Público entrevista Pedro Nuno Santos: “As matérias estruturantes estão resolvidas”
O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares assume que não há espaço para mexidas profundas no OE2017, garantindo que temas como as pensões e a sobretaxa estão fechados. Há espaço para “integrar propostas”, mas nada “que ponha em causa o exercício orçamental.”
A negociação do OE foi assim tão difícil que foi preciso António Costa chegar da China para que houvesse acordo?
Não. As negociações são sempre difíceis. Não assim tão difíceis. É óbvio que há decisões que têm que ser tomadas pelo primeiro-ministro. Isso aconteceu no OE2016, aconteceu neste e acontecerá nos próximos. O primeiro-ministro esteve sempre a acompanhar todo o processo, durante o período em que esteve de visita oficial à China, com vários de nós, comigo também. Havia questões para resolver no Conselho de Ministros de aprovação final, como já tinha acontecido no OE2016, não há sobre esse ponto de vista nenhuma diferença.
Nesta fase final, uma das áreas em que se notou avanços e recuos foi na dos funcionários das empresas públicas. Foi uma questão que dificultou os passos finais?
Não. Especulou-se muito sobre isso. E nalguns noticiários parecia que havia exigências de última hora do PCP, o que não corresponde à verdade. Foi necessário fazer alterações a um dos artigos, porque era preciso afinar exactamente o que estava ali.
Um artigo sobre a contratação colectiva no sector empresarial do Estado?
Era preciso termos a certeza das implicações da redacção que tínhamos. E foi preciso afiná-lo. Obviamente como tinha sido trabalhado com os nossos parceiros, em particular o PCP, tinha que ser coordenado com eles. Mas nem foi essa a razão do resvalar da hora da entrega.
Não sentiu que isso pudesse ameaçar de alguma forma o acordo?
Não.
Houve ali um recuo do Governo. A certa altura parecia que os funcionários das empresas públicas podiam recuperar a possibilidade de terem aumentos salariais e na proposta isso não se confirmou.
Para que não haja incertezas sobre isso: nós tínhamo-nos comprometido a iniciarmos já em 2017 a eliminação progressiva de restrições aos direitos aos trabalhadores da administração pública e do sector empresarial do Estado. Fazemos isso na administração pública com o subsídio de refeição, que é actualizado, ao fim de tantos anos, em cinco euros por mês. No sector empresarial do Estado a situação é diferente, os direitos estão contratualizados e o que fizemos foi acertar, na medida do possível, o que é que era eliminado já. E foi preciso acertar a redacção. Se reparar, a única coisa que ficará para depois deste Orçamento prende-se com a progressão nas carreiras e isso já está assumido desde o início que, para a administração pública, era a partir de 2018. Se reparar, está lá o resto. Estamos a falar de trabalho suplementar, trabalho nocturno e subsídio de refeição. É um acerto que é importante, porque obviamente o Orçamento é um exercício exigente e que tem que bater certo.
Existe margem no OE para incorporar, na especialidade, exigências do BE, do PCP e do PEV?
Desta vez, como tivemos mais tempo para trabalhar (também nos grupos de trabalho) foi possível anteciparmos grande parte do trabalho. Ponto numero um: aquilo que é estruturante está resolvido na generalidade e grande parte das matérias menos grossas – se podermos utilizar esta expressão –, defendidas pelos nossos parceiros, foram também incluídas na generalidade. O que não quer dizer que, na especialidade, nós não possamos vir a integrar propostas dos nossos parceiros e até dos partidos da oposição. Não será nada com uma dimensão que ponha em causa o exercício orçamental. Mas para nós a especialidade não é faz de conta. É mesmo um momento importante. Vamos partir para esse momento com seriedade.
Mas é possível haver acertos nas medidas mais emblemáticas deste Orçamento, como as pensões e a sobretaxa?
As matérias estruturantes do Orçamento estão resolvidas na proposta de lei.
Se a Comissão Europeia levantar dúvidas, há margem de recuo para poderem reverter propostas que tenham origem no BE, PCP e PEV?
A pergunta tem todo o sentido, a resposta seria especulativa. A única coisa de que nós temos consciência é de que o trabalho com a frente europeia está a correr bem e que dificilmente teremos problemas nessa frente. Portanto, resolvidos os problemas da frente interna, muito próximos de ter os problemas também resolvidos na frente externa, não teremos problemas. É bom não darmos cargas a especulação.
Os partidos à esquerda que eles têm o entendimento de que pode vir alguma coisa de Bruxelas que force uma alteração?
