“Política de austeridade tem de terminar”
Fernanda Freitas (FF) – Como se está a sentir pessoalmente e como tem lidado com as críticas [à função de líder parlamentar do PS]?
Ferro Rodrigues (FR) – Tenho-me sentido muito bem. Acho perfeitamente normal que haja pessoas que considerem que eu poderia ser mais agressivo, outras que considerem que devia ser menos agressivo. Não é nada de novo para mim. Estive numa campanha eleitoral muito dura em 2002, em que a pressão em relação à construção de um certo tipo de imagem sempre se atravessou entre mim e o mundo real e a política. Uma parte não desprezível desses ataques têm que ver com questões políticas, algumas de direita contra esquerda (por exemplo, as análises extraordinárias que faz o prof. Marcelo Rebelo de Sousa). Outras, com problemas que nunca estão resolvidos, de minorias do PS que – embora gostem de estar no consenso geral – só procuram dar umas facadas de vez em quando…
FF – Marcelo disse que “não tem jeito nenhum para aquilo”.
FR – Pois…. Mas sabe que o conceito de jeito do prof. Marcelo, quando foi a eleições para a Presidência da Câmara de Lisboa [em 1989], não teve grande sucesso, não é? Mergulhou no Tejo muito poluído e com vários objectos estranhos à volta dele, andou a guiar um táxi… Se o “jeito” para a política é esse tipo de coisas, eu realmente não tenho jeito nenhum. Estou na política desde meados dos anos 60, e o que me interessa mais é defender convicções, procurar que essas convicções sejam partilhadas por mais gente e que vão avante.
Adelino Gomes (AG) – As sondagens, painéis, etc., têm mostrado que António Costa está muito aquém daquilo que seria de esperar. Há até quem ligue isso à fraca prestação do líder parlamentar…
FR – A situação desde que António Costa foi eleito, com uma votação esmagadora e nunca vista em Portugal, nas eleições primárias, mudou! Mudou em Portugal, mudou na Europa e mudou para o PS. Temos um antigo secretário-geral (SG) e primeiro-ministro (PM) em prisão preventiva. Essa questão será dirimida do ponto de vista da justiça, mas tem um impacto politico que é inegável. Na Europa, felizmente, a evolução foi num sentido mais positivo – mudou a Comissão Europeia, mudou de certa maneira o funcionamento do Parlamento Europeu, mudaram algumas coisas importantes na ótica de alguns governos de coligação na UE. [No PS] Também mudaram o líder parlamentar, é um facto, e o secretário-geral. Mas a associação de uma coisa à outra parece-me relativamente absurda, porque a visibilidade de um partido é dada sobretudo pela visibilidade da direcção política do seu secretário-geral, do candidato a primeiro-ministro. Eu, aliás, faço o possível por não me pôr em bicos de pés. E quando devo aparecer é nos momentos do debate com o primeiro-ministro, o qual tem regras um pouco extraordinárias, porque normalmente o líder parlamentar tem 9 m. e depois o PM + o PSD + o CDS têm cerca de 50 minutos…
AG – … são regras que já existiam antes…
FR – Esta lógica dos debates quinzenais é relativamente recente… Mas eu sinto-me confortável com as regras. Nunca saí destes debates com a ideia de que tenha sido derrotado. Muito mais importante do que ter ou não papéis para me auxiliarem a ler, e de ver melhor ou pior com os óculos que tenho, é aquilo que digo, as questões que ficam em aberto a seguir a estes debates sobre a forma de governar destes senhores e sobre a própria figura do primeiro-ministro.
FF – O que é que o PS vai oferecer aos portugueses [na campanha eleitoral]?
FR – O Partido Socialista vai dizer aos portugueses que esta política tem de terminar! A política de austeridade, com este modelo de pensar que as reformas são um sinónimo de cortes nas despesas sociais, de quebras nos salários e nas pensões, de privatização de serviços que eram públicos, de desregulação completa dos mercados financeiros, de privatizações a todo o custo tem de terminar.
AG – Qual é o vosso modelo?
FR – Alguém já perguntou qual é a política que vai seguir a actual maioria?
AG – O challenger [nestas eleições] é o PS.
FR – É, e portanto tem que demonstrar que há alternativas e propor as linhas fundamentais dessas alternativas. É isso que vai começar a ser feito [FR alude ao documento preparado por 12 economistas e que o SG divulgou uma semana depois]. Desde que foi eleito, António Costa tem estado a fazer uma sucessão de contactos europeus muito importantes, e com resultados que mais tarde se verão, de garantir que o país possa ter uma margem de manobra diferente, para poder ao mesmo tempo inverter esta lógica radical ideológica e de direita que tem sido seguida nos últimos anos, e propor aos portugueses um contrato político e social completamente diferente.
AG – Mais aí, parece estarmos no domínio da fé. Onde estão os aliados potenciais de António Costa e do PS?
FR – Estão não apenas em Governos em que há maiorias socialistas e sociais-democratas, mas também em Governos de coligação em que os sociais-democratas estão presentes. É evidente que eu não estou ultraotimista no sentido de pensar que António Costa ganha as eleições aqui e a Europa muda. Acho é que se António Costa e o PS ganharem eleições aqui, a posição do Estado Português perante a Europa muda! Deixa de ser um Estado complacente e completamente aliado das políticas mais reacionárias que na Europa são impostas todos os dias.
