Opinião | O perigoso mundo novo de Trump
“Um país que deixa morrer uma mulher grávida à porta do hospital por não ter seguro de saúde é uma democracia?” – perguntou-me a jovem ativista dos direitos humanos na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, em 2005, à margem da Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim +10).
Incrédula, ouvi o relato de casos dramáticos. Doentes crónicos que ficam entregues à sua sorte. Mulheres que passam a gravidez sem acompanhamento médico. Crianças que só não são saudáveis porque a família não tem como pagar um seguro de saúde.
Nos Estados Unidos, não há um sistema público de Saúde (à semelhança do nosso SNS). Os mais pobres são apoiados pelo Medicaid e os mais velhos pelo Medicare. Os trabalhadores, em geral, são abrangidos pelos seguros das entidades empregadoras. E ficavam sem cobertura cerca de 15% da população, os tais que ficavam à porta do hospital e que Clinton e Obama queriam deixar entrar.
Por tudo isto, lamentei que o Bill Clinton não tivesse conseguido fazer passar no Congresso a sua proposta de reforma da Saúde. Desesperei com os obstáculos que o Congresso colocou a Barak Obama. Rejubilei quando, finalmente, ele conseguiu aprovar o Patient Protection and Affordable Care Act, garantindo o direito à Saúde de vinte milhões de americanos.
No exato dia da tomada de posse, entre a parada militar e o baile, Trump foi a correr assinar o seu primeiro decreto. Tanta pressa para quê? Para revogar o chamado Obamacare, ou seja, a reforma da Saúde por que Clinton e Obama tanto lutaram. Entretanto, como o assunto tem de ir ao Senado, Trump dá de imediato instruções sem margem para dúvidas: “até aos limites permitidos pela lei [as autoridades competentes] deverão exercer toda a autoridade e discernimento para isentar, protelar, garantir exceções ou atrasar a implementação de qualquer exigência do Ato que imponha um fardo orçamental a qualquer estado”. Ou seja, acabou o acesso generalizado à Saúde, mesmo antes de o Congresso se pronunciar.
Trump é uma ameaça para o equilíbrio mundial. Uma afronta para as mulheres. Um terror para os mais desfavorecidos. Um embaraço para os americanos civilizados. Um perigo para a paz. Quem como eu acreditou que yes, we can era mais que um slogan; exultou com a eleição do primeiro presidente negro do país mais poderoso do mundo; admirou o estilo presidencial de Obama, a simplicidade, a inteligência, a elegância e o sentido de humor no dizer e no fazer; se emocionou com os discursos dele e dela, Michelle (que a mulher de Trump plagiou); reconhece a importância do seu legado presidencial – retirada do Iraque, redução do desemprego, apoio ao acordo do clima, restabelecimento das relações diplomáticas com Cuba, o sistema de saúde de cobertura nacional…; quem julgou que, depois deste salto qualitativo, o passo seguinte seria a eleição de uma mulher, e ouve o que Trump diz e vê o que Trump faz, facilmente percebe que este presidente é um pesadelo mais profundo e doloroso do que toda a demagogia e populismo da campanha permitiam antever. Trump é mau e rodeou-se dos piores. Trump já abriu a caixa de Pandora de acesso ao perigoso mundo novo.
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