Opinião: O medo alemão não salva a Europa
(Artigo de opinião escrito originalmente para o Jornal I)
Carlos Zorrinho
O medo alemão não salva a Europa
A UE precisa de não ter medo. E a Alemanha, em particular, precisa de ter a coragem de estar na primeira linha das reformas da união.
Confrontada abertamente nos seus princípios e valores fundamentais de abertura, tolerância, liberdade de expressão, circulação e troca de bens e serviços, a União Europeia (UE) tem de reagir afirmando esses valores nas suas ações concretas e nas suas relações diplomáticas, económicas e políticas globais.
Esta exigência ocorre num momento em que se começa a acentuar cada vez mais um sentimento de fim de ciclo nas instituições europeias que dificilmente o discurso do Estado da União a ser proferido esta manhã em Estrasburgo por Jean-Claude Juncker permitirá inverter. Todas as forças no terreno se mobilizam já para as eleições europeias de maio do próximo ano, que serão o ponto de partida da renovação institucional.
Se esta sensação de fim de ciclo poderia ser considerada normal pelos padrões anteriores, na atual conjuntura, ela é manifestamente prematura. Muita coisa tem de ser concretizada ainda neste ciclo se quisermos assegurar uma forte participação dos europeus nas eleições e preparar a UE para vencer os desafios e as ameaças com que se defronta. O que se decidirá em maio de 2019 será o revigoramento ou o declínio irreversível da União Europeia tal como a conhecemos.
Uma das grandes dificuldades para dar corpo a esta perspetiva de ação é a mudança de atitude da Alemanha enquanto um dos motores fundamentais da união. São ainda recentes os tempos em que tivemos razões para criticar a sobranceria e autossuficiência alemã na resolução dos seus problemas, sem ter em conta o sentido solidário e convergente que teria dado mais consistência às soluções que impôs.
Hoje deparamo-nos com uma situação contrária. A Alemanha parece paralisada de medo em relação a linhas políticas tão importantes como a gestão das migrações, a segurança europeia, a abertura comercial ao mundo, a transição energética e a renovação industrial. Esta paralisação não salva a Europa nem os europeus de tempos difíceis para os seus valores, ideais e objetivos económicos e sociais.
Não é razoável responder às ameaças de redução da proteção da Europa por parte dos Estados Unidos da América com medo de apostar numa união da defesa e da segurança forte e credível. Não é plausível responder às ameaças de aplicação de tarifas abrindo negociações ad hoc e sem respeito pelos padrões europeus do comércio sustentável. Não é boa estratégia reagir aos problemas de adequação da indústria, em particular da indústria automóvel, recuando nos padrões de exigência em vez de avançar na inovação tecnológica e na liderança da mobilidade limpa.
Em múltiplos textos neste espaço escrevi sobre a oportunidade que a transição energética e a revolução digital constituem para a afirmação de um espaço político, económico e social com as características, a dimensão e o potencial da UE. Esse potencial e essa oportunidade permanecem intactos. Mas é preciso agir, e não fugir.
A UE precisa de não ter medo. A Alemanha, em particular, precisa de ter a coragem de estar na primeira linha das reformas da união, do avanço da união económica e monetária, da união da segurança e da defesa, da união da energia, da união digital e da união social. O medo não nos salva. A ambição, talvez.