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Uma vida adiada pelos cortes cegos e pela burocracia

Uma vida adiada pelos cortes cegos e pela burocracia

O AS Digital Diário continua a relatar casos de portugueses enredados nas teias de uma política austeritária. São vidas adiadas e marcadas pela incerteza do quotidiano, precário a vários níveis, a quem o atual Governo tem roubado a esperança.
Entrevista de rua V

Manuel Teixeira, na sua vida de trabalhador e ativista laboral ligado ao catolicismo, passou por muitos lugares, funções e cargos e nunca esperaria chegar aos 58 anos sem saber bem como garantir o seu nível de vida nem encaminhar os projetos que, naturalmente, ainda tem.

Após um despedimento coletivo que afeta cerca de outras 60 pessoas numa zona industrial já antes marcada pelo abandono de empresas e cujo processo desde o início lhe levantou dúvidas legais, acabou por decidir solicitar a reforma antecipada, ao perceber que estava perigosamente perto de entrar na triste estatística dos demasiado novos para a reforma, demasiado velhos para um novo emprego.

A primeira resposta ao processo antecipava já a complexidade do que deveria ter sido um caminho simples: não existiam em arquivo alguns anos de descontos indispensáveis para completar os requerimentos da reforma antecipada pedida. Pouco tempo depois, não uma resposta administrativa, mas uma notícia, a proibição, imediata e por tempo indeterminado de (quase) todas as reformas antecipadas.

Aguardando então uma resposta final num processo em que só o saber o que e onde consultar é um processo em si, Manuel Teixeira acabou por optar entre as opções de formação do IEFP e os já tristemente famosos contratos de inserção, escolhendo a primeira opção, na esperança de encontrar uma formação que lhe permitisse uma reinserção já tardia num mercado de trabalho onde parece só haver lugar e mesmo assim pouco, para quem, sendo jovem, além de ter formação especializada, esteja disposto a trabalhar pelo salário mínimo.

Aí conheceu a realidade de outras vidas adiadas, onde até alguns formadores trabalham com vínculos precários e os formandos acabam por ter pouca esperança num real impacto dessa formação na sua inserção no mercado de trabalho atual, receios confirmados quando, mesmo àqueles que, como ele, excedem expectativas na avaliação, são negadas oportunidades de trabalho para além do estágio de final de curso.

Com o fim do subsídio de desemprego, o crédito à habitação para pagar, investimentos indispensáveis à continuação e eventual expansão da agricultura familiar coordenada pela esposa, Ermelinda, Manuel Teixeira vê-se na iminência de recorrer à ajuda dos filhos adultos, ajuda que não lhe é negada, mas que é difícil quando também eles vivem as suas dificuldades específicas e só é necessária, porque lhe é negado o acesso ao resultado de anos de descontos à segurança social.

Reportagem de Saúl Pereira