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Os corredores sem memória

Os corredores sem memória

Portugal e a Europa precisam da alma que supera a espuma dos dias. O queixume dos nossos dias não pode cair em saco roto.

O ritmo alucinante da vida política, como da vida em geral, trouxe uma desvalorização do valor da palavra dada, uma relativização das relações humanas e uma espécie de consumismo das ideias e dos valores. Quase tudo parece obedecer a uma lógica do usa-e-deita-fora, “fala mesmo que digas o contrário amanhã”, e a uma aposta reiterada na falta de memória e na superficialidade dos comentários. Há mesmo quem se tenha especializado em tudo isto e já não consiga viver sem o preconceito, a inveja e a tentação de colocar pedras no caminho dos outros, sem nunca indicar quais são as suas soluções. É o país dos corredores do poder na capital e dos comentadores mais ou menos profissionais, que dizem algo e o seu contrário com o maior despudor. Os corredores sem memória. E depois há os outros, os que vivem no país real. Os focados em contribuir para um país diferente para melhor.   

Quando assumiu a liderança do PS em 2011, depois da assinatura do memorando com a troika e de o partido ter obtido 28,05% dos votos, António José Seguro sublinhou que o partido tinha pela frente uma corrida de fundo a ser concretizada através de uma oposição firme, responsável e construtiva, com o compromisso de não prometer nada que não pudesse cumprir quando fosse primeiro-ministro. Mas disse mais: que a par do rigor nas contas públicas, era preciso uma estratégia para o emprego e o crescimento económico. Já antes tinha introduzido o discurso sobre a importância da Europa. Uma bizarria, diziam alguns.  

Não há memória de que alguém, com tantas cartas marcadas, tenha conseguido os resultados objectivos. Nunca na história do Partido Socialista, um líder conseguiu, em dois anos e meio, uma recuperação eleitoral superior a 8 pontos percentuais, dos 28,05% para os 36 ou 38%. O PS lidera, sustentadamente desde 2012, todas as sondagens sobre intenções de voto em eleições gerais, situação quase singular na Europa. Em Espanha, por exemplo, o PSOE apenas surge agora à frente do PP com uma vantagem de 1,6%, após as desastrosas propostas da direita sobre o aborto.  

Nunca um líder do PS teve de recorrer, em apenas um ano, a todos os instrumentos constitucionais ao dispor dos partidos para o exercício dos direitos de oposição: moção de censura ao governo, recusa de revisão da Constituição por via da regra dos 2/3 de votos no parlamento, voto contra o Orçamento do Estado e apresentação de pedido de fiscalização da constitucionalidade de várias normas.  

Nunca um líder do PS conseguiu conduzir o partido ao resultado histórico da conquista de 150 municípios e da maioria das freguesias de Portugal, recuperando a posição de maior partido do poder local democrático, num momento em que a proximidade com as pessoas e os territórios ganha maior importância.Nunca houve tantos comentadores políticos de direita no espaço mediático. Nunca a relevância financeira da publicidade das grandes empresas foi importante para a sustentabilidade dos projectos de informação. Nunca a desregulação se fez sentir com tanta acutilância, deixando quase sem margem quem insiste em fazer um caminho liberto da pressão dos interesses, centrado nos portugueses e em Portugal.  

Entre a propaganda e os preconceitos dos corredores sem memória, há um caminho que tem sido feito na libertação das grilhetas de algumas das opções de 40 anos de democracia para um novo rumo de desenvolvimento, um novo compromisso social e uma nova Europa Nesta corrida de fundo pontuada por barreiras, como se de 100 metros se tratasse, e com o nível de sacrifícios impostos aos portugueses, o fôlego, o foco no essencial e a resiliência são fundamentais. Portugal e a Europa precisam dessa alma que supera a espuma dos dias. O queixume dos nossos dias não pode cair em saco roto. Há um país que não se esgota na expressão de um bitaite inconsequente.  

Um país que pode e deve participar na mudança.

António Galamba

Secretário Nacional do Partido Socialista