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Os mitos europeus de Miranda Sarmento

Os mitos europeus de Miranda Sarmento

No seu artigo de hoje no ‘Público’, Miranda Sarmento procura desmontar os seus mitos, criando novos mitos, ou seja, juntando mitos aos seus mitos. Não foi necessário muito tempo para este governo procurar justificar opções políticas suas com regras europeias.

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É natural que, sendo Portugal Estado-membro da União Europeia e integrando o espaço da moeda única, o euro, tenha de respeitar regras de coordenação das políticas económicas e sociais, as mesmas para todos os Estados-membros. Conhecemos a interdependência das economias. Percebemos que a resposta à crise financeira de 2008, deixando cada Estado-membro exposto aos mercados financeiros, teve consequências desastrosas para os europeus, nomeadamente para os portugueses. Com a crise COVID construiu-se uma resposta única: a criação do fundo NGEU (Next Generation EU) que financia os Programas Nacionais de Recuperação e Resiliência (PRR). Baseado na coordenação e solidariedade efetiva europeia.

Para Miranda Sarmento, as regras orçamentais são impostas pela Comissão Europeia. Falar das “novas regras impostas pela Comissão Europeia” é ignorância. É desconhecer o processo de decisão na União Europeia! A Comissão Europeia não é legisladora! As novas regras de governação europeia foram aprovadas com a adoção do “Regulamento do Parlamento europeu e do Conselho relativo à coordenação eficaz das políticas económicas e à supervisão orçamental multilateral” (51/24). Aprovado em codecisão, ou seja, pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu. Publicado no Jornal Oficial de 30 de abril deste ano.

Miranda Sarmento refere que as ditas regras são aprovadas, leia-se, com a cumplicidade do governo anterior. Ora, se fossem regras da Comissão Europeia o que é que o governo tinha a ver com isso? Mas tem, porque se tratou de um processo de codecisão. Ou seja, baseado democraticamente na negociação entre os governos (os ministros das finanças dos EM da UE) e os deputados europeus eleitos pelos cidadãos. E, já agora, os deputados europeus do PSD votaram a favor; os deputados europeus do PSD que foram transferidos para o governo, penso que 5, na fase em que ainda estavam no PE, também votaram a favor. Portanto, não se trata de novas regras impostas, leia-se, de uma forma não democrática, pela Comissão Europeia, como pretende Miranda Sarmento.

E o Parlamento Europeu teve um papel chave na negociação com o Conselho. Entre outras melhorias relativas ao mandato do Conselho, destaco: mais margem de manobra para investimento para os Estados-membros, mais tempo para o programa de ajustamento e retirando o cofinanciamento dos fundos europeus do cálculo da dívida líquida. Para além de ter reposto as 4 prioridades de investimento: Transições climática e digital, dimensão social e defesa. Um quadro mais democrático – os planos de ajustamento nacionais devem passar pelos Parlamentos Nacionais (o plano português não me consta que tenha passado pela AR antes de ser enviado para a CE) e pelos parceiros sociais; e uma maior apropriação por parte dos Estados-membros.

Questiono-me, porque desconhecemos, o que conseguiu o atual governo português na negociação com a Comissão Europeia… Sim, porque a CE apresentou a “trajetória de referência” ao governo português no dia 21 de Julho e até 20 de setembro haveria um processo de negociação para que em 20 de setembro o governo português, e os dos restantes Estados-membros, apresentassem o seu programa de ajustamento. Um programa de ajustamento que considerasse as reformas e os investimentos (à semelhança da organização do PRR) que o governo pretende fazer nos próximos anos. Portugal enviou já em outubro; outros EM também.

A trajetória de referência é assente no crescimento da despesa; Portugal tem uma taxa de crescimento da despesa significativa, porque parte de uma situação de privilégio, quando comparada com a situação de muitos outros Estados-membros: porque tem as contas certas, com excedente.

No seu artigo, Miranda Sarmento procura também encontrar uma explicação para a diferença entre as projeções relativas ao crescimento económico no programa eleitoral da AD (3,4%) e os números agora apresentados. Previsões são previsões; sabemos que instituições diferentes fazem previsões diferentes… mas, normalmente, não para metade! Nada tem a ver com o quadro de governação económica; melhor, o que tem, tem a ver com decisões políticas e económicas, fiscais e monetárias deste governo. O mesmo para as cativações: mais uma vez, escolha do governo.

Margarida Marques
Ex-deputada europeia e ex-secretária de Estado dos Assuntos Europeus

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