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Um programa social-democrata para o século XXI

Um programa social-democrata para o século XXI

Com raras exceções, os partidos social-democratas têm vindo a perder peso e influência política.

Pouco a pouco a ideia de que a social-democracia não é compatível com a globalização, ou pelo menos com esta globalização, vai fazendo o seu caminho. Com raras exceções, os partidos social-democratas têm vindo a perder peso e influência política e quando obtêm o mandato para o exercício do poder têm sido expostos a uma erosão rápida.

A pedra de toque da social-democracia é a defesa de um Estado social. Essa defesa pressupõe uma linha vermelha entre a economia de mercado e a sociedade de mercado. Num contexto global a defesa dessa linha vermelha só pode ser feita pelos indivíduos. O Estado ou se fecha sobre si mesmo e regressa a um nacionalismo serôdio ou sozinho não consegue evitar a contaminação da sociedade de mercado, embebida no cavalo de Troia dos mecanismos globais de financiamento e da especialização produtiva. 

O enfraquecimento das comunidades reduziu também a perceção da importância dos valores estruturantes da social-democracia. A igualdade é vista por muitos como um totalitarismo que contamina a liberdade individual. A liberdade como um potencial indutor de anarquia e fluidez das regras sociais e a solidariedade como a perpetuação de um dualismo entre os solidários e os dependentes da solidariedade. Faz então sentido insistir, no século XXI, no desenvolvimento de um programa social-democrata? Faz, mas não enquanto repositório de ações do governo. A social-democracia tem de constituir uma nova matriz de mobilização dos indivíduos, de os incluir na conceção do futuro, de lhes dar protagonismo e sentido para a vida, de lhes assegurar dignidade e felicidade.

A sociedade do século XXI é absolutamente dualista. Por baixo de uma fina estrutura global de elite económica e financeira com ramificações no controlo político, temos de um lado os vencidos da vida, que já não protestam, que já não têm ânimo para reivindicar nem força para participar e já passaram os limites mínimos da dignidade, e do outro lado os que, ainda tendo acesso aos recursos para sobrevivência condigna, vivem tolhidos de medo pela expectativa de também eles poderem cair no poço, sem viverem o sentido último da democracia que é proporcionar às pessoas uma vida feliz, ou seja, uma vida sem medos, com espaço para se realizarem e cumprirem os seus projetos de vida.

Face ao sentimento de crise, que mais ou menos agudo perpassa toda a sociedade ocidental e tem em Portugal uma situação extrema, o apelo para a desistência da participação democrática é muito forte. Uma desistência que se pode traduzir em desinteresse, não participação em atos eleitorais ou pode transferir-se para a atribuição de mandatos populistas a figuras providenciais que protagonizam soluções centralistas e autocráticas. Mas a consciência da crise também desperta muitos para a necessidade da ação. Da ação para destruir o sistema, se necessário com recurso à violência, e da ação para o transformar de forma corajosa e firme.

É aqui que reside o espaço da social-democracia. Um espaço complexo porque pede ação sem garantia, mas ao mesmo tempo um espaço estimulante porque apela aos sentimentos mais nobres da condição humana. É aqui que reside a esperança na mudança e a base da plataforma política que recolocará Portugal no patamar de desenvolvimento e riqueza donde nunca deveria ter sido apeado por uma governação ideológica e fundada nos interesses particulares em detrimento do bem comum.

Portugal precisa de mudar, mas como? Qual o porto que orienta a bússola? Qual o mapa do tesouro que incentiva a procura? Que narrativa motivadora e credível tem a esquerda moderada para apresentar aos que por ela decidem mobilizar-se?

A social-democracia moderna tem de ser intensamente participativa, apostando no Estado social como uma construção da sociedade apoiada pelas políticas públicas. Um programa de nova geração não pode ser um repositório de políticas setoriais. Tem de ser um enunciado de soluções que vai buscar instrumentos a essas políticas.
Portugal é um pequeno país que não passa o crivo da viabilidade pelos recursos endógenos. E no entanto sobrevive há mais de oitocentos anos. Somos uma nação fruto da estratégia e da criatividade. Só com estratégia e criatividade podemos construir um futuro melhor.

Somos um país rede e um país ponte. Não servimos nenhum protetorado. Teremos de ser elo de ligação entre potências regionais e acrescentar valor a partir da nossa especialização relacional. Através da nossa centralidade geográfica e cultural. Através da nossa capacidade de desafio conceptual quando a criatividade inata tem um foco.

O que nos impede de ser, como a Holanda, o Chile, a Coreia do Sul ou Singapura, uma plataforma para os movimentos da globalização, ligando potências regionais, culturas e territórios? Como podemos concretizar essa visão de Portugal como um hub da nova globalização, tal como foi um hub da primeira globalização?

Precisamos de um novo desenvolvimento mas para ele ser possível temos de pôr em prática políticas concretas que potenciem as nossas vantagens comparativas físicas, geográficas e humanas.
Temos de saber tirar mais partido da nossa centralidade logística, de aproveitar o potencial de um turismo de diversidade e multimodal, sedear no nosso território e centro de gestão e uso integrado da nuvem de informação, fazer do nosso país um laboratório vivo para a inovação limpa, encontrar novas vocações para o Interior e usar os fundos estruturais para dar massa crítica ao que funciona e ao que faz a diferença.

Precisamos de um novo compromisso com o contrato social, apostando no conhecimento e sobretudo na sua transformação em competências, respondendo aos desafios demográficos com capacidade inovadora, tornando a nossa economia atrativa e amiga da inovação e do empreendedorismo quer no plano económico quer no plano social.

Precisamos de ser parte de uma nova Europa. Contribuir com a prática e com a teoria para que um paradigma europeu de desenvolvimento centrado nas pessoas seja a referência para a globalização. E mostrar com as nossas apostas que esse paradigma é viável.

Precisamos de referências pesadas capazes de resistir aos ciclos políticos.

Construir uma administração pública que sirva a estratégia do país e que tenha memória e capacidade incremental baseada na qualificação dos seus membros e na robustez dos seus sistemas de informação. Consensualizar uma magna carta para a educação em Portugal, em que o Português, a Matemática, o Inglês e as Tecnologias de Informação constituam um núcleo central de aprendizagens para dar suporte à visão cosmopolita e global da nossa aposta competitiva.

Reforçar a confiança no sistema de justiça e garantir o acesso universal à saúde e à dignidade social.

Garantir a sustentabilidade macroeconómica das políticas públicas para garantir o bom nome, a credibilidade e a independência institucional do país.

Apostar nas relações culturais de proximidade, construídas pela história e traduzidas muitas vezes na identidade cultural e na partilha linguística.

É para isto que precisamos de mobilizar os portugueses. O nosso objetivo é ganhar um país. Um país melhor com um novo rumo. Um país que proporcione aos seus habitantes uma vida digna e feliz. Um país com sentido e sentimento. Com esperança. Com futuro.

Carlos Zorrinho

Coordenador do Laboratório de Ideias e Propostas para Portugal e Deputado do Partido Socialista