Estamos todos convictos de que as negociações na frente europeia estão a correr bem. Mas, para sermos todos justos com os parceiros desta solução de Governo, nós estamos perto (e, imagine-se, um Governo apoiado por uma maioria de esquerda) de ter em 2016 o défice mais baixo da história da democracia portuguesa. O que mostra que a gestão correcta dos recursos é feita com grande preocupação pelos quatro partidos que apoiam esta solução.
No Programa de Estabilidade apontavam para uma redução do défice estrutural de 0,4 pontos, agora foram para os 0,6. Isto significa que estão aqui já a precaver-se contra a possibilidade de não haver uma saída do processamento por défice excessivo?
Não queremos deixar qualquer tipo de dúvida à Comissão Europeia sobre as regras do Tratado Orçamental. Estamos conscientes de que vamos sair do procedimento por défice excessivo e que, segundo as regras, isso dá direito a uma flexibilização. No entanto, essa confirmação é feita em Março de 2017. Não queremos deixar qualquer tipo de argumento, nem iniciar qualquer tipo de discussão à volta disso. E, portanto, garantimos um ajustamento de seis décimas em 2017 para mais facilmente termos essa solução.
Têm receio que a capitalização da Caixa Geral de Depósitos venha a ser incluída no défice?
Não decorre disso. Até porque no documento que a Comissão Europeia nos enviou estava lá explícito que a capitalização da Caixa não seria tomada em consideração para a análise da saída de procedimento por défice excessivo. Essa não é a questão.
“Imposto Mortágua”: “Nós não controlámos tudo”
A propósito da criação do imposto que ficou conhecido como “imposto Mariana Mortágua”, quais são as responsabilidades que tem na polémica pública que foi criada?
Quem? Eu?
É o elo de ligação, o coordenador dos grupos de trabalho.
Mas não tenho a responsabilidade naquilo que são fugas de informação para os jornais.
Foram conferências de imprensa.
É das coisas mais difíceis desta vida política é quando acontece uma notícia e depois alguém tem de actuar de uma determinada maneira – e já ninguém vai fazer a história.
Está gravado nas televisões, os vídeos estão no Youtube. Mariana Mortágua deu uma conferência de imprensa no Parlamento.
Isso é um facto.
… e disse que estava em debate essa medida. Seguiu-se uma conferência de imprensa de Eurico Brilhante Dias, deputado do PS, e o deputado do PCP Paulo Sá, a seguir, também falou. Eu presumo que os três tenham coordenado consigo, que o tenham avisado.
Peço desculpa, mas é a minha vez de explicar o que aconteceu. Até já foi feito um editorial do jornal onde saiu a noticia a explicar todo o processo. Infelizmente, por mais vezes que tenhamos explicado o que aconteceu, ninguém quis saber.
Desculpe, mas as declarações de Mariana Mortágua não são uma noticia de jornal.
As declarações não são. Mas porque é que as declarações são feitas é que não corresponde à verdade. Na quarta-feira, nós temos todos a informação de que o Jornal de Negócios tinha o desenho avançado de uma medida que estaria a ser negociada com os parceiros, nomeadamente dentro do grupo de trabalho de política fiscal onde estava o BE e o PS. A medida também estava a ser trabalhada com o PCP, mas não nas mesmas reuniões. Nós sabemos que o jornal ia avançar com a noticia de que ia haver um imposto que estava a ser trabalhado entre o PS e o BE. E foi nesse quadro que se conversou sobre a forma como se ia reagir, para que não se corresse o risco de sair uma notícia sobre uma coisa que não correspondia à realidade, nomeadamente sobre a possibilidade de passar como um imposto sobre a classe média. Foi com base nessa preocupação…
Que combinaram todos falar?
Que um deputado dos dois partidos que integravam esse grupo de trabalho iriam reagir. Por isso falou uma deputada do BE e um deputado do PS.
E um do PCP também.
E depois falou um deputado do PCP. É evidente que passa a declaração da Mariana Mortágua e do Eurico Brilhante Dias logo a seguir, porque a sair a notícia não podíamos deixar que ela não fosse enquadrada. O Governo não falou sobre essa medida.
Então porque é que o senhor depois aparece a fazer a declaração de que compete ao Governo falar sobre impostos?
Porque não houve nenhum anúncio. Toda a gente estava a dizer que a Mariana Mortágua tinha anunciado um imposto e aquilo que dissemos foi que quem faz anúncios de medidas sobre o Orçamento ou de medidas políticas do Governo é o Governo e mais ninguém.
