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Um novo rumo para Portugal I

Um novo rumo para Portugal I

Entramos no novo ano confrontados com inúmeras incertezas. A principal incerteza está no modo como o nosso país sairá do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF). Não tinha que ser assim. 

Recordo que um dos objetivos do PAEF aponta para o regresso de Portugal aos mercados financeiros, em Junho de 2014. Regresso autónomo. Isto é, regresso aos mercados sem qualquer necessidade de apoio externo, apelide-se esse apoio de programa cautelar ou qualquer outro mecanismo.

Ao contrário do que a propaganda do Governo insiste em fazer crer, o regresso aos mercados apoiado num programa não será um prémio pelo êxito alcançado. Será o reconhecimento do insucesso da execução do PAEF em, pelo menos, um dos seus objetivos. Um novo programa de apoio representará o prolongamento da nossa dependência externa e exigirá a Portugal mais condições (leia-se mais sacrifícios) em troca do mencionado apoio, seja por parte da Troica, seja por parte da União Europeia.

Reafirmo que Portugal deve seguir o caminho da Irlanda e regressar aos mercados de forma limpa. Toda a orientação da Troica e do Governo foi nesse sentido. Lembro ainda que também foi em nome do regresso aos mercados que o Primeiro Ministro aplicou, e continua a aplicar, pesados sacrifícios aos portugueses.

A esta incerteza soma-se outra, desta vez pela mão do Presidente da República: a entrada em vigor do Orçamento do Estado que inclui normas (referentes a salários e a pensões) sobre as quais recaem fortes dúvidas quanto à sua constitucionalidade. Com efeito, ao não solicitar a fiscalização preventiva do Orçamento do Estado para 2014, que permitiria por um ponto final nessas dúvidas, o Presidente da República prolonga no tempo mais esta incerteza. Não havia necessidade. Sobretudo quando a avaliação pelo Tribunal Constitucional coincide com a preparação do nosso regresso a mercados.

É certo que o Governo podia, e devia, ter apresentado um OE que respeitasse a Constituição da República, mas isso seria exigir muito a este Governo, que já em 2012 e 2013 apresentou Orçamentos contendo normas inconstitucionais.

A estas duas incertezas acresce uma terceira: como irá responder o Governo ao chumbo do Tribunal Constitucional do corte retrospetivo nas pensões e reformas da CGA. Vai fazê-lo no imediato ou vai aguardar pela decisão do TC relativa às normas do OE que seguirão para fiscalização sucessiva nos primeiros dias de Janeiro?

Estas incertezas cobrem com mais nuvens negras a já dramática situação por que passam milhões de portugueses confrontados com o flagelo do desemprego, com rendimentos baixos que não chegam para pagar as despesas essenciais, com a pobreza e com a necessidade de emigrarem.

A tão prometida saída para a crise não passa de uma miragem. É certo que há indicadores positivos, mas que não passam, infelizmente, no teste da sustentabilidade. A melhoria no desempenho económico, verificado no segundo e terceiro trimestres, assenta no aumento do consumo interno e não, como prometido pelo Governo, no aumento das exportações. O prometido aumento da competitividade da nossa economia não está a verificar-se, porque não decorre do automatismo “mais austeridade, logo mais competitividade” e, ainda, porque pouco foi feito pelo Governo para que tal acontecesse.

A receita da austeridade expansionista (a austeridade custe o que custar) agravou as incertezas, não equilibrou, de modo sustentável, as nossas contas públicas; empobreceu a maioria dos portugueses; enfraqueceu a nossa capacidade produtiva; destruiu a classe média; aumentou as desigualdades e abriu a terceira vaga de emigração dos últimos 100 anos em Portugal, com a saída de mais de 250 mil portugueses.

No início de um novo ano, cheio de incertezas individuais e coletivas, emerge a vontade e a determinação dos portugueses em quererem sair desta crise. Os exemplos que todos os dias nos chegam revelam um povo com uma capacidade invulgar para enfrentar as adversidades. Esta é uma energia fantástica que não podemos desperdiçar e à qual é necessário dar uma direção forte, num movimento com sentido que olhe o horizonte com esperança.

Foi para isso que criámos a Convenção Novo Rumo para Portugal, a lançar publicamente no dia 5 de Janeiro. Um movimento aberto aos cidadãos responsáveis que não aceitam a estratégia de empobrecimento do nosso país e querem dar o seu contributo para o aprofundamento de um projeto alternativo para Portugal, que respeite a dignidade dos portugueses e aposte na criação de riqueza.

