Revista alemã Der Spiegel analisa a “receita” do “socialista confiável” António Costa
“Parece estar sempre de bom humor, com uma visão ligeiramente irónica, através dos seus olhos castanhos escuros, atrás dos seus óculos sem armação”, começa o texto publicado na última edição da revista.
“O simpático ‘Senhor Costa’, com o seu governo de minoria socialista, tolerado pelos comunistas e pelos bloquistas, resistiu durante quatro anos – um feito que dificilmente alguém esperaria que ele atingisse”, por ler-se no texto publicado a duas semanas das eleições legislativas em Portugal.
“Enquanto em Espanha, o país já foi a votos mais vezes do que aquelas que foi governado, Costa concretizou um mandato bem-sucedido e quer ser reeleito a 06 de outubro. As suas hipóteses de ser escolhido são altas, com sondagens a indicarem 38% dos votos, mais do que os conseguidos há quatro anos”, refere, acrescentando que a única questão é perceber se chegará à maioria absoluta.
O artigo recorda que quando António Costa chegou ao poder, em 2015, o clima social do país era marcado pelas exigências da ‘troika’, formada pelo Banco Central Europeu, o Fundo Monetário Internacional e a Comissão Europeia, em troca de um empréstimo de 78 mil milhões de euros.
“Desde então, Costa provou ser um dos poucos socialistas na União Europeia que conseguiu mitigar a austeridade, gerar crescimento e ainda atender às condições do Pacto de Estabilidade e Crescimento”, pode ler-se na “Der Spiegel”, publicada no fim-de-semana.
Das origens de António Costa, à entrada na Juventude Socialista, aos 14 anos, os estudos em direito, o trabalho ao lado de Jorge Sampaio, passando pelos cargos ministeriais que ocupou, o mais recente como responsável da pasta da Administração Interna no governo de José Sócrates, o texto de duas páginas percorre os momentos mais marcantes da vida do atual primeiro ministro.
Apesar de comparar o país à “aldeia de Astérix” na península ibérica, no que respeita a estabilidade, o texto descreve também as contestações sociais que o país tem sido alvo.
“Desde o início do ano, professores, enfermeiros e médicos têm estado em greve por salários mais altos e melhores condições. Quando os condutores de pesados pararam, no verão, o primeiro-ministro usou a força policial e militar para garantir combustíveis nas estações de serviço. A oposição acusou a atitude de ilegítima, mas milhões de turistas ficaram agradecidos”, descreve o texto.
A “Der Spiegel” compara as ações de pré-campanha que foram levadas a cabo por António Costa e pelo seu “principal concorrente” Rui Rio.
Durante o périplo do candidato do Partido Socialista pela Estrada Nacional 2, durante a qual António Costa passou por várias localidades ao longo de 700 quilómetros, “as pessoas tiveram oportunidade de expressar as suas preocupações diretamente: escolas superlotadas, tribunais sobrecarregados e elevados tempos de espera na saúde.”
“Rui Rio prefere apresentar-se em salas fechadas diante de um público selecionado. Embora o PSD tenha recebido o maior número de votos há quatro anos, não conseguiu formar governo, perdendo agora eleitorado”, destaca o artigo.
O primeiro-ministro que “conseguiu recuperar a confiança dos portugueses” assiste ao crescimento da economia, desde 2016, a 2%, acima da média, também graças a um “boom” no turismo, explica o texto, atribuindo mérito ao ministro das Finanças, Mário Centeno, formado em Harvard e que já trabalhou no Banco de Portugal.
“Ele manteve o curso das políticas económicas do governo anterior, cedendo à esquerda em alguns aspetos: salário mínimo, reformas e ordenados dos funcionários públicos para transmitir que a era da austeridade tinha terminado. Ao mesmo tempo, reduziu a despesa pública”, salienta o artigo, sublinhando que a “recuperação económica se deve sobretudo ao clima económico favorável”.
É também com a ajuda de Centeno, segundo a publicação, que António Costa, que arriscou ao formar um pacto com as esquerdas, consegue aumentar o número de eleitores.
Até Wolfgand Schäuble (ministro das finanças alemão entre 2009 e 2017), que “inicialmente desconfiava do colega” considerou Centeno o “Ronaldo” do Eurogrupo.
Costa garante que “se uma crise internacional acontecer, o país está preparado”, realça o texto, prometendo “dez mil milhões de euros em investimentos em ferrovias, estradas, escolas e hospitais. Apesar disso, sem aumentar o défice.”
(abaixo a tradução do artigo da Revista Der Spiegel)
O Socialista confiável
Portugal: O Chefe de Governo de esquerda recuperou o país da crise; é provável uma vitória nas eleições legislativas. Qual é a receita do Primeiro-Ministro António Costa?