Parece que houve anúncio, o imposto existe no OE2017.
Assim também não fazemos justiça à verdade. Não houve um anúncio. Houve uma noticia do Jornal de Negócios que foi comentada por dois deputados que tinham estado a trabalhar no grupo de trabalho.
E acabaram por credibilizar a notícia.
Não. Porque se for ver as declarações por exemplo o deputado do PS disse este imposto não está fechado, este imposto ainda está a ser trabalhado com o PCP.
Mas vai existir.
Isso são coisas diferente. Em nenhum momento falou de limites. Por isso nós não podemos baralhar tudo e fazer de conta que é a mesma coisa. Vai existir porque, antes de ser trabalhado no grupo de trabalho, já estava previsto no programa eleitoral do PS. Não foi uma coisa que nasceu do ar. Não há nenhuma novidade. Queremos encontrar problemas onde eles não existiram. Há uma fuga, como houve outras. Há uma reacção no dia a seguir. O Eurico Brilhante Dias teve tempo-de-antena infelizmente só no imediato, porque depois desaparece. Para todos os efeitos e para a história passou a ser um anúncio da Marina Mortágua.
A coordenação dessa crise não prejudicou a imagem do Governo e a própria criação da medida?
Nós não controlámos tudo. E há uma coisa que nós nunca poderemos controlar, de certeza absoluta (não podia ser), que são as declarações dos partidos políticos, dos seus membros e dos seus dirigentes. Isso não nos compete a nós. Nós tentamos coordenar, fazer com que as coisas corram da melhor maneira. Em democracia vamos ter muitos episódios desses, muitos. É normal. Agora nós não controlamos aquilo que cada grupo parlamentar, cada deputado, cada dirigente diz. Isto não fazemos, para que cada um mantenha – e ainda bem – a sua autonomia.
A forma como isto acabou por acontecer alterou, de alguma maneira, o resultado final no OE2017 ao nível deste imposto?
É só ver que não. Toda a gente disse, a determinada altura, que [ele avançaria] só acima de um milhão de euros. Bom, o imposto começa nos 600 mil euros. Temos uma taxa de 0,3%. E a medida não serve para atingir o investimento, nós queremos preservar o investimento. Isso foi sempre assumido pelo PS.
“Estamos a repor justiça” nas pensões
O aumento extraordinário das pensões procura corrigir “uma destorção em todo o processo das pensões”, que foi criada “quando só foram aumentadas” as pensões não contributivas e as com carreira contributiva até 15 anos, afirma Pedro Nuno Santos. A data de Agosto para a entrada em vigor da medida deve-se à modernização do sistema informático.
Por que é que as pensões mínimas não têm um aumento de 10 euros, como tem as que estão entre os 263 e os 633 euros? Não era mais justo colocar a condição de recursos? Esta solução não aumenta a desigualdade? Falo da condição de recursos porque o primeiro-ministro, na entrevista ao PÚBLICO, disse concordar com ela.
Eu não vou obviamente comentar aquilo que o senhor primeiro-ministro disse.
Mas qual é a sua opinião?
A minha opinião é absolutamente irrelevante para esta entrevista. Esse é tema que não está em cima da mesa das negociações. Mas colocou uma questão muito importante. Esse é um debate que vamos fazer e é importante que tenhamos todos a consciência de que havia uma injustiça criada. Nós não estamos a criar uma injustiça. As carreiras não contributivas e a carreira contributiva mínima de 15 anos foram actualizadas nesses quatro anos e foram criadas situações de injustiça por não se estar a actualizar as que estão acima. Tivemos pensões não contributivas e com a carreira mais curta a aproximarem-se de algumas pensões com carreiras contributivas que eram o dobro. O que fazemos é uma actualização extraordinária que repõe justiça para quem contribuiu uma vida toda. Por isso estamos a repôr justiça, não o contrário. E é muito importante que consigamos fazer um debate sério sobre isto. Porque foi criada uma distorção em todo o processo das pensões.
Não pode haver aqui uma percepção de desigualdade? Isto juntando eliminação da sobretaxa agora nos rendimentos mais elevados.
Para toda a gente.
Não poderá haver aqui uma percepção de que um Governo à esquerda está em 2017 a tomar algumas medidas que podem na prática conduzir a desigualdade na redistribuição dos rendimentos?
