Pedro Nuno Santos: “O nível de fiscalidade não vai aumentar. Vai baixar em 2017”
O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares fala sobre o funcionamento e as conquistas do governo que integra.
Não é fácil combinar o que quer que seja com Pedro Nuno Santos, muito menos um almoço. O homem a quem António Costa confiou, no Parlamento, a coordenação política da geringonça – termo que detesta e recusa usar -, não tem tempo para muito mais. Diz que raramente falha um almoço, mas costuma usar esse tempo para conferir o andamento de negociações várias com a sua equipa. Não foi esse o caso, mas antes um almoço breve – pouco mais de uma hora -, com a conversa a andar à roda das negociações para o Orçamento do Estado, de novos impostos, do estado da economia, e de uma ou outra crítica ao PSD.
Depois de alguma insistência, telefonemas não atendidos e SMS sem resposta, acabámos por combinar almoço “no italiano frente às escadarias da Assembleia”. Encontrámo-nos ao cimo das escadarias, ainda vinha de telefone encostado à orelha e só conseguiu terminar a chamada do outro lado da Rua de São Bento, quando já descíamos os degraus para o restaurante. Il Matriciano é propriedade de um italiano e os empregados de mesa são todos italianos. Por ali, já todos o conhecem, é cliente habitual deste e de mais uns dois ou três restaurantes perto do Parlamento.
Sentamo-nos na esplanada. Mesa para dois, com um pratinho com duas fatias de salame, dois pedaços de alcachofra e duas fatias de queijo a chegar rápido. Ao lado, um saco de papel com pão. Enquanto vai falando das negociações com os “parceiros”, como chama frequentemente a Bloco de Esquerda, PCP e Verdes, Pedro Nuno Santos não toca nesse prato, dedicando-se apenas a uma fatia de pão. Il Matriciano é um recanto de alguma paz e sombra frente a um Parlamento que começa a viver dias agitados. Falta menos de um mês para o governo entregar mais um Orçamento do Estado negociado em quatro palcos.
Não são, de todo, dias de sossego para Pedro Nuno. Com ar de quem não passou muito tempo na praia durante o verão, pergunto se ainda está de bem com as funções – secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, uma espécie de maquinista dos acordos de apoio parlamentar que vão suportando o executivo socialista. Diz que nunca pensou ter a função que tem, mas a negociação prévia à formação do governo tornou a opção natural. Acrescenta que “a primeira fase foi de descoberta, de aprendizagem, mas hoje a coisa já está mais oleada, e sinto-me completamente realizado”.
A prova de que a gestão dos equilíbrios entre governo, Bloco de Esquerda, PCP e Verdes não é fácil está à vista no ecrã do telemóvel. Estava quase sem carga, com a bateria nos 13% às duas da tarde. Foi tema de conversa, e Pedro Nuno Santos garante que tem o iPhone “sempre ligado ao carregador”, todo o dia. Vale a pena o esforço? Diz que sim, que “temos agora uma democracia mais rica com esta experiência. Há na governação, no apoio ao governo, partidos que estavam à margem do sistema”, mas não é uma gestão fácil, admite. “Para cada assunto, para cada decisão, são sempre quatro reuniões, com os grupos parlamentares do PS, do Bloco, do PCP e do PEV”.
“temos agora uma democracia mais rica com esta experiência”
Há histórias destes meses de gerigonça que recusa contar, nunca abrindo o jogo sobre tiques ou hábitos negociais dos parceiros à esquerda. É, garante, um trabalho pesado. “Mesmo fora do Orçamento, o meu gabinete teve um dia com 16 reuniões. Chegámos a ter três e quatro reuniões ao mesmo tempo em salas diferentes, uma do PS com o ministro X, outra do PCP com outro ministro, e outra do Bloco com um secretário de Estado.” Quanto às diferenças de posicionamento entre Bloco e PCP, neste frenesim negocial, Pedro Nuno Santos pouco diz, limitando-se a afirmar que “são partidos diferentes, com culturas organizacionais diferentes, portanto há algumas diferenças, mas eu não vou enunciá-las”.
