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PROPAGANDA

PROPAGANDA

Uma coisa é certa: o governo sabe bem que não pode chegar às eleições a dizer o que disse, a fazer o que fez e a aparecer como apareceu nos quatro anos da sua existência terrena. Por isso, quanto mais o tempo é menos, maior é o esforço dos que o representam e defendem para criar, dele, uma imagem da qual a realidade se ausentou.

Opinião de:

PROPAGANDA

A isto, que ontem se chamava propaganda, chama-se hoje marketing político. Ao fazê-lo como o faz, o governo usa, para tentar operar esta mistificação calculada, técnicas que descendem das teorias imaginadas por um sobrinho de Sigmund Freud, chamado Edward Bernays. 

Nascido em Viena, em 1891, emigrou para os Estados Unidos, e é considerado o inventor da propaganda política moderna, das novas técnicas publicitárias e da indústria de relações públicas. Consultor de grandes companhias americanas, colaborou com a CIA, nos anos 50, em campanhas de ataque a governos da América Latina. Morreu com mais de 100 anos, em 1995, tendo sido eleito pela revista “Life” como um dos 100 americanos mais influentes do século XX. 

Um dos seus livros fundamentais intitula-se “Propaganda – Como manipular a opinião em democracia” (1928) e dele Noam Chomsky disse que é o manual clássico do tema. Começa assim: “ A manipulação consciente, inteligente, das opiniões e dos hábitos organizados das massas joga um papel importante numa sociedade democrática. Aqueles que manipulam este mecanismo social imperceptível formam um governo invisível que dirige verdadeiramente o país. // Nós somos, em grande parte, governados por homens dos quais ignoramos tudo, que modelam os nossos espíritos, forjam os nossos gostos, insuflam as nossas ideias.”  

Esta teoria e as técnicas que a tornam uma prática destinam-se a condicionar, ou mesmo a determinar a política, a moral, a economia, a sociedade, a comunicação, a religião, a arte, a ciência, a moda, o consumo, a solidariedade –  e fundam-se no princípio enunciado por Bernays de que as sociedades são manadas irracionais e inconscientes, sendo, por isso, necessário dirigi-las e manipulá-las a nosso favor e a favor dos nossos interesses. Nada há a dizer sobre estes métodos de propaganda e de neopropaganda senão que, nos seus fundamentos e princípios, a democracia tem, de tudo isto, o entendimento oposto.

A única maneira de não deixarmos que Bernays tenha razão e que o governo de Passos Coelho e Paulo Portas, com ele, a venha a ter também é demostrarmos, através da informação esclarecedora, da restituição da memória e da argumentação crítica, que aquilo que, agora, a maioria PSD/CDS e os seus propagandistas (alguns deles usam o nome de comentadores) dizem deve sempre ler-se ao contrário. Sobre isso, José Pacheco Pereira tem feito um inteligente, sistemático e arrasador trabalho de desocultação, de desmontagem, de desconstrução. 

Quanto à necessidade de lermos ao contrário o que nos é dito, dou apenas um exemplo: na continuidade das “bandeirinhas nacionais” que os membros do governo ostentam na lapela brilhante dos seus fatos ( certamente uma ideia do marketing)  , o slogan que foi escolhido recentemente pelo PSD é:  “ Acima de Tudo Portugal”. Ora, isto deve ser lido exatamente ao contrário. Aquilo que o slogan quer dizer é que, durante o longo e funesto mandato que está a terminar, Portugal e a sua soberania estiveram  completamente ausentes das considerações, das negociações e das decisões do governo português. Tudo foi feito como se não fôssemos um país independente e soberano, mas um protetorado submisso e agradecido pela proteção.

O guião da ficção criado, para esta pré-campanha, por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, sob a influência dos discípulos de Bernays, funda-se em dois silogismos, com uma premissa maior comum. O primeiro deles diz: “ O país estava arruinado. O governo do PSD/ CDS salvou o país. Logo: o governo do PSD/CDS merece ganhar para continuar a salvar o país”. O segundo silogismo afirma: “O país estava arruinado. Foi o PS que arruinou o país. Logo: o PS não pode ganhar, porque se o PS voltasse ao governo voltaria a arruinar o país”. 

Estes silogismos são declinados sob várias formas e fórmulas: “Os sacrifícios pedidos foram duros, mas deram bons resultados. Portugal está hoje em franca recuperação e com os cofres cheios de dinheiro. Os portugueses não podem permitir que se perca aquilo que se ganhou com tanto esforço”.

É claro que esta ficção ignora intencionalmente a crise internacional que pôs em dificuldades os países europeus e esconde a motivação fundamental que levou o governo a agir como tem agido: a ideologia da austeridade que lhe serve de arma para destruir o Estado social, usando a crise como pretexto e instrumento para fazer as desejadas “reformas” neoliberais. Além disso, manipulando certos indicadores e omitindo outros, dá, do estado atual do país, uma imagem que nada tem a ver com a verdade, ignorando o desastre económico e a catástrofe social que provocou e que continua dramaticamente presente.

O PS tem de denunciar quotidianamente esta operação de branqueamento e de falsificação da realidade. Aos dois silogismos do governo tem de opor dois silogismos seus. Um deve dizer: “O País está destruído. Foi o governo do PSD/ CDS que destruiu o país. Logo: o governo do PSD/ CDS tem de perder para não continuar a destruir o país”. O segundo deve afirmar: “ O País está destruído. O PS opõe-se à destruição do país (é esse o grande objetivo do seu Programa Eleitoral de Governo). Logo: o PS tem de ganhar para parar a destruição do País”.

Estes silogismos também podem ser declinados sob diversas fórmulas e formas: “ Com este governo, o que é mau cresceu (a dívida, o desemprego, as falências, a pobreza, a emigração, as desigualdades, as listas de espera nos hospitais) e o que é bom diminuiu (o índice de desenvolvimento humano, o sucesso escolar, o investimento na ciência e na cultura, a coesão social) ”. 

Para passar aos portugueses esta mensagem fundamental, o PS não precisa de recorrer às técnicas de Edward Bernays e ainda menos de perfilhar a sua ideia de que o eleitorado é um rebanho acéfalo e manipulável. Basta-lhe reafirmar que a democracia é o governo do Povo, pelo Povo e para o Povo – e que o Povo, nas próximas eleições, saberá escolher aqueles que tornam possível que esse governo aconteça.