Na Segurança Social temos de ter muito respeito e consideração pelas contribuições que os trabalhadores fizeram ao longo de uma vida. E é esse respeito que a esquerda tem pela Segurança Social que nos obriga a aumentar as pensões para uma maioria de pensionistas muito significativa. Estamos a falar de um milhão e quinhentos mil, que não tinham tido qualquer actualização nos últimos quatro anos. As pensões sociais entre 2011 e 2015 aumentaram 11 euros, as rurais aumentaram 14,39 euros e a pensão mínima com carreira contributiva até 15 anos aumentou 15,69 euros. Todas as pensões acima disto, entre 262 e 628 euros tiveram zero de aumento.
As pensões sobem em Agosto, mas a sobretaxa só é integralmente devolvida até ao fim do ano. O aumento das pensões em Agosto é por causa das autárquicas?
Não. Claro que não.
São em Outubro.
Não. Isso não tem nada a ver com as autárquicas. Esse é um tipo de golpe político, já ouvi essa análise por parte de um deputado do PSD e quero dizer que todas as medidas que estamos a tomar são medidas que defendemos e que são o património do programa do PS. Agora, o aumento acontece em Agosto pela única razão que nós, até Agosto, vamos conseguir finalmente ter um sistema informático que nos permitirá atribuir [os aumentos] aos pensionistas e não às pensões. Acontece em muitas situações haver pensionistas que têm direito a duas pensões e este aumento extraordinário criaria injustiças, porque uns teriam aumento extraordinário de 10 euros outros de 20 euros.
E o impacto orçamental também foi uma razão?
O impacto orçamental é sempre um motivo importante no desenho de todas as medidas que tomamos. Mas a razão é esta, temos de garantir que não há injustiças. As razões que eu aqui vos dei são as razões subjacentes à medida. Esse sempre foi o pensamento do PS e, sinceramente, dos partidos à esquerda. O PCP sempre defendeu a valorização das carreiras contributivas longas. Num outdoor do Bloco de Esquerda fala-se mesmo da valorização das carreiras longas. Quem defende uma Segurança Social pública defende o respeito pelas carreiras contributivas. Isso é sagrado, só assim é que o sistema funciona e nós precisávamos de repor alguma justiça neste patamar de pensionistas que esteve cinco anos com as suas pensões congeladas.
Deduções no IRS: “Queremos tornar o sistema mais progressivo”
Nota-se no orçamento uma aposta nos impostos indirectos, com vários deles a contribuírem para aumentos de receitas. Até quando é que uma estratégia deste tipo pode funcionar?
Discordo dessa avaliação. Todos os anos, nos orçamentos, os impostos indirectos são actualizados, uns de acordo com a inflação, outros em linha com o PIB nominal. E é exactamente isso que está neste orçamento, tal como já estava no ano passado. Com a excepção daquele que é criado para as bebidas açucaradas que é um imposto novo e que, portanto, tem de ser avaliado de outra forma. É verdade que há um limite nos impostos indirectos, mas nós não estamos a forçar esse limite porque acompanham a taxa de inflação ou o peso desses impostos no PIB.
Mas olhando para a lista de medidas que surgem no orçamento como tendo sido tomadas para garantir a consolidação orçamental, esses impostos são incluídos. Não foi propriamente uma gestão corrente desses impostos que aconteceu…
Não é gestão corrente, mas fazendo as contas vê-se que aumentam ou à taxa da inflação ou ao ritmo do PIB nominal. É assim com todos, com a excepção do imposto sobre as medidas açucaradas, que tem também uma função extra fiscal, mas que foi introduzido pela primeira vez agora.
Mas não havendo uma aposta nos impostos indirectos, assistindo-se a uma redução nos directos e ainda havendo o aumento de despesas (com pensões e salários), de onde é que vem a consolidação orçamental?
Há uma parte que é explicada pelo crescimento da economia e outra parte que decorre do aumento do rendimento das pessoas – que tem também como consequência o aumento dos impostos arrecadados. O aumento do emprego contribui com o aumento das contribuições e com a redução da despesa com o subsídio de desemprego. Por exemplo, a reposição integral dos salários da função pública também conduz a um aumento dos impostos sobre o rendimento que são arrecadados e sobre o consumo dessas famílias. Portanto são várias as razões para o aumento da receita: economia, criação de emprego e aumento do rendimento disponível das famílias.
Tudo isso parece ser consolidação baseada na melhoria da conjuntura económica, não entrando na definição de ajustamento estrutural que é exigido pelas autoridades europeias.