Pedro Nuno Santos almoça no Il Matriciano várias vezes por semana, confia no prato do dia – fusilli com pesto -, enquanto eu fico por um risotto de açafrão com legumes. Quando os dois copos de vinho branco da casa chegam à mesa, pouco antes dos pratos, confessa que a sua principal tarefa é desarmadilhar problemas, evitar atritos desnecessários na praça pública. Revela que sempre que “PCP e Bloco dão entrada de um projeto de lei, mesmo que só os queiram agendar para mais tarde, nós enviamos logo para o governo, para ver se somos a favor ou contra, se pode ser trabalhado ou não, para antecipar eventuais problemas que possamos ter mais à frente.” É o dia-a-dia da geringonça. “Há sempre reuniões para resolver problemas, quer para preparar audições quer para preparar iniciativas legislativas que o PCP ou o Bloco querem, ou que nós queremos”, afirma o coordenador de uma máquina cada vez mais oleada, mas que precisa de constante lubrificação, carinho e atenção.
“A dívida é um constrangimento ao crescimento da economia portuguesa, mas hoje, com o que a história nos mostrou nos últimos anos, tenho a certeza de que a sua solução tem de ser encontrada no quadro europeu”
Há um exemplo prático desse esforço de coordenação política, as audições de ministros na Assembleia da República. Quase todas as audições têm direito a reuniões de coordenação com Bloco, PCP e Verdes, “depende sobretudo da importância, do que vai ser discutido. Notícias sobre o Banif, novidades sobre o BES ou sobre a Caixa, por exemplo”. Nesses casos, a sensibilidade dos temas obrigou a reuniões de Mário Centeno com todos os parceiros, “para eles estarem informados sobre o que está a acontecer”. A norma é a circulação de informação entre governo, Bloco, PCP e Verdes, só há desencontros “quando nós também não sabemos o que se está a passar, nunca são falhas de informação deliberadas”, garante. Desta forma, afirma Pedro Nuno Santos, “eles sabem o que nós queremos, e nós sabemos o que eles são contra, o que é possível corrigir, corrige-se, e o que não é possível assume-se. É uma das vantagens desta solução, as divergências são assumidas”.
Depois, quando há bloqueios impossíveis de resolver, a discussão sobe de nível e obriga a encontros entre António Costa, Catarina Martins, Jerónimo de Sousa e Heloísa Apolónia. Reuniões, claro, sempre bilaterais. Sorri quando revela que chegou a haver algumas exceções, encontros a quatro, mas não resultaram. E volta a sorrir, e a fazer uma pausa, quando lhe pergunto se já deu por ele a tentar defender argumentos do PCP ou do Bloco junto de ministros do seu próprio governo. Diz que sim, mas sublinha que “quando isso acontece, acontece o contrário ao mesmo tempo – defender a posição de ministros junto dos nossos parceiros -, e depois, mais ou menos no meio vamos encontrar-nos. Muitas vezes é a secretaria de Estado que tem a iniciativa de sugerir soluções para esses bloqueios”.
As últimas semanas têm sido de pressão constante da oposição sobre o governo. Artigos de análise na imprensa estrangeira, relatórios de agências de notação, e o tema “novo resgate” entrou na arena. Passamos parte do almoço a conversar sobre o assunto. Menos do resgate, mais do estado da economia. A grande questão é como sair da crise, como colocar o país a crescer, e sobretudo como evitar um novo pedido de ajuda. Pedro Nuno Santos diz que essa é uma questão que não se coloca, a de um novo resgate, e defende que o país deve ser capaz de “fazer um debate mais qualificado sobre o crescimento”. Diz que não podemos ignorar a herança do anterior governo “nem o cenário das economias na Europa e no resto do mundo”. O economista defende que “a procura, quer interna quer externa, é o principal fator de confiança para investidores e empresários. O que conta é se têm procura para o que produzem, e não se o governo é apoiado pelo PCP e pelo Bloco”. Aponta ainda outros dois fatores para a quebra do investimento no primeiro semestre: “A mudança entre quadros comunitários de apoio, e a crise no setor financeiro, que dificulta o acesso ao crédito.” Insiste que o governo nunca mascarou a realidade económica, afirma que “vivemos em crise há vários anos, ainda não saímos dela, é para isso que trabalhamos todos os dias, mas não podemos ignorar o facto de termos a economia mundial em abrandamento, com consequências muito duras para muitas das nossas exportações, sobretudo no caso de Angola, Brasil e China; e temos uma transição entre quadros comunitários, entre o QREN e o Portugal 2020, e isso implica sempre um abrandamento do investimento”.
