Vincando que “não podemos fechar os olhos e cruzar os braços”, o socialista recordou, durante o debate requerido pela Iniciativa Liberal sobre liberdade de expressão online, que “com a Carta de Direitos Humanos na Era Digital fica claro que Portugal condena aberrações como a apologia da ingestão de lixívia ‘à la’ Trump ou os elogios à hidroxicloroquina à Bolsonaro”.
“Durante os meses de debate em comissão concluímos que a Carta não podia passar ao lado da maior patologia do século, mas também não devia tratar em pormenor o tema, antologiando, por exemplo, normas penais em vigor como as referentes aos crimes de ódio”, disse.
José Magalhães frisou que “desde há bastante tempo que, em Portugal, certos tipos de desinformação são crime punido com pena de prisão” e exemplificou: “O Código Penal, no artigo 240.o, pune com pena de prisão quem, publicamente, por qualquer meio destinado a divulgação, nomeadamente através da apologia, negação ou banalização grosseira de crimes de genocídio, guerra ou contra a paz e a humanidade incitar à violência ou ao ódio contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica”.
“Ao contrário do que parece julgar o deputado Cotrim Figueiredo” da Iniciativa Liberal, “a regulação da vida em ambiente digital começou há muito e está em expansão”, salientou.
O parlamentar elucidou depois que a Carta assenta em quatro pilares, como o “apelo ao exercício pelos cidadãos do seu direito de livre expressão para questionar fake news”, a “defesa da liberdade de imprensa, a quem cabe assegurar padrões de qualidade e pluralismo”, o reforço da “dinâmica de verificação de factos e o uso de selos para identificação de publicações digitais de qualidade”, e ainda “assegurar no ambiente digital um direito de queixa dos cidadãos contra manifestações de infodemia, que é um direito similar ao que já existe desde 2005 junto da ERC [Entidade Reguladora para a Comunicação Social] quanto aos media tradicionais”.
José Magalhães apontou em seguida que “a lei não pode ir além de normas leves” e que “a autorregulação é que deve ser o instrumento principal de intervenção, sem comando do Estado”.
O deputado do PS propôs que, na próxima sessão legislativa, “após um debate profundo e participado e com o maior consenso possível”, se reveja a lei da imprensa, que está “pouco adaptada à transição digital”.
“Quanto à regulamentação do artigo 6.o, o PS é tudo menos dogmático. Chegaram à 1ª Comissão pareceres e sugestões que merecem boa discussão. Apelamos a que ninguém vire costas a esse trabalho”, concluiu.
Pandemia “trouxe a reboque” muita desinformação
Já o deputado do PS Bruno Aragão esclareceu quais as dúvidas que surgiram no artigo 6º da Carta de Direitos Humanos na Era Digital, atinente ao direito à proteção contra a desinformação: “Questiona-se, desde logo, o conceito de desinformação, como se de um conceito novo se tratasse. Não é, de todo, e tem nos últimos meses adquirido uma forte relevância”.
O socialista lembrou que “a Covid-19 trouxe a reboque grupos negacionistas bastante organizados e coordenados que colocaram em causa a existência de uma pandemia, de um vírus letal para muitas pessoas, dos resultados e dos dados científicos, da importância da vacinação e da sua eficácia”.
“Sobre o combate a esta desinformação, quantas iniciativas públicas não foram adotadas? Quantos processos de confirmação de dados não foram incentivados? Quanto investimento público não se fez nesse combate?”, questionou o socialista, que asseverou que “são os efeitos desta pandemia, que todos sentimos, que não levantam dúvidas ou reservas sobre a importância destas ações”.
“Para o Partido Socialista, as restrições à liberdade de expressão que podem resultar do artigo 6.o justificam-se pela necessidade de proteção de outros valores igualmente relevantes e só devem admitir-se nos casos mais óbvios, evidentes e graves de ataque à verdade”, explicou.
E deixou uma certeza: “Não está em causa a proibição de juízos de valor ou de opiniões. Está em causa a intenção de combater a divulgação de factos objetivamente desconformes com a realidade. Nesse sentido, é pertinente o esforço de procurar operacionalizar mecanismos de combate à desinformação, fundamentais para a qualidade da nossa vida em sociedade”.
“Parece-nos também evidente que estes mecanismos e a sua regulamentação não podem suscitar dúvidas sobre os processos democráticos e sua transparência. A procura deste equilíbrio é complexa, mas necessária”, acrescentou o socialista.