Opinião: Os desafios da desunião
São exigentes e, em alguns casos, cruciais, para a consistência da unidade europeia, os desafios com que quase três dezenas de Estados Membros se confrontam, sessenta anos depois de um dos impulsos mais marcantes da história da Europa protagonizado pelo grupo fundador dos seis.
Apesar de tudo, tratou-se de um impulso bem-sucedido, responsável por décadas de prosperidades. Milhões de cidadãos libertaram-se da pobreza e a União Europeia tornou-se um espaço essencial, à escala global, da defesa dos direitos humanos, da ciência, da inovação e do empreendedorismo.
Ambições para a Comunidade Económica Europeia, como as do mercado comum ou da moeda única, mais num caso do que noutro, foram concretizadas. A Economia foi, porém, para o melhor como para o pior, mais célere do que a Política. Na verdade, a construção da união política, nas suas vertentes institucional, competencial e da legitimidade democrática teve avanços muito tímidos e, mesmo assim, não se vislumbra uma tendência clara para o seu aprofundamento. Não só a União Europeia está em vias de perder dimensão na sua geografia a noroeste, e não só, como integração na sua dimensão política a todos os níveis.
Numa conjuntura internacional peculiar, em que se cruzam tendências disformes, ora provindas do acréscimo de influência de movimentos extremistas em vários países ora de fatores como os de alterações resultantes da nova presidência dos Estados Unidos da América, a União Europeia confronta-se com opções e oportunidades que gostaríamos que nos conduzissem à afirmação dos seus valores fundamentais e ao reforço da sua influência no mundo.
Esta semana, enquanto celebrávamos a memória das vítimas dos atentados de Bruxelas de há um ano, a Europa sofreu mais um sobressalto com origem terrorista, desta vez no Reino Unido. É algo com que passámos a conviver de modo forçado e acumulado, mas é também uma situação que nos convoca para a unidade na ação como forma de combate eficaz, de proteção mútua, de paz e de liberdade.
A Europa, por isso, na sua vertente de união política ou, pelo menos, de união de políticas, tem, para além das vantagens económicas e sociais adquiridas e potenciais, ganhos indiscutíveis de segurança dos seus países, dos seus cidadãos, do seu património e do seu modo de vida. E a esse propósito temos outro desafio: o de sabermos e conseguirmos debelar essas ameaças à nossa liberdade sem prescindirmos dela no modo de gestão desse combate. A Europa que os seus fundadores intentaram construir é o lugar onde a segurança não se sobrepõe às liberdades individuais e onde estas se exercitas em nome da segurança coletiva. Uma não substitui a outra.
Sim. Esta nova Europa, de sessenta anos do Tratado de Roma, tem problemas que não estão ultrapassados ou que a revisitam – da crise dos refugiados às crises internas de Estados, dos desequilíbrios na riqueza entre países e pessoas ao desemprego e aos reptos da organização do trabalho, da segurança interna ao relacionamento para além das fronteiras, dos apelos egoístas e nacionalistas aos da solidariedade e integração.
Porém, a fragilidade que sentimos associada à sobrevivência do projeto europeu, e que parece estar no cimo das preocupações dos que mais o defendem, é algo que sempre pontuou estas seis décadas. A Europa construiu-se de crises e de respostas às crises, muitas vezes aprofundando a sua integração em resultado desta dialética e outras vezes gerando alternativas quando o horizonte de possibilidades parecia limitado. O aniversário do Tratado de Roma é a renovação do convite à reflexão sobre os ganhos e perdas, sobre os avanços e retrocessos, sobre a integração e diferenciação necessárias, sobre como olhamos e queremos olhar a Europa. A União do futuro é já, é agora, momentosos que são os problemas com que nos afligimos. Apesar disso, problemas menos graves, certamente, do que aqueles que teríamos hoje se, em 1985, com a condução de Mário Soares, não tivéssemos aderido à CEE.
Os líderes europeus são hoje chamados a decidir sobre o futuro da Europa, tendo à sua escolha vários cenários delineados pela Comissão Juncker no Livro Branco publicado há uns dias. Para a melhor perspetiva só serviria uma Europa que se construísse e integrasse à mesma velocidade, mas esse ideal implicaria capacidades e vontades mais próximas, o que, infelizmente, não corresponde à realidade. Resta-nos, assim, o caminho que pode ser mais comumente aceite e trilhado e mais adequado à diversidade da União: prosseguir, cada um a seu ritmo, o aprofundamento da integração europeia; se assim puder ser, sem que a União se transforme num agrupamento de desigualdades, optaremos por uma via de resguardo do projeto que na origem se idealizou; não a melhor, mas a possível. Que se decida pelo melhor possível!
(in Diário de Notícias)
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