Claro que entra. Estamos a falar de receitas que são estruturais. Nós vamos passar a ter a partir de agora um nível de rendimento que permitirá, também, um nível diferente de receitas fiscais que dependem do nível de rendimento das famílias ter passado para um patamar superior. Isso é estrutural, não é conjuntural. Nós não vamos depois baixar pensões no próximo ano.
Mas contam para a redução do défice estrutural de 0,6 pontos que é exigida por Bruxelas?
Há mais uma série de outras medidas do lado da despesa. Há uma redução muito importante com os consumos intermédios, com aquilo que diz respeito à despesa com PPP, há mais medidas de combate à evasão fiscal que são importantes. Eu penso que não vamos ter problemas com a Comissão Europeia na avaliação do ajustamento estrutural.
Deduções na educação em sede de IRS, eventuais actualizações salariais na função pública, alterações nos escalões de IRS. São medidas que estiveram em cima da mesa e depois caíram?
Uma não: os aumentos salariais na função pública. Desde o início que sabíamos todos que em 2016 se faria a reposição gradual dos vencimentos, que em 2017 eles iriam ser pagos integralmente todo o ano e que em 2018 se iniciaria o processo de descongelamento das carreiras. Mas não deixa de ser relevante que tenhamos retirado das matérias congeladas o subsidio de refeição, que vai ter uma actualização de cinco euros por mês.
E as outras duas?
O Governo não desistiu da actualização dos escalões de IRS, isso está no horizonte do PS e também de toda a esquerda fazer-se porque nós entendemos que se atingiu um patamar de tributação dos rendimentos do trabalho que é inaceitável, mas isso exigirá que essa actualização seja feita com cuidado. Não é este ano, a legislatura é até 2019 e temos oportunidade de trabalhar na actualização dos escalões, sabendo que tal não poderá ser neutro orçamentalmente. Não podemos compensar a actualização a meio e em baixo, carregando mais em cima. O que quer dizer que haverá uma perda de receita fiscal.
Foi isso que levou a que não se avançasse já?
É o facto fundamental para que não se mexesse nos escalões já em 2017, mas não deixou de estar nos objectivos políticos. Em relação às deduções, o que vos posso dizer é que nós temos como objectivo político tornar o sistema mais progressivo. Mas queremos fazer alterações quando tivermos a certeza sobre as suas consequências. Há um trabalho a ser feito sobre as deduções que não estava plenamente concretizado à data de ontem [sexta-feira, data de entrega do Orçamento].
E não será matéria para a especialidade?
Não está neste momento previsto, mas o trabalho continua sempre. Não fechando a porta a nada, acho difícil.
“Estamos a tentar proteger a social-democracia”
O populismo sobe na Europa por ausência da social-democracia, defende o dirigente do PS.
Sente-se como um dos responsáveis pela viragem à esquerda do PS?
Participo neste processo histórico. Este é um governo que está a cumprir aquilo que é o património histórico e ideológico do PS.
De que o PS anda afastado desde António Guterres?
Não. Estamos a ter uma governação que promove a igualdade, devolve rendimentos, desenvolve e aprofunda o Estado social e tem a política económica que é diferente, em muitos aspectos, daquela que era seguida pela direita e que é basicamente um programa social-democrata. Não há nada, nada de radical no que estamos a fazer.
A social-democracia europeia foi contaminada pelo neoliberalismo ou não?
A social-democracia europeia nos últimos anos afastou-se muito daquilo que é o seu programa. E isso vê-se na indiferenciação, em muitos países da Europa, entre o centro-esquerda e o centro-direita, entre a socialdemocracia e os conservadores. Essa indiferenciação foi muito mais signifi cativa nos últimos anos, prejudicou fortemente a social-democracia europeia, que atravessa ainda em muitos países uma crise profunda. Verdadeiramente, a determinada altura a social-democracia fracassou em conseguir apresentar-se com um programa alternativo. Em Portugal estamos a tentar proteger a socialdemocracia.
Vê como um desafio o populismo na Europa?
Foi a fraqueza da socialdemocracia na Europa que deu espaço a que o populismo ganhasse força. Assistimos a isso em França. A ausência de resposta alternativa da socialdemocracia abriu campo a uma fuga para a extrema-direita. O mesmo na Alemanha. Isto não é novo, a incapacidade de a esquerda ter como contraposição a subida da extrema-direita por resposta a difi culdades sociais e ao desemprego estrutural. Temos de aprender com o que está a acontecer, se queremos que a social-democracia tenha futuro enquanto projecto de sociedade coesa e solidária. Temos de repensar o que temos feito dentro do país e o que temos defendido para a União Europeia.