Quando António Costa se encontra com as pessoas, olha-as na cara e sorri. Encara homólogos como Angela Merkel com curiosidade, aperta a mão aos jornalistas antes das entrevistas em direto de forma amigável, ouve com atenção os cidadãos que interpelam o seu Chefe de Governo na rua. Parece estar sempre bem-humorado, com o olhar levemente irónico nuns olhos escuros, atrás de uns óculos sem hastes.
O simpático Senhor Costa segurou durante quatro anos um governo minoritário socialista tolerado por comunistas e pelo Bloco de Esquerda trotskista – um feito em que ninguém acreditava. Aquando da tomada de posse há quatro anos, a oposição ridicularizou a aliança, apelidando-a de “gerigonça”.
No entanto, enquanto na vizinha Espanha se vota mais do que se governa, Costa tem atrás de si um mandato de sucesso – e quer ser reeleito no dia 6 de outubro. As suas probabilidades são boas, segundo as mais recentes sondagens, com o seu partido a chegar aos 38%, claramente acima dos resultados de há quatro anos. “Ele vai ganhar as eleições”, profetiza Miguel Sousa Tavares, um dos mais conhecidos comentadores políticos do país. A questão é apenas se, desta vez, consegue alcançar a maioria absoluta.
Quando Costa chegou ao poder em 2015, o ambiente social no país era tenso, em resultado das imposições da troika constituída pelo Banco Central Europeu, Fundo Monetário Internacional e Comissão Europeia, como contrapartidas para o empréstimo salvador de €78 mil milhões. Mas desde então, Costa provou – foi um dos poucos socialistas na UE a fazê-lo – que é possível aliviar a política de austeridade, criar crescimento, e, ainda assim, cumprir as condições definidas pelo Pacto de Estabilidade do Euro.
António Costa aderiu à juventude socialista em 1975, com 14 anos, um ano após a Revolução dos Cravos, que pôs fim a décadas de ditadura. O pai de Costa, um escritor da antiga colónia de Goa, na Índia, tinha ele próprio lutado contra a ditadura como membro do Partido Comunista. Foi perseguido pela polícia secreta e várias vezes detido e os seus livros foram proibidos. A mãe, jornalista, foi uma das primeiras mulheres a liderar o sindicato dos jornalistas.
Após o curso de Direito, Costa trabalhou no escritório de advogados de Jorge Sampaio, cuja campanha para a Presidência da República organizou vinte anos depois. Desde 1997 que tem assumido postos no executivo, o último dos quais como Ministro da Administração Interna no Governo do Primeiro-Ministro José Sócrates. O popular Costa candidatou-se em 2007 à Presidência da Câmara de Lisboa. Como conseguiu apenas 30% dos votos, teve que, já nessa altura, negociar uma aliança com forças de esquerda. Até 2015 ganhou mais duas eleições camarárias.
O jornalista José Pacheco Pereira é, na realidade, um opositor político de Costa. Pertence aos sociais-democratas do PSD – em Portugal mais orientados para o liberalismo económico – e foi até 2004 Vice-Presidente do Parlamento Europeu. Ele diz que o socialista Costa é “diferente da maioria dos políticos que de manhã à noite apenas pensam na afirmação do seu poder pessoal”. Ele é honesto, “não esconde nada”.
Na sua campanha eleitoral, no final do verão, Costa fez uma digressão pelo país, seguindo a Estrada Nacional 2, que atravessa Portugal de norte a sul. Costa começou no quilómetro zero, em Chaves, uma cidade pequena numa região de poucos recursos chamada Trás-os-Montes, perto da fronteira com Espanha. Em várias etapas, chegou com a sua comitiva às praias do Algarve em Faro, a uma distância de 700 quilómetros do ponto de partida.
As pessoas tiveram, pois, a oportunidade de partilhar as suas preocupações sem intermediários: escolas sobrelotadas, a dificuldade de fazer valer o Direito num sistema judicial sobrecarregado, longos tempos de espera por consultas de especialistas. Rui Rio, o concorrente de Costa do PSD, prefere apresentações em salas fechadas perante auditórios selecionados. Há quatro anos, o PSD obteve o maior número de votos, mas não conseguiu formar Governo e, entretanto, encontra-se em queda livre nas preferências dos eleitores.
O principal feito de Costa foi ter conseguido estabelecer um Governo tolerado pelas forças de esquerda no país, tais como os ainda ortodoxos comunistas, os Verdes e o Bloco de Esquerda trotskista, partidos que tinham sido inimigos dos socialistas desde o fim da ditadura em 1974. Assinou acordos separados com cada um dos três partidos, tarefa na qual lhe valeu a sua capacidade de negociação. O jornalista [Pacheco] Pereira está convencido de que Costa já tinha preparado um entendimento com o carismático chefe dos comunistas, Jerónimo de Sousa.