“o PSD acaba por ajudar o governo ‘ao ter um líder que anda permanentemente a anunciar a catástrofe'”
Enquanto vai comendo os fusilli com pesto, aproveita para passar a mensagem, afirmando que “o grande objetivo do governo está a ser cumprido, o emprego está a crescer”. Passa ao de leve pela oposição e sorri ao dizer que o PSD acaba por ajudar o governo “ao ter um líder que anda permanentemente a anunciar a catástrofe”. E a confiança, como se resolve a falta dela? Pedro Nuno Santos diz que “ter o Presidente e o primeiro-ministro a puxar para o mesmo lado, a falar de fatores positivos, é bom para a confiança. De qualquer maneira, não queremos maquilhar resultados económicos e sociais. Ainda não saímos da crise onde nos metemos”.
Na semana em que o ministro das Finanças se desdobrou em declarações, sem grande sucesso ou clareza, para tentar explicar a evolução da carga fiscal no Orçamento do Estado do próximo ano, Pedro Nuno Santos é taxativo e afirma sem hesitar que “o nível de fiscalidade não vai aumentar. Da mesma forma que baixou em 2016, vai baixar em 2017”. A quem acusa o governo de usar uma matriz ideológica para a redefinir a carga fiscal responde que “não há decisão política sem uma base ideológica, sem uma determinada visão do mundo, sem um conjunto de valores”.
Já à roda da sobremesa – finas fatias de salame de chocolate para Pedro Nuno Santos e uma panna cotta para mim -, recordo-lhe os dias em que defendia uma reestruturação da dívida do Estado. Nesses dias do ajustamento, com a troika em Portugal, passou boa parte do tempo na Assembleia da República, enquanto deputado do PS, a criticar o anterior governo pela forma como reagia aos constrangimentos externos. Hoje, admite que lida com constrangimentos muito semelhantes, vindos de Bruxelas e de Frankfurt, mas sublinha que o atual governo assume “uma atitude muito diferente na relação com esses constrangimentos”. Garante que o país tem agora um governo que “só aceita relacionar-se com os parceiros europeus como um igual, e isso é uma alteração muito profunda. Posso dizer que há uma tensão saudável, porque nós em Bruxelas batemo-nos para defender o nosso programa e os nossos compromissos com o povo português”.
“o país tem agora um governo que “só aceita relacionar-se com os parceiros europeus como um igual, e isso é uma alteração muito profunda”
No verão de 2014, o atual secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares assinou um documento, em conjunto com três outros economistas – “Um programa sustentável para a reestruturação da dívida portuguesa”. Defendia, então, uma renegociação com os credores, alargando prazos e baixando juros da dívida. Hoje, já abandonou essa linha mais radical, e alinha pelo discurso do governo, afirmando que continua a achar que “a dívida é um problema e um constrangimento ao crescimento da economia portuguesa, mas hoje, com o que a história nos mostrou nos últimos anos, tenho a certeza de que a sua solução tem de ser encontrada no quadro europeu”.
Já com os cafés em cima da mesa, a conversa virou-se para o verão politicamente quente do executivo. Lembro os casos das viagens Galp ao Euro 2016, do IMI, da CGD, o MAI e os incêndios. Pedro Nuno Santos admite que houve “alguma dificuldade relativamente a alguns temas”, mas defende que o governo “tem dado resposta correta” nesses temas. Argumenta ainda que “o verão é caracterizado por uma paragem na atividade política, e o que acontece é que as poucas notícias que existem ganham uma relevância muito superior àquilo que seria natural ou proporcional ao tema em causa”. Insisto que o governo anda com problemas de coordenação política, responde com um “não” e lembra que “temos como primeiro-ministro um dos políticos mais experientes em Portugal, e temos conseguido num contexto particularmente exigente conduzir bem o barco da governação”. Ainda assim admite que “qualquer governação não está isenta de problemas e de pequenas crises, o que é preciso é estar à altura de as resolver”.
(Entrevista efetuada pelo Diário de Notícias)