Paulo Cafôfo assume em ‘Política com Palavra’ que o projeto de mudança na Madeira está em curso e é imparável. Uma entrevista forte em que assume objetivos claros em relação às autárquicas, fala do que seria diferente se estivesse no lugar de Miguel Albuquerque, do preço que pagou por afrontar o poder do PSD, do que falta para o último passo a que se propôs, da relação com António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, das suas velhinhas e dos jovens madeirenses e da incrível circunstância de nunca ter sido chamado pelo governo regional para qualquer conversa sobre a pandemia ou sobre qualquer outro assunto.
Luís Osório – Como é que um professor de história explica o facto de o PSD ter ganho sempre na Madeira?
Paulo Cafôfo – Sou efetivamente professor de História e é muito fácil de explicar. A História é feita de ciclos, a nossa existência é feita de ciclos políticos e económicos, uns mais longos e outros mais curtos. Estamos no final de um ciclo de um poder que tem governando a região vai para 50 anos. O tempo é de mudança, sente-se isso. Em 2019 foi a primeira vez que a maioria dos madeirenses não votou no PSD, perderam a maioria absoluta e o PS ficou muito perto. Não tenhamos dúvidas de que a mudança está em curso.
LO – Ninguém dura para sempre.
PC – Ninguém dura para sempre.
LO- Mas na Madeira quase parece.
PC – A mudança está agora mais próximo do que distante.
LO – Está confiante no resultado das próximas eleições autárquicas?
PC – Tenho confiança de que estas eleições autárquicas correrão bem para o PS. A mudança começou em 2013, o ano em que o PSD perdeu a maioria das câmaras municipais. A marca do PS no Poder Local serviu para marcarmos uma alternativa, as pessoas sabem que nas câmaras governadas pelo PS as populações vivem melhor. Ouvimos dizer durante anos e anos que só o PSD tinha bons quadros capazes de governar, esta mudança política comprovou precisamente o contrário.
LO – Em todo esse processo foi fundamental a conquista do Funchal, em 2013.
PC – Sem dúvida.
LO – E consigo.
PC – Comigo e com os que estiveram comigo. Termos conquistado o Funchal foi muito importante. Fui um presidente de câmara improvável por não ter um passado político ou ligações partidárias, mas julgo que acrescentei valor e as pessoas entenderam que a alternativa política é saudável. Termos uma região monocolor não beneficia ninguém.
LO – Alberto João Jardim costuma dizer que o segredo para a longevidade do PSD no poder tem a ver com uma postura tíbia do PS em relação à autonomia.
PC – O PSD, com o Dr. Alberto João Jardim à cabeça, quer que os madeirenses acreditem que o PSD é o único partido que defende a autonomia. Mas a autonomia não tem senhoritos, autonomia é de todos os madeirenses. O PS é um dos fundadores da autonomia, a autonomia é um instrumento fundamental para sermos donos do nosso destino. E sabe o que aconteceu? O PSD sempre utilizou a autonomia em função de desígnios partidários e para ganhar dividendos políticos e eleitorais. O que resolveu na vida das pessoas? Nada!
LO – Mas o que é certo é que essa perspetiva vingou na população.
PC – Julgo que as pessoas já compreenderam. Aliás, os madeirenses reconhecem que foram governos socialistas que mais ajudaram a Madeira depois do 25 de Abril. Com António Guterres no pagamento de uma dívida brutal (todos o recordamos); com Sócrates na catástrofe de fevereiro de 2010, sem a Lei de Meios nunca a Madeira teria sido reconstruída da maneira como foi; com António Costa na construção do novo hospital, uma estrutura fundamental que está a ser financiada pelo governo da República.
LO – Presumo que a sua intervenção no Congresso Nacional do PS seja à volta da autonomia e do seu aprofundamento.
PC – Sim, claro. Vou defender uma moção no Congresso do PS nacional que propõe o reforço e aprofundamento da autonomia. Há problemas que se arrastam há demasiado tempo. E se isso acontece é porque o PSD está muito interessado nisso, pois apenas lhes interessa os ganhos partidários e eleitorais. A coesão territorial, revisão da Constituição, o estatuto político administrativo, a sustentabilidade do centro internacional de negócios ou o financiamento da Universidade da Madeira, só para lhe dar alguns exemplos, são temas fundamentais e faço questão de liderar esse processo. O PS, sob a minha liderança, tem dado um exemplo daquilo que é uma defesa de uma autonomia e sem guerrilhas. A Madeira tem de estar no centro de decisão sem perder o direito à diferença.