O próximo Governo de Portugal não pode ser um governo de turno. Tem de ser um Governo de projeto. Um projeto que mobilize o melhor dos portugueses assente em ideias realistas e concretas. Um projeto credível, sólido e sustentável leva o seu tempo a preparar, mas cria as condições para derrotar uma “democracia consumista”, de “soluções milagrosas” que não resistem ao noticiário do dia seguinte.

O primeiro dever de um Político responsável é propor soluções para eliminar problemas, em vez de protestar por protestar. O protesto como forma primeira da ação política gera mais problemas do que os que resolve, pois cria a ilusão de que tudo é possível. Ora, uma das lições das crises que atravessamos é a de que não é possível viver segundo as mesmas regras que causaram estas crises. Ter consciência desta nova realidade e agir em coerência é um imperativo ético que urge prosseguir em nome do futuro das novas gerações de portugueses.

Por isso, entramos em 2014 cumprindo a primeira das nossas obrigações: trabalhar para apresentarmos as bases do programa do próximo Governo de Portugal.

Para tal, transportamos connosco princípios e ideias. Os princípios e as ideias concretas que substituem os manuais clássicos cujas respostas nos trouxeram à situação em que estamos. Manuais que fazem parte do problema e não da solução. Para nós, os princípios e ideias são a bússola e o astrolábio de uma nova proposta política para governar Portugal, baseado nos valores da liberdade, da igualdade e da justiça social.

É com esse espírito e com essa certeza que vamos enfrentar 2014, tornando-o no ano que vai dar início a um novo rumo para Portugal.

Não há nenhuma solução séria para Portugal que não passe, também, por uma solução europeia. Não se trata apenas de já não nos bastarmos a nós próprios, mas também porque chegou a hora de dizer bem alto que não há “mais deveres, sem direitos”. Ser membro da Zona Euro exige deveres, mas também implica direitos. A disciplina orçamental é um dever; o benefício à nossa quota-parte do desenvolvimento económico é um direito.

A Zona Euro está incompleta e provoca desequilíbrios económicos e injustiças sociais. Faz falta um Banco Central Europeu completo que, a par do controlo da inflação, apoie a economia produtiva. Precisamos de um BCE que empreste dinheiro aos Estados-Membros (por via do Mecanismo Europeu de Estabilidade, ao qual seria atribuída uma licença bancária) e não por intermédio dos Bancos, aumentando estes os seus lucros à custa do défice público.

 Sem governação económica e fiscal, e sem uma gestão europeia das dívidas soberanas, a União Económica e Monetária não aguenta. É insustentável prosseguirmos com políticas monetárias e cambiais únicas e com 18 políticas orçamentais diferentes. Falta economia à Zona Euro.

As eleições europeias de 25 de Maio são as primeiras eleições onde cada um de nós pode, finalmente, enviar uma mensagem clara aos líderes europeus: apoiar as políticas de empobrecimento ou pugnar pela mudança, assente em políticas de criação de riqueza e de emprego.

A opção não está entre sair ou ficar na Europa, mas sim entre a Europa que temos e mais Europa, com governo e economia própria. A nossa responsabilidade é trabalhar e procurar aliados para edificarmos uma Nova Europa, de inspiração federal, onde as pessoas sejam os principais destinatários das políticas. É também para concretizar este objetivo que servem as eleições de Maio. Um projeto para Portugal exige um pensamento estratégico para a Europa.

Esta nossa vocação europeia, esta aposta numa Europa forte de que não abdicamos, deve conviver com espaços complementares de cooperação, dos quais destaco a Lusofonia, assente numa comunidade de 250 milhões de falantes em português.

Cruzamo-nos na história, temos um património comum da maior importância e por isso desejo que 2014 seja o ano em que se estabilizem as relações entre todos os países da CPLP (cujo projeto fará 25 anos em 2014) mas também, que consigamos colaborar de forma mais estreita, utilizando a nossa língua comum, em domínios como a ciência, a circulação de pessoas, o combate às desigualdades, a segurança ou a regulação dos mercados.

Afirmar a língua portuguesa é essencial para o fortalecimento da comunidade lusófona e para o reforço da presença, cultural e comercial, de Portugal no mundo.

A poucos dias de entrarmos no ano em que nos preparamos para comemorar os 40 anos da Revolução de Abril, deixo o apelo aos portugueses para que se envolvam na construção de um novo rumo para Portugal. Só determinados e com convicções fortes derrotaremos as incertezas que nos rodeiam e edificaremos um novo país.

Feliz Ano de 2014!

 

António José Seguro