o PER [Processo Especial de Revitalização, que foi reforçado e é destinado a empresas em situação económica difíceis ou de insolvência iminente]. Se conseguir reestruturar, óptimo, se não conseguir, passa então à insolvência.

A ideia é aliviar os tribunais, recuperar o maior número de empresas recuperar créditos?

MCC: O Capitalizar pensou todo o sistema. Uma das medidas que estamos a fazer dentro do IAPMEI é criar um mecanismo de aviso prévio, que vai avisar as empresas quando a sua situação está a passar do verde para o amarelo e para o vermelho, e vai criar maior consciência nas empresas que têm que atuar na área financeira, ou reforçando os capitais, ou procurando apoio. Vamos criar na legislação esta figura do mediador de recuperação de empresas, uma figura muito importante.

Esse mediador será uma espécie de cobrador do fraque?

Não, é exatamente o contrário: esta figura vai atuar do lado do devedor, tem independência face ao devedor, e isso é importante para terem credibilidade junto dos credores, sobretudo da banca.

Não é o mesmo que o administrador judicial, que já existe?

MCC: Não, é diferente. Nesta figura, a empresa não precisa sequer pedir insolvência, ou PER para pedir o apoio desta pessoa. Ela vai fazer um diagnóstico da situação da empresa em concreto, e é certo que muitas pequenas e médias empresas por vezes têm falta desse diagnóstico, e depois vai ver, com os proprietários, quais as soluções. Se houver soluções de capitalização em que os próprios sócios possam colocar capital ou possam encontrar novos sócios que injetem capital, melhor. Se essa solução não estiver em cima da mesa, vai negociar com os credores, levando toda a informação, mas com a credibilidade que tem uma pessoa com independência face à empresa. Vai também conhecendo os mecanismos que os credores têm. Estamos a falar de pessoas que têm de ter no mínimo sete a dez anos de experiência.

E de onde vêm essas pessoas?

MCC: Estas pessoas são gestores ou economistas, com muita experiência acumulada nestas áreas de gestão financeira e gestão de créditos.

Mas vêm do IAMEI, do Estado?

MCC: Não, terão de se credenciar junto do IAPMEI, mas são economistas, gestores, podem ser juristas, mas com experiência em processos desta natureza. São pessoas que podem ajudar as empresas. Muitas vezes as empresas vão negociar com a banca tarde demais, e outras vezes vão negociar sem levar uma informação bem organizada, e sem conhecerem os mecanismos que a banca tem para reestruturar as suas dívidas. E quem diz a banca, diz com os próprios fornecedores. Se houver uma pessoa que possa mediar esta relação pode explicar à banca que, de facto, a empresa não está em condições de lhe subirem taxas de juros, etc., e que assim levam a empresa à falência e recuperam menos crédito, ou mesmo falar com fornecedores e pedir adiamentos de pagamentos, e conduzir a este RER e fazer um acordo que a salve. Salvar valor significa também que os credores possam reaver mais créditos ou até reaver todos, mas com prazos mais dilatados ou com juros mais baixos para que a empresa não asfixie. Asfixiar o crédito é um mau processo. O que se quer é atuar mais cedo. Este mecanismo de transformação de créditos em capital é uma outra opção que permite à empresa capitalizar-se. Obviamente com muitas salvaguardas, com direito de preferência, com condições muitos especiais, mas é uma opção adicional preferível a deitar tudo a perder, que é o que acontece muitas vezes. Quando uma empresa começa a deixar de ter dinheiro para pagar aos fornecedores deixa de ter condições para operar e continua, todos os meses, a acumular dívidas, e começa a não ter capacidade de trabalhar. E, ou se atua muito rapidamente ou a empresa fica a acumular pagamentos sem ter recebimentos, passa a estar numa situação impossível. E quando se vai recuperar os salvados, as máquinas, por exemplo, que têm um valor importante para a empresa, mas que vendidas em segunda mão podem não ter valor algum, e vai-se recuperar uma parte muito pequena dos créditos. Por isso, chegar a um acordo e ter um mediador que ajude a que esse acordo funcione, é muito importante.

O Governo prevê então que os credores possam assim receber mais e mais rápido no final deste processo. Como é que o Governo pode prometer isso?

MCC: Um dos aspetos em que poderão receber mais rápido é, por exemplo, a graduação dos credores. Ou seja, quando se estava a alinhar todos os créditos e a avaliar todos os que existem para depois se começar a pagar, muitas vezes os processos ficavam bloqueados quando já só faltava apurar 1 ou 2% dos créditos. E neste momento vai ser possível começar a pagar sem que o processo esteja todo fechado, fazendo obviamente uma garantia para que esses créditos que ainda estão a ser apurados não deixem de ser pagos. Tem de estar fechado uma boa parte do processo, e tem de haver garantias que não estão a excluir direitos de credores.

Portanto, nenhum credor vai ficar de fora neste processo…

MCC: Antes, até estar tudo apurado, ninguém recebia, e agora pode-se começar a pagar quando o que falta apurar já é marginal. E é isso que pode apressar o pagamento aos credores. Mas penso que os credores vão receber mais e recuperar uma parte maior das suas dívidas principalmente se conseguirmos salvar mais empresas. Quando salvamos mais empresas salvamos mais valor e quando salvamos mais valor é bom para a economia portuguesa, é bom para o emprego e para os trabalhadores e é bom também para os credores.

FVD: Neste momento, temos apenas uma margem de 7% de recuperação…

Tendo em conta o peso que estes processos têm na Justiça, o que é que vai sobrar para os tribunais? Tem alguma estimativa de quanto é possível reduzir?

FVD: Não, não é possível fazer uma estimativa em abstrato. Podemos é dizer que no último ano tem havido uma descida crescente das entradas de execuções e das insolvências. Entre o terceiro trimestre de 2015 e o terceiro trimestre de 2016, o volume de insolvência reduziu-se em 25% e no mesmo período o volume de execuções reduziu-se em 10%. Se consideramos que isto corresponde à melhoria do ambiente económico e se admitirmos que as medidas agora a ser tomadas vão reforçar essa melhoria e melhorar a capacidade de atuação das empresas no mercado, talvez seja possível fazer essa extrapolação. Mas esses indicadores apontam no sentido de que a melhoria da situação económica pode permitir alterações significativas no que diz respeito à pendência processual. No que diz respeito às insolvências, temos um conjunto de medidas previstas no Capitalizar que passam pela agilização dos processos de insolvência através de medidas normativas, como a possibilidade de verificação e graduação prévia dos créditos não impugnados, o que significa que mais rapidamente se pode liquidar junto dos credores.

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