LO – Em 2013 conquista o Funchal como independente. Não deixa de ser um cristão-novo no PS a chegar a presidente do partido na Madeira. Por curiosidade, ainda se sente assim ou já está aculturado.
PC – Sempre me senti em casa no Partido Socialista. Independentemente de sermos militantes o importante é o compromisso, mas foi com muito gosto que me filiei, uma filiação assinada por António Costa. Podemos casar ou viver em união de facto, mas isso não quer dizer que não se esteja comprometido. É com muito orgulho que fui o líder socialista na Madeira com mais votos expressos. Temos um projeto para a região e ele apenas se concretizará com a participação de todos.
LO – De 1 a 10 quanto custou ao primeiro-ministro convencê-lo a entrar para o PS?
PC – Ah, foi fácil. António Costa disse uma coisa muito real: é muito difícil fazer política na Madeira. O poder na Madeira aprisionou a sociedade civil. Associações, casas do povo, associações desportivas, entidades sociais ou culturais, tudo o que mexe na Madeira, está controlado de múltiplas formas. O governo exerce o poder em função dos interesses do próprio partido e não do povo da Madeira, vão-se governando. A região tem pouco mais de 250 mil habitantes. E existem dois jornais diários, uma televisão, um semanário, dezenas de rádios. Temos uma vivência política intensa, um escrutínio enorme, a comunicação social é genericamente manietada por interesses económicos e controlada por interesses políticos. Os interesses privados estiveram sempre ligados aos interesses políticos.
LO – Mas é consensual, e tem-no dito também, que a Madeira se desenvolveu.
PC – Sem dúvida, mas com um pormenor. O desenvolvimento da Madeira, que foi evidente, não diminuiu as desigualdades, pelo contrário. Foi um crescimento profundamente desigual. Em 2019, antes da pandemia, a Madeira tinha 81 mil pessoas em risco de pobreza, um em cada três madeirenses! Temos 11 mil jovens que não trabalham ou estudam.
LO – Os jovens votaram maioritariamente no PS nas últimas regionais.
PC – A maioria dos jovens votou no PS nas últimas regionais. Os nossos eleitores são muito urbanos e jovem, isso diferencia-nos do PSD que é mais rural, mas atenção que eu gosto muito das minhas velhinhas e elas de mim. Gosto muito de pessoas, genuinamente. A política tem de ser alicerçada em projetos que tenham boas pessoas que queiram ajudar os outros, pessoas que façam o melhor com os meios que têm.
LO – Presumo que a sua muito rápida ascensão tenha gerado muitos anticorpos. Pagou um preço por isso?
PC – O regime que existe na Madeira é um regime de perseguições, chantagens e medo. A verdadeira mudança passa por libertar os madeirenses deste constrangimento. É mais perverso do que se vivêssemos num regime ditatorial, tudo é mais dissimulado, camuflado e não menos perigoso. Há muitos que são prejudicados na sua vida profissional, mas há uma coisa que não tem preço, a liberdade não tem preço. Eu sou um homem livre. Não dependo da política para viver, estou numa missão, a missão de transformar a terra em que nasci.
LO – O tal processo em curso.
PC – O tal processo em curso. Não quero que a geração dos meus filhos, e a gerações dos filhos dos meus filhos, esteja dependente de ter um cartão laranja para conseguir uma oportunidade de emprego. É por isso que aqui estou, é o meu maior sonho.
LO – E quanto ao preço a pagar…
PC – Quanto ao preço a pagar é simples. Quando nos movemos por causas nada nos faz parar, derrubamos muros sem deixarmos de construir pontes. E é uma satisfação grande perceber que há cada vez mais gente a caminhar ao nosso lado. Dá uma satisfação enorme. Seremos invencíveis, estou disso convencido.
LO – Tem um objetivo definido para as eleições autárquicas?
PC – A maior parte dos madeirenses é governada por presidentes de câmara socialistas. Queremos manter as quatro câmaras, mas somos ambiciosos e queremos reforçar. Temos bons candidatos e candidatas, estamos a dar recursos que nunca o PS deu ao longo da história, estou confiante.
LO – Entre as câmaras socialistas uma é liderada por uma mulher.
