Pensar adiante | Mundo
Poderá culpar-se a política e sobretudo a degradação da própria democracia no Ocidente. Ou a extensa corrupção gerada por um capitalismo sem regras, de curto prazo e maximização alucinada do lucro. Ou, ainda, a emergência dos novos gigantes económicos, sobretudo a China e a Índia. Mas, na verdade, o fim do eixo Atlântico deriva acima de tudo da evolução científica e tecnológica das últimas décadas que, mais do que produzir a miríade de gadgets que nos querem vender todos os dias, vai gerando uma nova visão das coisas e, portanto, do próprio mundo.
Já não estamos num mundo de blocos que definiam os campos da vida e da ação. Em tempos chamei-lhes “dicotomias felizes” já que estabeleciam de forma clara o “nosso” território e o do inimigo. Ou seja, o mundo era linear, separado de forma simples entre nós e eles.
Hoje não é assim. O nosso campo é cada vez mais instável, veja-se a eleição de Trump ou o Brexit; enquanto o campo do outro se transformou numa complexa e, sobretudo, num conjunto de comportamentos que não conseguimos decifrar. Pense-se na guerra da Síria e na intrincada rede de amigos e inimigos, sendo que alguns amigos são, em simultâneo, também inimigos.
Não se pode portanto continuar a pensar com base na velha geometria. O mundo vai-se tornando rizomático, ou seja, um modelo que não tem hierarquia nem centro, com múltiplos agentes, cada um agindo segundo os seus interesses e, portanto, obrigando-se continuamente a cooperar ou, em alternativa, na versão menos inteligente, a fazer a guerra. Sendo que é esta a situação atual. A incapacidade de se aceitar um mundo multipolar vai gerando conflitos absurdos e inconsequentes. Com o tempo se tornará claro que só a cooperação permite evoluir positivamente, beneficiando todos.
Não se pode também continuar a imaginar que é possível reconstruir velhas alianças, sobretudo na perspetiva, das novas ameaças. A eleição de Trump, com a sua desastrada e ignorante política de permanente confrontação com tudo e todos, veio demonstrar como num mundo em rede existem sempre alternativas. A imediata aproximação da Europa à China é bem demonstrativa. Aliás, a politica de Trump que conduz à decadência dos Estados Unidos e o Brexit que conduz à decadência do Reino Unido, resultaram no fortalecimento da China como novo poder económico e, surpreendentemente, também político. A China é agora o motor da nova economia tecnológica, do crescimento e da paz. Já só lhe falta a liberdade…
Mesmo um pequeno país como Portugal deve procurar o seu lugar no rizoma. Não basta seguir a deriva europeia, tantas vezes incoerente, mas procurar construir as pontes que mais nos favorecem. Neste sentido, o país com o qual devíamos estabelecer, rapidamente, mais laços e mais fortes, é a Índia. Porque já temos relações históricas, mas igualmente porque é o próximo gigante que começa a despertar.