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Pensar adiante | ética

Pensar adiante | ética

Vivemos numa época em que a ética é depreciada. Nas empresas, nas instituições, nos países, em muitos comportamentos individuais. E, no entanto, nunca ela foi tão necessária. Não só ao nível da realidade corrente, mas ainda mais quando pensamos no futuro.
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Sejamos claros e diretos. Ética é a definição, a cada momento histórico, do bem e do mal. À medida que a civilização avança certas condutas tidas por aceitáveis tornam-se reprováveis, a tortura ou a discriminação racial, ou, no sentido inverso, o condenável torna-se normal como é o caso, por exemplo, da homossexualidade.

Mas hoje estamos confrontados com novas situações que colocam grandes e complexos problemas éticos. 

A possibilidade de manipular geneticamente organismos não é uma realidade atual pois já existe há séculos. Basta pensar em muitas espécies fundamentais na nossa alimentação, desde cereais, frutos, legumes mas também vacas ou porcos, que através de cruzamentos programados alteraram significativamente a sua origem natural. Só que agora essa manipulação vai à raiz, ou seja ao nível propriamente genético, permitindo as mais incríveis combinações entre espécies e mesmo entre reinos animal e vegetal. O que coloca um problema ético evidente. Até onde é legítimo alterar uma forma de vida natural ou fabricar literalmente novas formas de vida?

Neste domínio temos ainda a questão da clonagem já que, para além da procriação artificial em laboratório, é possível pegar numa simples célula de um indivíduo e recriar outro indivíduo similar. De momento a clonagem de seres humanos é proibida mas chegará o dia em que, por qualquer razão, esse passo será dado.

Para além da biotecnologia, campo fértil em questões éticas, temos também toda uma série de novos problemas gerados pela robótica e pela inteligência artificial. 

Com as máquinas a tornarem-se cada vez mais autónomas e inteligentes levanta-se a questão de saber por quanto mais tempo as consideramos meras ferramentas ao nosso dispor ou quando as passamos a encarar como uma nova forma de vida com os direitos inerentes. 

De qualquer modo, mesmo nas suas aplicações relativamente simples as máquinas inteligentes levantam situações muito críticas. Veja-se o caso dos automóveis sem condutor. Na eventualidade de um acidente inevitável o automóvel pode ter de decidir entre ir contra uma parede, pondo em risco a vida dos passageiros, ou atropelar uma pessoa. Como se estabelecem parâmetros éticos? Por quantidade? Dois passageiros valem mais do um peão? E se o peão for uma criança, a que a sociedade dá um valor superior como se sabe pelas notícias que as destacam sempre nas mais variadas catástrofes?

Numa sociedade cada vez mais vigiada e controlada pelas polícias, pelo Estado e pelas empresas, temos ainda o problema ético da invasão da privacidade, da perseguição e repressão, da manipulação da informação ou da mentira como forma de se conseguirem vantagens políticas ou económicas. Num plano digno da ficção científica há ainda a considerar o implante de falsas memórias ou a redução do indivíduo a um ser obediente, sem princípios ou moralidade, coisa que se faz há séculos com a instrução militar, mas que agora é tecnicamente possível intervindo diretamente no cérebro. 

Em suma. Um futuro sem ética pode facilmente tornar-se num pesadelo, numa distopia. Ora, para além das comissões de ética, nada democráticas diga-se de passagem e na maior parte dos casos dominadas por motivações religiosas, a nossa sociedade não tem mecanismos transparentes, abertos e comuns de avaliar o bem e o mal. É urgente criá-los. Faz, aliás, todo o sentido pensar num novo organismo mundial que trate das questões éticas do ponto de vista da humanidade no seu conjunto. É o futuro da nossa espécie que está em questão.