Ufa!
É preciso perceber, em abono da verdade, que os portugueses estavam mal habituados. Desde a implantação da Democracia, em 25 de Abril de 1974, tinham elegido para o cargo António Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio. Indiscutivelmente três grandes personalidades, muito diferentes entre si, três grandes Presidentes da República, que souberam sempre dignificar o cargo que exerceram, servir Portugal e os portugueses. Curiosamente, mas não por acaso, os três eleitos com o apoio do Partido Socialista. Todos eles souberam, cada um à sua maneira, ser presidentes de todos os portugueses, fazendo cessar a maioria que os elegeu no próprio dia da eleição.
Basta recordar o tristemente inesquecível discurso da noite em que Aníbal Cavaco Silva foi reeleito, no Centro Cultural de Belém, para ficar feito o retrato: um Presidente de fação, tacanho e medíocre. Há pessoas que quando são eleitas para um cargo relevante ganham dimensão e se superam a si próprias. A história está cheia desses casos. Mas Cavaco não. Manteve-se o mesmo até ao fim, provinciano e desprovido de todo o tipo de grandeza. Apoucou a função, pequenito até ao fim, como comprovou a muito recente condecoração de António Sousa Lara, um obscuro subsecretário de Estado da Cultura (imagine-se!!!) de um seu Governo, e alguém cuja única relevância na sociedade portuguesa foi ter vetado a indicação de um livro de José Saramago (O Evangelho segundo Jesus Cristo) para o Prémio Literário Europeu. Sousa Lara, o censor, explicou, na altura a sua atitude: “Um Governo tem uma conotação ideológica.(…) É um Governo da maioria contra a minoria, em última análise.” Estamos conversados sobre a natureza da personagem que Cavaco achou por bem condecorar, antes de deixar Belém.
Saramago serve, aliás, de teste do algodão para Cavaco Silva. A ausência do Presidente da República de qualquer das cerimónias fúnebres do nosso único Prémio Nobel da Literatura disse tudo sobre a sua incapacidade para o mais pequeno gesto de nobreza.
É esta criatura sem mundo e mesquinha que deixa amanhã de ser Presidente da República. Como escreveu Ricardo Araújo Pereira há alguns dias, isso é algo que garante desde já ao seu sucessor a qualidade de “melhor Presidente da República dos últimos dez anos”.
Cavaco parte amanhã. Só me ocorre uma manifestação, sentida e genuína, vinda lá bem do fundo: Ufa!
Duarte Moral