AG – Não contribuiria para um melhor esclarecimento dos votantes saber-se à partida qual a coligação pós-eleitoral?
FR – Os eleitores têm que saber se querem um governo conduzido pelo PS com maioria absoluta, ou sem maioria absoluta, ou se querem um governo da direita. Depois, os acordos eventualmente que se tenham que estabelecer (porque eu até defendo que mesmo com maioria absoluta se devem estabelecer acordos), isso vai depender dos resultados eleitorais. O PS tem que ambicionar um resultado o maior que seja possível e que os eleitores queiram, sabendo-se que há, não só em Portugal, uma tremenda desconfiança das pessoas em relação aos partidos – aos tradicionais, essencialmente.
AG – Haverá culpa dos partidos…
FR – Há certamente! Mas uma das culpas fundamentais é da crise económico-social. As pessoas vão ficando dececionadas por perceberem que uma parte do poder já não reside nas pessoas em quem votam, nem nos partidos em quem apostam, mas em instâncias que estão fora, que são às vezes invisíveis, e que têm uma grande força ao nível internacional.
AG – E porque os partidos demonstram não ter capacidade para se opor.
FR – O que se passou agora com a Grécia, desse ponto de vista, é interessante, independentemente dos erros e de alguma perspectiva pouco realista (enfim, é o mínimo que se pode dizer) de posições do Syrisa. Quando apresentou a primeira proposta, teve uma posição da Comissão Europeia construtiva e muito positiva, [depois] totalmente torpedeada, boicotada, e subvertida pelos grupos que têm poder (embora não tenham sido eleitos), e que gravitam à volta do Eurogrupo com a pseudo-chancela de grupos técnicos, mas que são os mais políticos de todos na União!
AG – Não tivemos conhecimento cá fora de nenhuma posição [contra] que tenha sido colocada pelos políticos dentro do Eurogrupo …
FR – A Comissão Europeia perdeu de certa maneira, infelizmente, com o Tratado de Lisboa, uma parte da importância relativa, e a Europa transformou-se num organismo cada vez mais intergovernamental e cada vez menos comunitário, sem uma iniciativa política forte da Comissão a marcar o terreno, como acontecia no tempo de Jacques Delors. Mas, da mesma maneira que isso mudou no sentido negativo, pode ser mudado no sentido positivo! Se eu achasse que hoje estar na política é apenas uma questão de substituir o pessoal político do PSD e do CDS por pessoal político do PS e de outros partidos, para manter as mesmas políticas, a mesma lógica, o mesmo conceito de reforma, dedicava-me a outra actividade, porque já tenho sete netos…
FF – O PS entra a tempo ainda de mudar…?
FR – Acho que sim. Felizmente, mesmo com a troica e com esta dinâmica toda, ainda se preservou o núcleo duro fundamental do SNS, das políticas sociais de apoio aos mais excluídos, do sistema público de educação. Agora, se me perguntam se vamos reconstruir exatamente com os mesmos modelos, com a mesma capacidade de financiamento, é possível que não, que as regras sejam bastante mais limitadas. Mas não quer dizer que o sentido da história política e económica do país não mude completamente com as eleições.
FF – Voltando à tal deceção: uma série de movimentos cívicos, que começam a movimentar-se, estão no tempo certo, já vêm tarde, estão com as pessoas certas (pessoas que já fizeram parte de outros partidos). Qual é a sua leitura?
FR – Nunca houve tantos movimentos como a seguir ao 25 de Abril. Ainda estamos muito longe de uma situação desse tipo. As grandes manifestações de jovens no tempo do governo socialista e nos primeiros tempos do governo de Passos Coelho deixaram de existir, em boa parte, porque esses jovens emigraram. Deixaram de ter a confiança mínima para acreditar nos políticos e apostar no país. Foram-se embora nos últimos quatro anos, não sei bem quais os números de 2014, mas cerca de 400 mil pessoas! Só tem paralelo com os anos da guerra colonial e com os anos 60. E agora é muito mais grave, porque são pessoas bastante mais qualificadas. Admito perfeitamente que haja pessoas que considerem que os partidos tradicionais estão esgotados! Mas veem-se algumas dessas pessoas a formarem partidos que, pelo menos à primeira vista, não primam pela clareza das suas alternativas. Todos os dias aparece um partido novo ou um candidato pseudonovo…
AG – Também dos lados do PS. Quase todos os dias temos putativos candidatos…
FR – Estar neste momento dedicado à tarefa de dizer qual é o socialista ou o independente preferido, quando isso vem de militantes responsáveis dentro do PS, é não compreender o que é o essencial e o que é o acessório. Bater-me-ei sempre contra a colocação das presidenciais na ordem do dia! Os portugueses estão-se nas tintas [para saberem] quem é o candidato que a direcção do PS apoia ou que a convenção do PS vá apoiar. Seria uma coisa completamente ridícula que num momento em que tem que aprovar um programa de Governo para responder aos portugueses, o PS estivesse entretido a discutir as características do Sr. A ou do Sr B., sejam eles do PS ou não. Não contam comigo para esse exercício!
[Na próxima segunda feira pode ler a segunda parte da entrevista a Ferro Rodrigues]
AGRADECIMENTO
Agradecemos a Fernanda Freitas e Adelino Gomes terem aceitado o convite para fazerem esta entrevista e o terem encarado como mais um desafio a juntar a tantos outros das suas longas e bem-sucedidas carreiras de jornalistas.