Ambos os lados fazem agora um balanço positivo da sua não-coligação. O socialista louva-se: “cumprimos tudo o que prometemos”. Também o comunista, que conteve a sua aversão contra o Pacto de Estabilidade da Zona Euro e contra a NATO, porventura por “razões de Estado”, disse que “valeu a pena”. Por isso, Costa sublinhou que ele [Jerónimo de Sousa] é uma pessoa de confiança, bastando um aperto de mão.
Com efeito, o PM conseguiu reconquistar a confiança dos portugueses. De acordo com Costa, foram criados 350 mil empregos. Desde a sua entrada em funções, quando se situava em 12,4%, a taxa de desemprego baixou quase para metade, para o nível mais baixo do milénio. A economia está a crescer anualmente cerca de 2% desde 2016, acima da média da UE, parcialmente devido a um boom do setor do turismo. Lisboa é uma das cidades da Europa mais reputadas. Enquanto Presidente da Câmara de Lisboa, Costa preparou este boom: transformou a cidade na metrópole das start-ups e angariou o evento internacional Web Summit, que atrai anualmente dezenas de milhares de participantes especializados.
A recuperação económica é, em parte, fruto da boa evolução da conjuntura, mas sobretudo Costa teve a seu lado o economista Mário Centeno enquanto Ministro das Finanças, formado em Harvard, que antes trabalhava no Banco de Portugal. Centeno manteve o percurso estabilizador dos antecessores conservadores, com algumas cedências à esquerda: o Governo aumentou o salário mínimo, as pensões e os salários dos funcionários públicos, de modo a sinalizar o fim da detestada “austeridade”. Desta forma, as famílias ficaram com mais rendimento disponível. Simultaneamente, Centeno reduziu a despesa pública.
Este ano, o novo endividamento deverá cifrar-se em apenas 0,2% do PIB. O Ministro Federal das Finanças da altura, Wolfgang Schäuble, que inicialmente encarou o seu homólogo com desconfiança, em 2017 distinguiu Centeno, designando-o por “Ronaldo do Eurogrupo”. Não obstante o facto de o endividamento do Estado, de 121% do PIB, continuar a pesar sobre as contas públicas, as agências de notação financeira passaram a avaliar o país de tal forma positiva, que este ano serão poupados €2 mil milhões em juros em comparação com o ano de 2014.
Quando Costa lançou a sua aliança de esquerda, há quatro anos, foi uma iniciativa politicamente arriscada. No entanto, ao contrário do que alguns receavam, os socialistas não abandonaram o centro do espetro político ao PSD, antes reforçando a adesão do eleitorado centrista – também graças ao Ministro das Finanças Centeno, que é igualmente Chefe do Eurogrupo desde janeiro de 2018. Por isso, na campanha eleitoral Costa promete voltar a incluir o seu melhor elemento no Conselho de Ministros. Diz que, se chegar uma crise internacional, o país agora está bem preparado. Embora tenha prometido investir €10 mil milhões em linhas ferroviárias, construção de rodovias, escolas e hospitais, esta despesa não deverá voltar a fazer aumentar o défice.
Contudo, este ponto está agora a suscitar a oposição do Bloco de Esquerda, cuja líder acusa o Governo de poupar em excesso, destruindo serviços públicos, começando pelas escolas e passando pelo setor da saúde, considerando que é este o verdadeiro défice do país. A extrema-esquerda de Portugal também pretende reverter a reforma do direito laboral, que permite contratos mais flexíveis. Desde o início do ano, professores, enfermeiros e médicos fizeram greves para conseguir salários mais elevados e melhores condições de trabalho.
Este verão, quando os motoristas dos camiões-cisterna fizeram greve, o PM recorreu à polícia e aos militares para abastecer os postos de gasolina. A oposição acusou o PM de ser um fura-greves ilegítimo. No entanto, milhões de turistas ficaram-lhe gratos.
Não obstante o facto de muitos portugueses terem estima pelo PM enquanto figura pragmática, numerosos analistas políticos consideram muito improvável uma vitória esmagadora dos socialistas. O desenlace
aparentemente garantido poderá desmobilizar os eleitores de esquerda. O Governo, dizem, terá anestesiado a sociedade – de acordo com estudos mais recentes, a preocupação com o emprego foi relegada para segundo plano.
Costa não deixou dúvidas quanto à sua intenção de evitar uma coligação: “é melhor não estragar uma boa amizade com um mau casamento”, disse recentemente, dirigindo-se ao Bloco de Esquerda. Alerta para o perigo da ingovernabilidade, que está a bloquear o sistema político espanhol. Em matéria de estabilidade, considera que Portugal deveria futuramente continuar a ser uma “aldeia de Asterix” na Península Ibérica.