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Pensar adiante | Democracia

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Pensar adiante | Democracia

As recentes eleições nos Estados Unidos, onde o candidato mais votado não foi o eleito, mostram como o conceito de democracia não tem uma aplicação linear.

 

Em teoria um sistema democrático assenta no princípio: um cidadão, um voto. Mas na prática não é assim. Nos Estados Unidos o povo não escolhe o Presidente mas sim os chamados grandes eleitores, ou seja, um pequeno grupo de intermediários que por sua vez escolhe o Presidente. É claramente um sistema que perverte a relação entre eleitores e votos. Não é caso único. A maioria dos sistemas eleitorais não é proporcional. Mesmo em Portugal, que é dos que mais se aproxima, na contagem final dos votos usa-se o método de Hondt que favorece os partidos mais votados. Mas há de tudo. Sistemas maioritários, onde o mais votado ganha tudo, de duas voltas, para garantir uma maioria superior a 50%, mistos que combinam proporcional e maioritário e por aí adiante.

Acresce que muitos países têm um sistema de duas câmaras, normalmente o parlamento e o senado. Em muitos casos uma das câmaras é alta, ou seja, as suas decisões têm prevalência sobre a baixa, noutros não existe hierarquia resultando frequentemente num impasse quando as câmaras são dominadas por partidos diferentes. Um dado interessante: nos Estados Unidos são eleitos dois senadores por Estado, ou seja, sem qualquer relação proporcional com o número de habitantes.

Em muitos países também se limita o acesso ao parlamento a uma percentagem mínima de votos. Na Alemanha são 5%, na Suécia 4%, por exemplo. O que significa que uma parte dos eleitores fica sem representação.

Em suma, o sistema eleitoral democrático tem muitas variantes sendo que a maioria se afasta da proporcionalidade em prejuízo da representação das minorias. Sabendo nós como hoje as sociedades são aglomerados de múltiplas e mutantes minorias é evidente o desajustamento.

Não será a principal razão da crise das democracias, mas este tipo de discrepâncias dá o seu contributo.

É por isso que hoje no debate sobre a necessária reforma das democracias surge invariavelmente em destaque o princípio da proporcionalidade.

Outra ideia recorrente é a da própria representação. Ao votarem em partidos e não em deputados os eleitores não estabelecem uma relação com o seu deputado. Esta realidade gera dinâmicas perversas, tornando os deputados responsáveis por prestar contas ao partido e não aos eleitores.

A baixa participação, a escolha pouco informada, o uso e abuso da demagogia, a circulação de puras mentiras e os ataques pessoais, são outros fatores que vão minando a qualidade da democracia. Não se entende, por exemplo, como nos sistemas de ensino não existe uma disciplina específica sobre democracia, civismo e, nas repúblicas, de ética republicana. A escola, para além de transmitir conhecimentos científicos, deveria ter como missão superior educar os jovens para a democracia.

É mais do que evidente que a democracia precisa de ser repensada. Não só nos processos de representação mas sobretudo na forma como se garante a participação de todos assente na ideia de igualdade. Mas na base de tudo estará sempre a capacidade de escolha dos eleitores. Uma capacidade que implica informação adequada, concreta e séria, já que essa é a única maneira de derrotar o populismo e a desinformação generalizada que infelizmente domina media e redes sociais. A política tem de se tornar mais informativa. Tem sobretudo de aprender a utilizar com inteligência os canais tecnológicos que temos hoje ao nosso dispor.

 

Artista plástico