PC – Célia Pessegueiro, na Ponta do Sol, presidente também da Comissão Regional e excelente. Seis dos nossos 11 cabeças de listas nestas autárquicas são mulheres. Repare, no PSD são todos homens. O PS é um partido progressista e eu sou assumidamente feminista. É uma alegria enorme porque não ficamos só pelas palavras, nós concretizamos.
LO – Uma maioria absoluta de mulheres. Ter acontecido na Madeira era considerado impossível por muitos.
PC – Ouvi esse discurso na Madeira, mas não é verdade. Repare, no Funchal implementei o Orçamento Participativo, o primeiro da história da Madeira, e todos diziam que ninguém queria saber. Aconteceu o contrário, houve uma participação extraordinária, batemos recordes nacionais nessa matéria. Temos que abrir caminhos, porque abrir caminhos é abrir oportunidades.
LO – Tem a ambição no futuro de ter o primeiro governo paritário no país?
PC – Quero ter pessoas competentes, homens e mulheres. Mas as mulheres são tão capazes como os homens. Mais do que recordes, mais do que bandeiras, queremos servir de inspiração para que outros possam seguir estas transformações sociais tão importantes.
LO – Na discussão sobre o Orçamento de 2021, acusou a coligação de direita no poder de ter as prioridades erradas. Se o senhor fosse presidente o que estaria a acontecer de diferente na Madeira?
PC – A nossa postura não é de arrogância ou de mandar as culpas no exterior. Incríveis as acusações que são feitas ao governo por não ter salvaguardado a excecionalidade da Madeira no Reino Unido quando a decisão era do governo inglês. Não é bonito. Os partidos de oposição, durante a pandemia, nunca foram chamados ou tiveram informação por parte do governo regional. Isso não aconteceria comigo. No PRR apresentado por Miguel Albuquerque sugerimos 50 alterações e não foi aceite nem uma das nossas sugestões de alteração.
LO – Como define as prioridades de Miguel Albuquerque quanto à aplicação do dinheiro que vem para a Madeira no âmbito do PRR?
PC – Um PRR que é mais do mesmo, uma política de betão para alimentar lobbies que vivem à custa do orçamento regional. Receio que em 2027, assim que acabar o dinheiro, estaremos novamente de mão estendida a Lisboa. E isto não é autonomia. Estão de mão estendida. O PSD é do mais centralista que existe.
LO – O que me está a dizer é que Miguel Albuquerque depende mais de António Costa do que Paulo Cafôfo dependeria se fosse presidente.
PC – Não tenho qualquer dúvida. Miguel Albuquerque depende muito mais de António Costa do que eu dependeria se fosse presidente do governo regional. A atitude de guerrilha permanente tem a ver com o saciar das clientelas. Estão todos com uma enorme sede de ir ao pote e isso nota-se. O PSD que se diz autonomista, não passa de um partido colonialista e centralista em relação ao pode local. No PRR o poder local foi pura e simplesmente excluído.
LO – Tendo sido uma conversa privada, o que poderá dizer do seu encontro com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa?
PC – Mantenho com alguma regularidade conversas com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o que bastante me apraz.
LO – Fala mais com Marcelo Rebelo de Sousa do que com Miguel Albuquerque.
PC – Claramente, sem qualquer dúvida. Com Miguel Albuquerque apenas falei uma única vez e por telefone. Não há reuniões regulares, como já lhe referi não houve um único encontro, o que seria mais do que normal, sobre a gestão da pandemia. O Presidente da República conversa comigo sobre questões regionais, sobre a preocupação do Presidente sobre a autonomia e o seu aprofundamento.
LO – António Costa já lhe prometeu alguma coisa se um dia ganhar as eleições na Madeira?
PC – Não me prometeu nada. A única coisa que quero de António Costa é que haja articulação entre o governo da República e o governo regional, é a única coisa que quero, mais nada.
LO – Como define Miguel Albuquerque?
PC – Miguel Albuquerque é uma cópia de Alberto João Jardim, mas com o problema de as cópias serem sempre piores do que o original.
LO – Quando for presidente, quando chegar lá, a quem gostaria de telefonar entre todas as pessoas que já não estão?
PC – Ao meu pai, a pessoa mais honesta que conheci na vida. Tenho a certeza de que sentiria orgulho no filho, não por ter ganho as eleições, mas por não ter desistido de um sonho.