RAZÕES QUE A RAZÃO DESCONHECE
Comecemos por recordar alguns factos para melhor se perceber a incoerência da decisão. O Reino Unido regista o maior número de casos de Covid-19 na Europa. Ao contrário de Portugal que apresenta dos melhores indicadores. Ocupa o quinto lugar na realização de testes (mais de 100 mil testes por milhão de habitantes). Mais de 65% de doentes recuperados. Uma taxa de letalidade de 3,7%. O desempenho do SNS tem sido muito bom. E as nossas autoridades de saúde, independentemente de uma ou outra falha, apresentam dados fiáveis e transparentes. O que não se pode afirmar em relação a outros destinos turísticos ditos seguros.
Será, pois, legítimo concluir que os súbditos de Sua Majestade estariam mais “clean and safe” nas praias algarvias que nas suas áreas de residência. Ou seja, teríamos nós mais fundamento para pôr condições à entrada dos ingleses no nosso país que o contrário. Os ingleses serão obviamente bem-vindos como sempre foram.
Na lista dos cinquenta destinos seguros, divulgada pelo governo britânico na passada sexta-feira, figuram, por exemplo, a Alemanha, Espanha, França, Grécia, Itália, Noruega, Sérvia, Suíça e Turquia, e muitos outros países de diferentes continentes. Apesar de a situação na Alemanha não ser muito “safe” e na Turquia pouco “clean”, e de a Espanha ter registado 834 novos casos na Catalunha, o que levou ao confinamento de 200 mil pessoas, nestes e noutros países, os ingleses podem entrar e sair sem restrições. Para além disso, há situações que raiam o absurdo. A Suíça, que não pertence à UE, mas faz parte do espaço Schengen, vai seguir a recomendação do Conselho Europeu, com a particularidade de excluir a Sérvia que os ingleses incluem. Nada disto faz sentido. Sem critérios objetivos, instala-se a confusão. Razão têm os primeiros-ministros da Escócia e do País de Gales ao qualificarem de “caótica” a forma como Downing Street está a gerir o processo. É por esta razão que não tenho metido o Reino Unido ao barulho e me tenho cingido à Inglaterra.
Shakespeare escreveu que “lembrar é fácil para quem tem memória”. De uma penada, Boris Johson esqueceu a velha aliança, que o tratado de Windsor estabeleceu em 1386 e que o casamento de Catarina de Bragança com Carlos II de Inglaterra confirmou em 1662. Pode ter esquecido relações antigas e episódios recentes, mas não foi certamente por falta do chá que a infanta portuguesa introduziu na corte inglesa nem do vinho do Porto de que muitas famílias inglesas benefici(ar)am e tanto apreciam. Haverá certamente razões que a razão desconhece. Mas desengane-se quem acha que não vai deixar sequelas. E não me refiro apenas ao impacto negativo no turismo português, que vai ser elevado. A confiança leva tempo a construir-se e, uma vez posta em causa, leva muito mais tempo para se reconquistar.
Edite Estrela