Um “case study” de desresponsabilização política
“Apesar de não ter qualquer responsabilidade pessoal, no plano político as circunstâncias são de natureza distinta. O ministro tem de ter sempre uma forte autoridade para o exercício pleno das suas responsabilidades. Essa autoridade ficou diminuída, pelo que tomei a decisão de apresentar ao primeiro-ministro a minha demissão.”
Miguel Macedo, 16-11-2014
A simples leitura da declaração do ex-ministro da Administração Interna do governo da direita no momento em que, dignamente, entendeu demitir-se, constitui hoje o maior libelo contra a irresponsabilidade política que se apoderou do executivo de Passos Coelho, com a ativa conivência do próprio primeiro-ministro. Só desde o último Verão até hoje assistimos a um verdadeiro desfile de desresponsabilização política, que ameaça tornar este Governo num verdadeiro “case study” para a Ciência Política.
Desde o caos instalado durante meses nos tribunais cíveis, promovido pelo programa “Citius” (anunciado previamente pela própria ministra como a quintaessência da eficácia) à muito recente confirmação da existência numa lista VIP na Autoridade Tributária (cinco vezes, não três nem quatro, negada em plena Assembleia da República pelo próprio primeiro ministro…), passando pela absoluta vergonha em que se transformou a (arrastada) abertura do ano letivo em curso, a conclusão foi sempre a mesma, com os diretores-gerais respetivos a arcarem com toda a responsabilidade. O que, aliás, permite, a inquietante conclusão que quem governa em Portugal não são – ao contrário do que se poderia pensar e seria normal – os ministros nem os secretários de Estado. Não. Quem governa em Portugal são os senhores diretores-gerais, responsáveis políticos por tudo o que suceda de mal na governação. Ou, numa linguagem mais popular, são eles que fazem o papel do mexilhão…
Voltando ao início, este Governo é mesmo um lamentável “case study”. E, verdadeiramente, nem seria preciso a senhora ministra da Justiça, o senhor ministro da Educação, o senhor ministro da Saúde (não esqueçamos o que se passou nas Urgências…), a ministra das Finanças ou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, gastarem muito tempo a ler Maurice Duverger, em toda a sua complexidade. Chegava mesmo a muito elucidativa leitura do ex-companheiro de Governo Miguel Macedo. Tal bastaria para corarem abundantemente de vergonha, se ainda não a tiverem perdido de todo. À vergonha e ao sentido de responsabilidade. Política.
Duarte Moral